Thursday 15 August 2019

Friday 8 February 2019

O Conservadorismo político: conceitos e discussões


O Conservadorismo político: conceitos e discussões

O termo “Conservadorismo” foi criado pelo jornal de Chateaubriand na França em 1820, com a ideia de programar a restauração política e clerical. Na Grã-Bretanha, apareceu pela primeira vez no jornal Quarterly Review em 1830. Em meados da década de 1830 tornou-se a designação oficial do partido Tori.
A utilização do termo a partir de 1832 tentava sobretudo expurgar do partido as antigas associações e trabalhar cuidadosamente um não rompimento com o passado, mas uma certa alteração de rumo.
A linha divisória que marca o pensamento conservador está centralizada sobre o advento da Revolução Francesa. Um dos precursores do conservadorismo, Edmund Burke se opunha às concepções elaboradas pela Revolução Francesa, que propunha que os "homens eram iguais e sobretudo passíveis de aperfeiçoamento. Tal aprimoramento podia ser desenvolvido pelo refinamento da razão humana e pela reforma das instituições sociais e políticas". De certa forma, a Revolução Francesa através de seu discurso modernizante fez com que os homens acreditassem no auto-interesse racional e que este constituía a base suficiente para a vida social, o seu bem-estar e sobretudo a felicidade. Nesse sentido, tanto o pensamento como a ação de característica individual precisava se libertar das questões tradicionais.
Por conseguinte, o pensamento de Burke se apresenta com um posicionamento contrário aos ideais revolucionários. Segundo Burke, os poderes racionais de todos os indivíduos são limitados. A sociedade está interligada não pelas questões racionais, mas pelas questões morais e pela força das tradições. O progresso da civilização depende da manutenção da ordem social.
A ideologia conservadora se caracterizou durante todo o século XIX pela defesa de políticas com sentido negativo, entre elas cita-se a dificuldade de se adaptar ao crescimento da democracia, a relutância em proporcionar sentido à soberania popular ao imanente sufrágio masculino. Uma das características do conservadorismo naquele contexto era apresentar distinções entre ricos e pobres. Aqueles que não obtinham posse automaticamente ficavam excluídos do processo político. A estabilidade e o interesse no bem comum estavam atrelados à propriedade.
A visão de conservadorismo que apresentou aspectos relevantes e se colocou no contexto mundial como precursora do desenvolvimento tanto político quanto econômico está atrelada ao pensamento inglês. Nos Estados Unidos vários conservadores de renome defenderam a proposta do liberalismo clássico.
De acordo com Vincent, o pensamento conservador pode ser classificado de cinco formas distintas: conservadores, tradicionalistas, românticos, paternalistas, liberais e da Nova Direita. A proposta que apresenta aspectos de hegemonia está concentrada sobre o conservadorismo liberal. De acordo com essa visão, a economia precede sobre todos os aspectos às questões políticas, a obrigação precede o direito. "O conservadorismo liberal tende a aceitar a maior parte dos dogmas formais do liberalismo clássico: ênfase no individualismo, direitos pessoais e legislação mínima do Estado".
De acordo com Hayek existem duas filosofias políticas que proporcionam suporte ao liberalismo: a que se "baseia em uma interpretação evolucionária de todos os fenômenos da cultura e da mente e numa visão introspectiva dos limites dos poderes do raciocínio humano. E a que se baseia no "racionalismo "construtivista", uma concepção que leva ao tratamento de todos fenômenos culturais como produto de desígnio deliberado".
No primeiro momento, o conservadorismo liberal se opôs às políticas liberais apresentando teorias que não convergiam com as propostas liberais. O conservadorismo se opunha sobretudo contra os aspectos históricos, tradicionais e morais que regiam a sociedade.
De acordo com Giddens, os principais conceitos do conservadorismo são: a autoridade que está relacionada com os contratos, a lealdade que se relaciona com a subserviência e submissão às questões da autoridade e a tradição, que se refere aos costumes e cerimoniais. O ponto de divergência cabal entre o conservadorismo e o liberalismo situa-se sobre as questões que se referem à racionalidade. A dicotomia entre a teoria e a prática.
O conservadorismo não está concatenado com a questões racionais, com o domínio cognitivo da natureza e sim sedimentado sobre as questões práticas e sentimentais do cotidiano. O processo de racionalização do mundo ocidental parte portanto, "da necessidade das religiões mundiais de subsistir a magia pelo domínio cognitivo da natureza e por uma explicação ética capaz de ser justificada".
Se para Oakeshott, o conservadorismo se apresenta como algo avesso às mudanças, para o conservadorismo moderno a mudança é de vital importância para sua sobrevivência. Sem o processo de alterações constantes da sociedade, sem a apresentação do novo, o conservadorismo moderno está fadado ao fracasso.
De acordo com Giddens, o velho conservadorismo "defendia a hierarquia, a aristocracia, a primazia da coletividade, ou do Estado, sobre o indivíduo, e a importância proeminente do sagrado". Por conseguinte, um questionamento se faz necessário nesse momento. Até que ponto existem convergências entre o conservadorismo e a nova direita?. Um ponto de convergência crucial que os tornam praticamente inseparáveis está relacionado com a questão libertadora do empreendimento mercadológico. A posse da propriedade enfocado pela nova direita reforça a tese conservadora e promove sobretudo o bem-estar familiar. O novo mercado pregado pela nova direita não se compatibiliza com a intervenção do Estado. A intervenção do Estado só é cabível para a manutenção da ordem e da lei que se relaciona com os princípios hierárquicos conservadores. Tendo em vista o declínio da família, instituição a qual é defendida ferozmente pelos conservadores a nova direita atribui a culpa aos intelectuais e ao permissivismo da esquerda. Segundo Giddens, "as mudanças estruturais que afetam a família, e outras áreas da vida social fora da esfera do trabalho assalariado, são estimuladas pelas próprias influências promovidas pela Nova Direita e o seu disfarce neoliberal.
Nesse sentido, as alterações e mudanças sociais provocadas pela nova direita choca-se com a visão mais arcaica do conservadorismo, ou seja, aquela ligada com as questões referentes à tradição. Internacionalização do capital, comunicação eletrônica, mercado financeiro, são atuações marcantes do discurso hegemônico liberal. No entanto, proporcionam o que Giddens denomina de destradicionalização para quem significa uma "aceleração da reflexividade social intensificada". Tal visão se contrasta com a proposta de Oakeshott para quem o conservadorismo "prefere o conhecido ao desconhecido, o que foi experimentado ao que não o foi, o fato ao mistério, o real ao possível, o limitado ao ilimitado, o próximo ao distante, o suficiente ao superabundante, o conveniente ao perfeito, o riso de hoje à felicidade utópica".
A nova direita se relaciona com a supremacia econômica devido ao seu caráter prático, imediatista, de tempo real. Nesse sentido, se opõem às questões longínquas da política. A política para a nova direita se relaciona com os aspectos teóricos das questões da vida e se identifica com o processo da razão abstrata, tão refutada pela ideologia conservadora.
Uma das características do antigo conservadorismo concentra-se sobre a busca constante pelo equilíbrio da identidade. O novo conservadorismo se fortalece com a quebra, com a ruptura das identidades. A identidade para o novo conservadorismo é sempre transitória, fugaz, uma vez que a busca incessante pelo inexplorado apresenta-se de forma latente na sociedade.
A homogeneização dos discursos é um dos trunfos da nova direita. A supressão das culturas e o desprezo pelas questões locais são características marcantes do neoliberalismo vigente. Tal característica diverge da proposição política dos conservadores que a veêm somente com características artísticas e de conversação.
O ponto de convergência central entre a democracia e o conservadorismo se estabelece na esfera da individualidade. O termo democracia não se relaciona com a democracia dos antigos propostas por Bobbio, aquela cuja centralidade está no indivíduo, mas sim aquela que se denomina como democracia representativa.
Nesse sentido, o elo entre o conservadorismo e o sistema democrático está em que ambos enxergam o indivíduo dotado de aspectos morais e permeado pelas questões do direito que lhe é inerente por natureza.
Na democracia moderna como expõe Bobbio " o soberano não é o povo, mas são todos os cidadãos". Nessa mesma linha de raciocínio Bobbio continua "a democracia moderna repousa em uma concepção individualista da sociedade"
O Estado para o velho conservadorismo era centralizador e autoritário, apresentando uma idéia de república unitária, sendo o Estado o regulador da própria sociedade.
Nesse sentido, o velho conservadorismo apropria-se do discurso de Hobbes, assumindo um Estado absolutista, não só impedindo a "guerra de todos contra todos", mas principalmente para a manutenção do "status quo" da elite dominante.
O novo conservadorismo apresenta aspectos que de certa forma "rompem" com os discursos do velho conservadorismo. O novo não se apropria do Estado, mas utiliza-o para os seus próprios interesses. O novo conservadorismo não busca na religião os seus anseios. A racionalidade proporciona sentido à vida. A técnica se sobrepõe ao nepotismo.
O novo conservadorismo ao contrário do velho, "incorpora" as massas nas decisões políticas. Cabe ressaltar que essa incorporação está restrita somente às questões de representação e não sobre a perspectiva de efetividade.
Por conseguinte, a sociedade contemporânea passa por momentos de transformações. De acordo com Giddens "as transformações institucionais, particularmente as que sugerem que estamos nos deslocando de um sistema baseado na manufatura de bens materiais para outro relacionado mais centralmente com informação."
As transformações institucionais ocasionadas pelo mundo pragmático da informação, transformou também as relações políticas. A vivência do mundo em tempo real, a relação espaço-tempo marcou um processo revolucionário, não no sentido marxista de ruptura, mas sim um processo de transformação extrema sobre as verdades políticas, antes expressas tanto por membros da direita, quanto por membros da esquerda.
Se o velho conservadorismo apoderava-se do Estado e impunha uma visão nacionalista, o novo conservadorismo apóia-se sobre o Estado dando-lhe um viés internacionalista. Uma relação de subserviência para com as políticas ditadas pelo exterior.
As transformações ocorridas na sociedade através do que podemos denominar de modernidade, serviram para estabelecer conexões sociais com conotação internacional.


Thursday 31 January 2019

Discussão sobre Grupos de pressão, grupos de interesses e lobbyng




Grupos de Pressão, Grupos de Interesses e Lobbyng: conceitos e discussões

Muito se discute na literatura política a respeito de grupos de interesses. As discussões mais freqüentes sobre o tema está relacionado com a posição do Estado. O Estado serve para estabelecer parâmetros sobre a coisa pública ou sobre a coisa privada. Até que ponto ambos, o público e o privado se fundem.
Distinções são estabelecidas entre grupos de interesses, grupos de pressão e lobbying. No entanto, para um leitor leigo no assunto, todas as definições relacionadas fazem parte do mesmo fenômeno, ou seja, o uso de quaisquer dos termos não faz diferença, uma vez que possuem características semelhantes. Os termos grupos de interesses e grupos de pressão apresentam semelhanças entre si. Muito embora as denominações possam variar, os conceitos apresentam semelhanças, o que proporciona o entendimento de que o problema se caracteriza apenas como semântico. O conceito relacionado ao lobbying se distingue dos outros dois por se tratar de um processo utilizado para a obtenção dos resultados desejados.
Grupo de interesse, segundo BOBBIO (1985, p. 563), "é qualquer grupo que, à base de um ou vários comportamentos de participação leva adiante certas reivindicações em relação a outros grupos sociais, como fim de instaurar, manter ou ampliar formas de comportamento que são inerentes às atitudes condivididas". Grupos de pressão, para TOLEDO (1985, p. 3), "constituem-se em organizações ou entidades que procuram influenciar no processo de decisão de órgãos estatais, visando ao atendimento de seus objetivos específicos". Lobbying, no trabalho de BOBBIO (1985, p.564), "é o processo por meio do qual os representantes de grupos de interesses, agindo como intermediários, levam ao conhecimento dos legisladores ou dos decision-makers os desejos de seus grupos".
Muito embora a literatura seja vasta sobre o tema, os conceitos expostos no trabalho possuem o intuito de fundamentar metodologicamente o trabalho. Quanto ao termo escolhido para o desenvolvimento do assunto, faz-se necessário salientar que se trata apenas de uma questão semantica, mas que leva em consideração os mecanismos utilizados para a conquista de objetivos. Isso quer dizer que poderia ser utilizado o termo grupo de interesse para a consecução dos trabalhos. O termo grupo de pressão se caracteriza como um processo mais enfático de atuação, possuindo um perfil mais adequado para os objetivos do presente trabalho. Os vocábulos, interesse e pressão se caracterizam como antagônicos, ou seja, o termo interesse é mais sublime, sutil, enquanto pressão se caracteriza como uma palavra forte e que esboça uma determinada reação ou não por parte de quem sofre o intento.
No entanto, para o referido trabalho será utilizado a expressão grupo de pressão. A expressão grupo de pressão será utilizada pois acredita-se que a mesma apresenta um conceito mais relacionado com os assuntos estatais. A utilização do termo grupo de pressão está baseada no conceito de Toledo, ou seja, o autor relaciona o grupo de pressão com os assuntos inerentes ao Estado.
O que encontra se em evidência no referido trabalho é o poder do Estado e os grupos que de alguma forma tentam influenciá-lo quanto às tomadas de decisão.
Por conseguinte, cabe aqui distinguir dois tipos de grupos de pressão: os que agem com finalidades econômicas, ou seja, aqueles que trabalham para conseguir recursos provenientes do Estado e que têm uma previsão de curto prazo para a realização dos seus interesses, e os grupos de pressão, que agem com finalidades políticas, ou seja, atuam junto ao Estado para conquistar os seus interesses com uma visão de longo prazo e de uma forma mais permanente, atuando na elaboração de determinadas políticas, ou muitas vezes aplicando-as. Contudo, precisa ser esclarecido que a atuação junto à formulação de políticas não dispensa o usufruto econômico das questões do Estado, a mesma serve apenas de um porto seguro para as pretensões de determinados grupos quanto às questões de perspectivas de futuro, enquanto os grupos de pressão com características econômicas atuam de uma forma imediata explorando apenas os processos de licitação do Estado. A questão econômica para os grupos de pressão com características políticas torna-se uma relação posterior ao êxito político, cuja previsibilidade de investimento e perspectiva já estarão de certa forma garantidas.
Parte-se da prerrogativa de que existem grupos de pressão que se formam de maneira exógena ao Estado e que sobretudo tentam influenciar as tomadas de decisão, no sentido de beneficiar-se de alguma forma, seja no âmbito econômico ou mesmo no âmbito político. Parte se da prerrogativa de que existem núcleos de poder exógenos ao Estado. O Estado não se caracteriza como única fonte de poder. Os vários segmentos do mercado possuem cada um com suas próprias características seus próprios núcleos de poder e lutam sobretudo não somente para a manutenção de seus interesses, mas sobretudo pela ampliação dos seus objetivos.
Os grupos que se apresentam como endógenos ao Estado, possuem uma característica distinta. Esses grupos atuam através dos aspectos legais do Estado, ou seja, atuam sobre o consentimento do próprio Estado. Por consentimento de Estado, tem-se que inúmeros cargos políticos são da ordem de indicação do Poder Executivo. Um determinado ministro ou secretário de Estado pode ser ligado a um determinado grupo de pressão e ser nomeado pelo Poder Executivo.
Os grupos de pressão não agem somente através dos partidos políticos, não que houvesse ou haja uma receita para a atuação de um determinado grupo de pressão, cada grupo delineia a sua própria forma de atuar, seja junto ao Executivo de forma direta, ou mesmo sobre o Poder Legislativo ou sobre o Poder Judiciário.
O principal questionamento dos grupos de pressão é sobre o local da tomada de decisão. A partir da localização do núcleo de poder, elabora-se um plano de ação que será alvo das pressões para a conquista de um determinado intento.
O grupo de pressão pode atuar de várias formas quanto à abordagem do objetivo a ser alcançado. Pode lutar para a inclusão de seus membros na Assembléia Legislativa e através deles apresentar propostas que lhe beneficiem de forma direta, ou mesmo financiando campanhas de deputados ou vereadores que compartilham o mesmo ideal. Os grupos de pressão podem atuar junto às várias comissões de orçamento das Câmaras Legislativas que pode ser tanto do âmbito municipal, estadual ou mesmo federal, que possuem a missão de avaliar não somente os assuntos econômicos, mas sobretudo os aspectos de regulamentação de um determinado assunto específico utilizando a prática do lobbying onde se discute de forma direta o assunto desejado, ou mesmo na abordagem direta dos membros do Poder Executivo, utilizando as Secretarias de Estado para levar os seus intentos adiante.
Os grupos de pressão agem sobre um determinado alvo (instituição pública), que pode ser o Poder Executivo, o Poder Legislativo ou o Poder Judiciário, para atingir determinados objetivos. Com a redução dos poderes do Poder Legislativo a influência dos grupos de pressão recaiu sobre o Poder Executivo, de acordo com CLEVE (2000 p. 101): "...com a redução da capacidade do Congresso em legislar sobre matéria econômica e financeira, as entidades privadas deslocaram o lobby do Legislativo para o Executivo, onde é mais, muito mais fácil influenciar um técnico que vai emitir um parecer do que influenciar quatrocentos e vinte deputados e sessenta e sete senadores".
Os grupos de pressão agem sobre o Poder Executivo por ele possuir prerrogativa muito forte de poder de influência. DAHL (1983, p. 26), define "Influência é uma relação entre atores tal que os desejos, preferências ou intenções de um ou mais atores afetem a conduta, ou a disposição de agir, de um ou mais atores distintos". O que se caracteriza como influência para Dahl, se apresenta para Bachrach e Baratz como poder. Poder para ambos se apresenta como um aspecto relacional dependendo do caso específico a ser estudado. "Se A tem poder sobre B simplesmente porque B, ansioso por evitar sanções se submete a uma determinada política A" BACHRACH e BARATZ (1983 p. 47).
Apesar do conceito de poder ser importante para o desenvolvimento de nossas reflexões é sobre a questão da influência que recai a maior preocupação. Como Dahl "equaciona poder com influência coercitiva, "ligando-a" especificamente ao estado" WOOTON (1969 p. 134), o conceito de influência se desenha da seguinte forma, uma "relação entre atores em que um ator induz outros atores a agirem de algum modo que, em outras circunstâncias, não agiriam" WOOTON (1969 p. 135).
Segundo WOOTON (1969 p. 139), são quatro as medidas possíveis de influência dos grupos de pressão:
I – Quantos alvos esse grupo de pressão pode influenciar?
II – Até que ponto o alvo específico teve de mudar de posição sob o impulso do grupo de pressão?
III – O que a mudança em II custou ao alvo em termos de compromisso normativo?
IV – Em quantos campos de ação (ou, em que extensão total) pode um grupo de pressão agir?
Os grupos de pressão se dividem em "duas grandes categorias: os permanentes e os temporários" WOOTON (1969 p. 135) . Devido a instabilidade do comportamento dos diferentes grupos existentes torna-se difícil uma classificação exata dos mesmos, onde atitudes e interesses podem sofrer modificações constantes mas os grupos permanentes possuem mais condições de aplicar sanções, pois atuam de forma perene sobre as ações das instituições públicas, portanto, lutam para a implantação de votação de determinados projetos de lei e se caracterizam como grupos de pressão político, enquanto que os grupos de pressão temporário agem mais no sentido de conseguir uma vaga num processo de licitação específico se caracterizando como grupos de pressão econômico. Vale ressaltar que tal classificação pode se alterar devido ao processo dinâmico que permeia tal relação.
Wooton chega a seguinte classificação dos grupos de pressão:
Grupo de pressão econômico: fábrica, usinas, minas, escritórios, fazendas, ou as entidades jurídicas (firmas comerciais, sociedades anônimas);
Grupos de pressão integrados: instituições jurídicas;
Grupo de pressão cultural (sentido amplo): famílias, igrejas, escolas.
A classificação proposta pelo autor assim como exposto anteriormente não se caracteriza como algo fechado e absoluto. No que diz respeito aos grupos de pressão econômico, os mesmos podem possuir interesses fugazes, ou seja, estarem interessados em um determinado processo de licitação específico ou mesmo na implantação e votação de um determinado projeto de lei específico e agir como um grupo de pressão político. O que precisa ser salientado é que, seja qual for a característica do grupo de pressão, o mesmo irá atuar tendo como alvo uma determinada instituição pública para a obtenção dos seus objetivos.




Tuesday 29 January 2019

Resenha do livro: Governança democrática e poder local




SANTOS JUNIOR, Orlando Alves dos; RIBEIRO, Luiz Cesar de Queiroz; AZEVEDO, Sergio de (orgs). Governança democrática e poder local: a experiência dos conselhos municipais no Brasil. Rio de Janeiro: Revan, Fase, 2004.

Resenha

         A experiência dos Conselhos Municipais no Brasil coincide com o limiar da crise que  aflige o sistema democrático em todo o mundo.
         Mesclar a democracia representativa com a democracia direta foi a alternativa encontrada para diminuir os impactos causados pela inoperância  do atual sistema. Se for levada em consideração a premissa levantada por Bobbio (1) de que a democracia não cumpriu as suas promessas e por isso necessita ser reinventada, os autores do presente livro apontam justamente para o ponto nevrálgico do sistema – os Conselhos Municipais. Surgem como um ponto de apoio para a democracia representativa, uma vez que se trata de um mecanismo de democracia direta inserido no contexto político brasileiro.
         A experiência dos Conselhos Municipais no Brasil, assim como os estudos que permeiam a referente obra levantam duas questões que trabalham no sentido de contribuir para a não operacionalização das atividades propostas pelos Conselhos, mas que convivem conjuntamente para proporcionar a fase inicial de um processo de transformação política – de um lado, encontra-se o sistema educacional brasileiro que não apresenta uma formação adequada aos cidadãos, o que dificulta a inserção dos mesmos nos canais de participação e efetivação do processo democrático, por outro lado, tem-se a formação do Estado brasileiro que possui em seu histórico tomadas de decisões com características verticais sem consulta às bases, fruto de mecanismos políticos autoritários.
         Isso significa que a obra denuncia a gestação de uma transformação do processo político brasileiro calcada no exercício da cidadania política, mesmo possuindo pontos de adversidades para o sucesso da empreitada – trabalhando sob a anuência da Constituição Federal que proporciona respaldo e subsídio através do macro sistema político, os autores contemplam de forma significativa ascriações  políticas dos governos municipais e da sociedade civil das principais capitais brasileiras, uma vez que as mesmas fomentam o exercício da cidadania política, abrindo espaço para a criação de uma sociedade poliárquica (2) no sentido dahlsiniano.
         Ora, isso não significa que o Brasil se transformará em uma ágora gigante, nem marca um regresso à democracia dos antigos, como expõe Bobbio, apenas trata-se de um processo de aperfeiçoamento da democracia – democracia marcada pela acelerada urbanização e pelo superpovoamento. A obra aponta caminhos para que a democracia torne a trilogia input, output e feedbackfenômenos repetitivos e constantes no cenário contemporâneo.
Pretendendo estabelecer diretrizes para a inserção dos Conselhos Municipais no cotidiano político brasileiro, os autores trabalharam  com muita perspicácia o conceito de governançademocrática – “padrões de interação entre as instituições governamentais, agentes do mercado e atores sociais que realizam a coordenação e, simultaneamente promovam ações de inclusão social e assegurem e ampliem a mais ampla participação social nos processos decisórios em matéria de políticas públicas”.
 Através do conceito exposto, percebe-se que os autores contrapõem o Estado, o mercado e a sociedade civil como atores principais do sistema democrático em voga, mas, será que os governos municipais são capazes de concatenar e aglutinar os interesses do poder público, do mercado e da sociedade civil em seu interior?
 De acordo com os estudos referidos na presente obra 62% dos conselheiros possuem alto nível de escolaridade, desse total, 81% são conselheiros do setor governamental, representando assim o fenômeno da tutela e da elitização dos mecanismos democráticos, fomentadores da participação cidadã proposta por Gohn. Muito embora o quadro apresentado pelos Conselhos Municipais das principais capitais brasileiras demonstre a forte influência do governo local em suas composições é justo afirmar que os mesmos também são palcos da luta entre os movimentos sociais organizados e os grupos políticos locais que lutam de forma constante para a manutenção ou a ampliação dos seus poderes.
         A obra apresentada por Santos Junior, Ribeiro e Azevedo merece ser vista como instigante e inovadora, uma vez que apresenta subsídios importantes para uma sociedade mais democrática e participativa além de nos convidar ao trabalho do pensamento para a construção de um novo modelo político.
Notas:

1. Na obra “O futuro da democracia”, Norberto Bobbio faz menção de que a democracia não cumpriu as suas promessas e por isso faz-se necessário reinventá-la.

2. O conceito de poliarquia é proposto por Robert Dahl na obra denominada “Poliarquia”, segundo o autor, “poliarquia são regimes que foram substancialmente popularizados e liberalizados, isto é, fortemente inclusivos e amplamente abertos à contestação pública” .


Wednesday 23 January 2019

Andre Trigueiro: Resenha do livro "Meio ambiente no século 21"

TRIGUEIRO, A.  Meio ambiente no século 21: 21 especialistas falam da questão ambiental nas suas áreas de conhecimento. 4 ed. São Paulo: Autores Associados, 2005.

“Meio ambiente no século 21: 21 especialistas falam da questão ambiental nas suas áreas de conhecimento” (Armazem do Ipê, 4 ed, 2005, 367 p.) do jornalista André Trigueiro, traz um conjunto de artigos escritos por vários autores sobre o Meio Ambiente.
 O autor inicia o livro escrevendo sobre a falta de entendimento sobre o conceito de meio ambiente – de uma forma geral, meio ambiente é confundido com o que as pessoas conhecem como fauna e flora, não relacionando o termo com a amplitude que deveria ser utilizado – na verdade, aponta para a dificuldade em se estabelecer um nível de consciência ambiental.
É sobre essa perspectiva que o livro encontra-se organizado e com 21 textos que nos remete ao século XXI e as discussões relacionadas ao meio ambiente – entre os autores, existem renomados profissionais, como exemplo, podem ser citados: Fritjof Capra, Gilberto Gil, Leonardo Boff, Fernando Gabeira, entre outros.
O primeiro capítulo do livro trata-se de um artigo do renomado físico Fritjof Capra, onde o autor discorre sobre o tema: alfabetização ecológica – nesse contexto, Capra aponta para o nascimento do conceito de sustentabilidade, para isso busca entendimento no Relatório Brundtland organizado pelas Nações Unidas, onde vincula a preservação do meio ambiente como condição necessária para a construção do futuro.
Para Capra, existe uma dificuldade de organizar e operacionalizar o conceito de sustentabilidade e o melhor caminho para isso é a educação, através do que ele denomina de  alfabetização ecológica - pois acredita que a compreensão dos princípios de organização dos ecossistemas é fundamental para a manutenção da teia da vida.
De uma forma geral, Capra estabelece a necessidade de organização de um novo curriculum na educação, onde pode se estabelecer padrões e significados diferentes às crianças, através do processo de aprendizagem.
Padrões estes estabelecidos em cima de uma educação ambiental  mais prática, como exemplo o autor cita a organização de hortas nas escolas, como condição sine qua non para a construção de uma relação mais sólida entre as crianças e o meio ambiente, tendo em vista o envolvimento estabelecido.
Leonardo Boff, o teólogo inicia o segundo capítulo tecendo uma crítica ao modelo de desenvolvimento em voga, criticou de forma voraz a cultura do consumismo e com muita perspicácia discorre sobre a importância da espiritualidade para a mudança do paradigma vigente.
A espiritualidade é importante tendo em vista a sua capacidade de alterar o relacionamento entre os homens e a Terra – de acordo com Boff, a espiritualidade é significativa pois passa a transformar e deixar transparente a experiência interior, afastando a relação intelectual e mais científica que determina as ações contemporâneas – nesse contexto, a capacidade de redução do consumo seria significa, uma vez que colocaria limites à voracidade humana, preservando a natureza e contribuindo para o desenvolvimento  do conceito de sustentabilidade.
Gilberto Gil utiliza a sua experiência como ex-Ministro da Cultura, ex-presidente da Fundação Gregório de Mattos de Salvador, para escrever sobre o meio ambiente e a cultura. Para Gil, a natureza é uma criação cultural, e que a cada época se constrói uma visão de natureza.
No Brasil, mesmo com o processo de degradação da natureza que marcou a fase inicial de seu descobrimento, existia um certo criticismo contra o desmatamento desmedido. Nesse contexto, Gil cita o historiador e cientista político José Augusto Pádua, onde o intelectual defendia a tese de que a devastação ambiental era um obstáculo ao desenvolvimento econômico do país – dessa forma, o autor sai do lugar comum, onde se apregoa esse criticismo como sendo um fato relacionado à contemporaneidade, o que torna o texto muito interessante.
O autor escreve sobre a sua experiência como Ministro e Secretário da Cultura para falar sobre o processo de intervenção cultural no Brasil – cita vários projetos culturais de integração entre homem e natureza na tentativa de se criar no país um conceito mais profícuo de sustentabilidade – essas experiências de uma forma geral estão atreladas à relação entre a religião e a sociedade, o que resgata um pouco o tema do artigo anterior escrito por Leonardo Boff e que está relacionado à espiritualidade, nesse sentido, vale apena ressaltar a integração e parcimônia entre os textos, estabelecendo um link entre as temáticas – vale ressaltar que as experiências citadas descrevem a atuação das religiões afro, principalmente ao candomblé, onde se ressalta os elementos divinos da natureza.
A proposta inicial levantada por Trigueiro no livro está relacionada com  a construção de uma consciência ecológica – nesse contexto, o artigo de Samyra Crespo sobre a evolução da consciência ambiental no Brasil traz uma contribuição significa para o debate sobre a temática, tendo em vista que a autora buscou nas pesquisas de opinião o desenvolvimento do pensamento sobre os problemas ambientais no país.
Samyra organizou pesquisas sobre a temática ambiental e desenvolveu vários trabalhos a partir a Rio 92 – foram três pesquisas, feitas nos anos de 92, 97 e 2001, onde a autora buscou nos quatro cantos do país, a opinião dos brasileiros sobre a relevância ou não da problemática ambiental e o seu constante processo de evolução no país.
Através dessas pesquisas a autora foi capaz de traçar um perfil sobre o quadro ambiental brasileiro, tendo como base as diferenças regionais, as posições das várias classes sociais, assim como o pensamento de homens e mulheres, mas o ponto mais alto dos estudos foi o diagnóstico de que mesmo com todas as dificuldades de um país em desenvolvimento e a ação do poder público, ocorreu um processo de evolução do pensamento ambiental no Brasil.
O  pensamento ambiental no Brasil não podia ter se desenvolvido sem o papel significativo da imprensa – é sobre esse tema que o organizador do livro, Andre Trigueiro se debruça em seu texto. Trigueiro destaca o papel fundamental do programa Globo Reporter como meio difusor do meio ambiente no Brasil, cita também a importância do papel da imprensa, como órgão disseminador e educativo que assumiu diante das mazelas trazidas pelo modelo de desenvolvimento: desmatamento, enchentes, raios ultravioletas, poluição, etc.
Um ponto interessante mencionado por Trigueiro, está relacionado com o nível de conhecimento sobre meio ambiente que os jornalistas possuem – aponta que os profissionais que trabalham com a temática atualmente foram auto didatas em adquirir conhecimento e que os mais novos possuem mais vantagens por encontrar a temática dentro da sociedade brasileira mais trabalhada e com os conceitos mais direcionados – essa constatação vem juntamente com as pesquisas mencionadas pela Samyra no texto anterior, onde através das pesquisas, percebeu-se um certo amadurecimento da sociedade brasileira para as questões ambientais.

Tuesday 22 January 2019

A diferença entre a democracia dos antigos e a democracia dos modernos

A diferença entre a Democracia dos antigos e a Democracia dos Modernos

O que é que torna os gregos diferentes dos outros povos? A consideração a ser tecida encontra-se na distinção de seu pensamento. Enquanto outros povos procuravam em Deus as respostas para as suas perguntas, os gregos buscavam sobretudo na razão, a saída para os seus problemas com características políticas. Foi sobre esse prisma que as primeiras linhas sobre a liberdade foram traçadas e desenvolvidas.
De acordo com Barker (1978, p. 22)
... o sentido do indivíduo foi, portanto, elemento primordial no desenvolvimento político do pensamento político helênico. Este sentido se manifestava tanto na teoria como na prática; e se transformava em ação sob a forma de um conceito prático de livre cidadania, dentro da comunidade autogovernada – conceito que é a essência da cidade-estado grega.
Os gregos deixaram um legado político para o ocidente porque foram capazes de fazer com os homens se submetessem à força da lei como um ponto em comum. Os homens eram vistos através do ponto de vista da isonomia, ou seja, todos os homens eram iguais perante a lei. A comunidade grega era formada por indivíduos e estes formavam o Estado. Assim, delineava o que Barker (1978, p. 24) “o homem comum, através do princípio da igualdade jurídica encontrava na prática a superioridade que a riqueza, o nascimento elevado e a cultura da a alguns”.
A teoria política se desenvolveu de forma contumaz nesse período, porque algumas questões fundamentais para o debate político se estabeleceram. A luta pela liberdade, a contraposição impostas pelos aristocratas aos democratas no sentido de se manterem no poder e lutarem pelos seus próprios interesses, a questão da individualidade foram alguns pressupostos filosóficos discutidos que serviram de base para a construção da teoria política.
Em Atenas, a liberdade era um direito de nascença; esta liberdade significava “viver como se quisesse” na sociedade, e o poder soberano da maioria, no campo político. O termo “igualdade” era uma senha e significava “isonomia”, ou a igualdade da Lei para todos os cidadãos; “isotimia”, ou igual respeito para com todos; e “isagoria”, ou igual liberdade de expressão (BARKER, 1978, p. 35).
A relação entre estado e sociedade na Grécia antiga era diferente da concepção contemporânea. Na visão grega, o indivíduo era valorizado pelo que ele representava para a comunidade, embora os gregos na conseguiram conceber e desenvolver os direitos individuais, mas foram capazes sobretudo de desenvolver a solidariedade e as questões referentes à cidadania.
Segundo Ober (2001, p. 192)
...a cidadania não era baseada na riqueza, no lugar do nascimento ou numa linhagem nobre. Na Atenas clássica, se um homem pudesse demonstrar que seus pais eram atenienses, se era aceito por um voto de seus vizinhos e se não fora declarado culpado de algum crime contra o Estado, era um cidadão livre – com um direito de voto igual e voz igual na assembléia dos cidadãos -, sem levar em conta sua posição social. A liberdade, a igualdade política e a dignidade – a proteção do cidadão diante dos ataques públicos dos poderosos – eram marcas da democracia direta que se desenvolveu inicialmente na Atenas clássica.
Embora os gregos tenha se preocupado com a questão da individualidade, o norte dos problemas era a relação deste com o Estado. A questão do Estado era preocupante para os gregos porque ele tinha que possuir uma linha de ação onde não fosse capaz de atingir os direitos individuais. O Estado na visão grega tinha que ser capaz de garantir os direitos dos indivíduos.
O Estado na concepção grega já apresentava sinais de que não sofria intervenção da religião, portanto, era um indício de que a laicização do Estado já apresentava sinais claros de que o que determinava as ações deste era o racionalismo e não as questões religiosas.
Por democracia dos antigos tem-se o sistema de governo existente na Grécia antiga, mais especificamente o período marcado entre os séculos VI e IV antes de Cristo. Esse período da humanidade foi marcado por intensos debates sobre a conduta dos homens tendo em vista as relações políticas.
A palavra democracia na concepção dos antigos pode ser interpretada de forma literal como realmente sendo o poder do demos ou do povo, embora muitas pessoas fossem excluídas das decisões políticas. “Na Atenas, muitas pessoas eram excluídas da cidadania: os escravos, a maioria dos estrangeiros e as mulheres” (OBER, 2001, p. 191).
Na visão de Bobbio (2000, p. 372)
Para os antigos a imagem da democracia era completamente diferente: falando de democracia eles pensavam em uma praça ou então em uma assembléia na qual os cidadãos eram chamados a tomar eles mesmos as decisões que lhe diziam respeito. “Democracia” significava o que a palavra designa literalmente: poder do demos e não, como hoje, poder dos representantes do demos.

A questão da soberania do povo só vai nascer no sistema democrático com a implementação do sufrágio universal . O instrumento do sufrágio só foi colocado em prática no mundo a partir do século XIX, mas, a contribuição dos gregos para o desenvolvimento da democracia foi o estabelecimento da noção de que todos devem participar da decisões políticas, independentemente de cor, raça e condições de classe social.
Não podemos imaginar ainda na sociedade grega, os implementos legais estabelecidos através de legislações eleitorais, até porque tratava-se Atenas de apenas uma cidade-estado, um lugar, com características diminutas se comparado aos grandes Estados contemporâneos. E por possuir um território pequeno estabelecia-se facilmente a reunião das pessoas da polis para discutir os problemas políticos existentes e sobre esse foco residiu uma das críticas mais contumazes sobre o sistema democrático, estabelecido pelo pensador francês Jean Jacques Rousseau que viveu no século XVIII, que a democracia plena só pode ser exercida em um território com dimensões pequenas.
Mais do que um sistema de governo, a democracia representou o desenvolvimento de uma filosofia. De acordo com Lipson (1966) a democracia grega em seu bojo, um contexto social, um sistema governamental e os ideais filosóficos.
Os critérios da democracia grega, segundo Lipson (1966, p. 51) são os seguintes:
Contexto social
· Governo pelos pobres;
· Exploração pelos ricos,
· Abolição da escravidão da dívida e das qualificações de propriedade para exercício de cargos
· Oportunidade para o talento individual, independentemente da posição de família ou riqueza.
Sistema Governamental
· Deliberação e decisão públicas, por todos os cidadãos, resultando em Governo da maioria;
· Maioria de cargos preenchida indiscriminadamente;
· Todos os funcionários são responsáveis, Júris compostos por grande número de cidadãos
Ideais Filosóficos
· Igualdade;
· Igualdade (= liberdade) de expressão; tomada negativamente como domínio da ignorância;
· Liberdade e versatilidade; encaradas negativamente como licença e desordem;
· Obediência à autoridade da lei e dos funcionários públicos;
· Participação constante em atividades cívicas;

A polêmica em torno da democracia se estabeleceu devido ao processo de liberdade proporcionada ao povo e aos pobres para a tomada de decisões. Se na atualidade a democracia dos modernos como é chamada por Bobbio (2000) é vista através de uma perspectiva positiva, na Grécia se estabelecia de forma distinta e a democracia era vista pela perspectiva negativa. Tanto Aristóteles, quanto Platão criticavam seriamente os sistema democrático por suporem que o povo e mais especificamente os pobres não tinham as mínimas condições para exercerem cargos que exigissem tomadas de decisões.
Segundo Bobbio (2000, p. 375)
...no tradicional debate sobre a melhor forma de governo, a democracia foi quase sempre colocada em último lugar, exatamente em razão de sua natureza de poder dirigido pelo povo ou pela massa, ao qual foram habitualmente atribuídos os piores vícios da licenciosidade, do desregramento, da ignorância, da incompetência, da insensatez, da agressividade, da intolerância.
A questão central do pensamento político grego está fundamentada sobre a concepção de igualdade. A constituição grega pressupõe que todos os homens nascem iguais, contrariando as outras nas quais levam em consideração as posições de servos e senhores, desencadeando uma sociedade por sua vez não igualitária e mais propíciasa à criação e manutenção de oligarquias.

Democracia dos modernos

Quando se houve falar de democracia tem-se à priori as questões relacionadas ao fenômeno da liberdade. Mas, qual liberdade se estabelece no âmbito do sistema democrático? Democracia e liberdade se convergem no sentido de proporcionar razão às vontades humanas no que diz respeito às questões políticas.
Os antigos, ou mais propriamente os atenienses se utilizavam da agora para se manifestarem politicamente. A democracia era exercida através do processo de participação direta e diante de todos sob a luz do sol que iluminava a praça e as idéias dos cidadãos.
Segundo Ober (1991, p. 194)
...o que impressiona o observador moderno no sistema ateniense é a maneira como o “poder do povo” manifestava-se tão diretamente. Em vez de eleger representantes para dirigi-los, os cidadãos atenienses dirigiam-se a si próprios. A principal instituição era a assembléia dos cidadãos, que se reunia quarenta vezes por ano. A ordem do dia da assembléia era determinada por um conselho cujos quinhentos membros escolhidos por ano por sorteio. Todo cidadão com mais de 30 anos podia integrar a loteria do conselho, e as reuniões da assembléia eram abertas a todos os cidadãos de mais de 18 anos. Assim, num dia de reunião típico, entre seis e oito mil cidadãos (cerca de um quarto do conjunto de cidadãos) reuniam-se no grande anfiteatro ao ar livre, o Pnyx).
Os modernos, para utilizar a expressão do filósofo italiano Norberto Bobbio, se apropriaram da liberdade política como um processo basicamente denominado “representação política” que é estabelecido através do mecanismo político denominado eleição.
O conceito de democracia estabelecido por Lipson nos remete aos aspectos legais que revestem o tema. De acordo com Lipson (1966, p. 90), democracia é
...um sistema regularizado de eleições periódicas, com uma livre escolha de candidatos, sufrágio universal para adultos, oportunidade de organização de partidos políticos concorrentes, decisões majoritárias a par de salvaguardas para a proteção dos direitos das minorias, judiciário independente do Executivo e garantias constitucionais para as liberdades civis fundamentais.
Percebe-se no conceito de Lipson, a democracia basicamente voltada para as questões da representação política que necessita em seu conteúdo de um amplo esquema de organização para poder tornar viável a participação da população sobre as questões políticas.
O objetivo das eleições no processo democrático é buscar o consenso possível através da construção da vitória da maioria. Nesse contexto, busca-se “tornar” infelizes o menor número possível de cidadãos. A vitória da maioria na democracia proporcionará o que a ciência política denomina de legitimidade para efetivar as relações de poder conquistadas através do pleito.
Convergindo com o conceito de Lipson, está a definição proposta por Bobbio (1998, p. 30) para quem democracia pode ser “entendida como contraproposta a todas as formas de governo autocrático, é o de considera-la caracterizada por um conjunto de regras (primárias ou fundamentais) que estabelecem quem está autorizado a tomar as decisões coletivas e com quais procedimentos”.
Os aspectos legais os quais o autor se refere diz respeito à Legislação Eleitoral que irá definir as regras do processo de escolha dos governantes através das eleições, mas, há de se levar em consideração a menção do autor quanto às formas de governo autoritário. A democracia como sendo capaz de eliminar os governos com características despóticas.
O conceito estabelecido por Lima Junior (1997, p. 20) aponta que
Democracia não significa e não pode significar que o povo governe em qualquer dos sentidos óbvios de “povo” e de “governo”. Democracia significa apenas que o povo tem a oportunidade de aceitar ou recusar aqueles que devem governa-lo (...) Assim um aspecto disto pode ser expresso dizendo-se que a democracia é o governo dos políticos.
Sobre esse conceito estabelece-se a distinção entre governo do “povo” e do próprio “governo”. Uma coisa é o poder do povo eleger o seu governo, outra é a atividade do poder, que se designa como governo. A característica mais importante do conceito imposto por Lima Junior reside no fato dele vincular em seu conteúdo a democracia ao governo dos políticos. Essa união faz com se perceba e existência de uma elite do poder – aquela que chega ao poder através dos mecanismos criados pela própria democracia, ou seja, as eleições. É através das eleições que o povo pode aceitar ou recusar um candidato a um determinado governo.
Robert Dahl (1997, p. 25) em sua obra Poliarquia, estabelece que a “democracia é a contínua responsividade do governo às preferências de seus cidadãos, considerados como politicamente iguais”.
Através do conceito exposto, percebe-se que a relação com a democracia, não está relacionada apenas com as regras do sistema, mas amplamente fundamentada sobre a função primordial que é a de proporcionar uma relação de feedback político, ou mesmo de fornecer respostas quanto às necessidades dos cidadãos.
É claro que quanto mais democrático for um Estado, mas ele sofrerá a interferência dos seus cidadãos na elaboração de políticas. Para isso, o Estado deve garantir aos cidadãos oportunidades para viabilizar a participação política.

1. De formular suas preferências;
2. De expressar suas preferências a seus concidadãos e ao governo através da ação individual e coletiva.
3. De ter suas preferências igualmente consideradas sem discriminação decorrente do conteúdo ou da fonte da preferência. (DAHL, 1997, p. 26)
Em suma, percebe-se através do conceito de Dahl uma mudança substancial no conceito de democracia. Isso ocorre de forma latente na sociedade contemporânea, devido ao fato das democracias não estarem apresentando respostas devidas aos anseios da sociedade, transformando-as em poliarquias. Segundo Dahl (1997, p. 31) as poliarquias
...podem ser pensadas então como regimes relativamente (mas incompletamente) democratizados, ou, em outros termos, as poliarquias são regimes que foram substancialmente popularizados e liberalizados, isto é, fortemente inclusivos e amplamente abertos à contestação pública.
O mecanismo da representação política, por ora existente, não consegue atender as demandas políticas, por isso uma mudança significativa no conteúdo do sistema democrático se faz necessário.
Alguns mecanismos de democracia direta estão sendo implementados no sistema democrático contemporâneo, no sentido de proporcionar viabilizado o sistema poliarquico dahlsiano e nesse contexto alguns mecanismos de participação direta estão sendo mesclados ao sistema democrático em voga. Por democracia direta tem-se o conceito estabelecido por Aubert (2001, p. 201) com “um suplemento das democracia, que oferece aos eleitores a possibilidade de estimularem os eleitos pelo exercício direto de iniciativa ou de controlar seus atos por referendo”.
Segundo Lavalle, Houtzager e Castelo (2006, p. 78)
Sociedade civil e participação aparecem como elementos-chave em agendas diversas de reforma da democracia como, por exemplo, aquelas do aprofundamento da democracia (deepining democracy), da transparência e controle das instituições políticas (social accountability), do fortalecimento da capacidade de ação e participação da sociedade na gestão pública (empowered participation), da democracia deliberativa e, é claro, nas literaturas da democracia participativa e da própria sociedade civil.
Nesse sentido, vale mencionar as distintas visões que o conceito de democracia apresenta. De um lado, aquela visão institucional, que se preocupa apenas com os aspectos legais ou as regras do jogo proporcionadas pelo sistema. De outro, encontra-se as análises que se preocupam com o conteúdo ou a substância do sistema.
Por conseguinte, os conceitos que se preocupam com a mudança substancial no sistema democrático trazem em seu bojo, outras questões para o debate. As principais são os temas da democracia social e da democracia política.
Apenas os conceitos prescritivos relacionados à democracia não foram suficientes para desencadear o sucesso do regime, pois não foram capazes de dar conta das diferenças sociais existentes nas democracias, sendo assim, como sustentar um regime democrático com intensas diferenças sociais? E como estabelecer diretrizes que dão apoio às questões do indivíduo nas democracias?
Vale salientar, que a revisão bibliográfica por ora trabalhada, não possui a ambição de se estender para as questões relacionadas ao Estado, por isso, não se faz absoluta menção ao tema, embora se de fundamental importância a discussão sobre o tema, tendo em vista que é sobre a direção do Estado que se possa construir uma sociedade com mais ampla participação nas tomadas de decisão política. Os mecanismos para a transformação da democracia necessitam da atuação do Estado, mas por uma questão de coerência e de método não será abordado o tema com a amplitude que se faz necessário.
O que aconteceu nos Estados democráticos foi exatamente o oposto dos conceitos estabelecidos pela democracia, onde os indivíduos eram igualmente soberanos. De acordo com Bobbio (2000, p. 35) os
...sujeitos politicamente relevantes tornaram-se sempre mais os grupos, grandes organizações, associações da mais diversas naturezas, sindicatos das mais diversas profissões, partidos das mais diversas ideologias, e sempre menos os indivíduos. Os grupos e não os indivíduos são os protagonistas da vida política numa sociedade democrática, na qual não existe mais um soberano, o povo ou a nação, composto por indivíduos que adquiriram o direito de participar direta ou indiretamente do governo, na qual não existe mais o povo como unidade ideal (ou mística), mas apenas o povo dividido de fato em grupos contrapostos e concorrentes, com a sua relativa autonomia diante do governo central (autonomia que os indivíduos singulares perderam ou só tiveram num modelo ideal de governo democrático sempre desmentidos pelos fatos).
Difere-se de forma categórica a democracia ideal e a democracia real. A democracia real conta com elementos da economia em seu conteúdo que a difere de forma significativa da democracia ideal e implementa as discussões sobre os grupos de interesses que agem no interior do sistema democrático para poder levarem vantagens sobre as relações de poder, mas que agem sobretudo no âmbito do Estado. Esses grupos agem de forma variada sobre o Estado sempre tentando fazer prevalecer os interesses, estabelecendo e perpetuando aquilo que o sociólogo americano Charles Wright Mills denomina de elite de poder.

Referências

AUBERT, Jean François. Democracia direta. In: Democracia. São Paulo: Record, 2001.
BARKER, Sir Ernest. Teoria política grega. Brasília: UNB, 1978.
BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia. 7 ed. São Paulo: Paz e Terra, 2000.
BOBBIO, Norberto. Teoria geral da política: a filosofia política e as lições dos clássicos. Rio de Janeiro: Campus, 2000.
DAHL, Robert. Poliarquia. São Paulo: Edusp, 1997.
LAVALLE, A. G., H0UTZAGER, P.P., CASTELLO, G. Democracia, pluralização da representação e sociedade civil. In: Lua Nova: Revista de cultura e política. São Paulo, n. 67, p. 50-103, 2006.
LIMA JUNIOR, Olavo Brasil de. Instituições políticas democráticas: o segredo da legitimidade. Rio de Janeiro: Zahar, 1997.
LIPSON, Leslie. A civilização democrática. Rio de Janeiro: Zahar, 1966.
OBER, Josiah. Democracia direta. IN: Democracia. São Paulo: Record, 2001.




Sunday 20 January 2019

Norberto Bobbio - Resenha do capítulo "O futuro da democracia"


BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia. In: O futuro da democracia. 7 ed. São Paulo: Paz e Terra, 2000.


Será que não existe algum critério capaz de distinguir o interesse geral do interesse particular?”


Resenha do Capítulo 1
“O futuro da democracia”


Em O futuro da democracia escrito nos anos 90, Norberto Bobbio tenta esboçar através de uma análise perspicaz dos modelos democráticos existentes como seria a democracia que estava por vir.
No primeiro capítulo do livro chamado “O futuro da democracia”, o autor inicia pontuando de forma objetiva que democracia trata-se de um “conjunto de regras (primárias ou fundamentais) que estabelecem quem está autorizado a tomar as decisões coletivas e com quais procedimentos”.
Nesse contexto, Bobbio salienta as diferenças entre a democracia dos antigos e a democracia dos modernos para falar sobre o processo de transformação pelo qual passou o sistema democrático nos últimos anos.
A democracia dos antigos possuía uma participação mais direta da população nas tomadas de decisão. A democracia dos modernos trata a participação da população em processos eleitorais, viabilizando o sistema de representação política.
O autor salienta a diferença entre a democracia real e a democracia ideal – a relação entre o que foi prometido e o que realmente ela entrega. Bobbio salienta de forma objetiva que a sociedade política é o produto artificial da vontade dos indivíduos – e o que realmente a democracia entrega é a vontade dos grupos, das grandes corporações, que “brigam” a todo instante para influenciar decisões políticas e se beneficiar de alguma forma através das políticas organizadas pelo Estado.
A relação da representação política na democracia moderna estabelece o vínculo entre o todo e as partes, a representação política na sua forma tradicional deveria atender o interesse em geral da população, mas esse princípio é o oposto sobre o qual se funda a representação dos interesses, uma vez que o representante deverá perseguir os interesses particulares – é o que Bobbio denomina de mandato vinculado.
De forma objetiva, os grandes grupos financiam as campanhas políticas de vereadores, deputados, senadores etc e os políticos ficam “comprometidos” com esses grupos.
Por conseguinte, Bobbio indaga: será que não existe algum critério capaz de distinguir o interesse geral do interesse particular?
A baixa participação política que ocorre no modelo atual de democracia e os poucos espaços existentes para participar são motivos que preocupam o autor, tendo em vista que esses fenômenos juntos podem levar o modelo à exaustão, pois existirá a pequena capacidade de propor a alternância de poder.
Bobbio denomina de “poder invisível” alguns grupos que tentam influenciar as políticas de Estado – como exemplo de poder invisível o autor cita a máfia e os serviços secretos. A não eliminação desses grupos por parte do sistema democrático é capaz de fazer sucumbir o modelo, tendo em vista o poder de força criado e a concorrência do poder do Estado – nesse contexto, vale salientar o conceito weberiano de que só o Estado deveria utilizar o monopólio da força – esses grupos são capazes de criar um poder paralelo.
Outro ponto importante e que a democracia não foi capaz de desenvolver foi a educação para a cidadania – o modelo democrático vigente trabalhou no sentido de criar cidadão passivos e não cidadãos ativos para usar a linguagem de Bobbio – nesse contexto, quanto mais um cidadão é exigente e crítico com a realidade social, maior a capacidade do sistema se desenvolver. A existência de cidadãos passivos pode levar o modelo a um sistema amorfo e de baixa capacidade de respostas dos problemas dos cidadãos.
Embora o texto possa nos direcionar a uma relação pessimista do modelo democrático, o autor nos tranquiliza apontando que o projeto político democrático e que está em vigor não foi idealizado para uma sociedade complexa como a de hoje, por isso a sensação de que a democracia “não cumpriu suas promessas”
 As promessas apontadas não foram cumpridas por causa de obstáculos que não estavam previstos e que surgiram no bojo das “transformações” da sociedade civil.
Bobbio apresenta três “transformações” como principais:
      Ampliação dos problemas políticos que requerem soluções técnicas;
A tecnocracia e a democracia são termos antitéticos: o protagonista da sociedade industrial é um técnico e não um cidadão comum;
      A burocracia
O Estado democrático e Estado burocrático estão interligados;
      Rendimento do sistema democrático como um todo;
A sociedade civil é uma fonte inesgotável de demandas que são enviadas aos governos e estes por sua vez apresentam lentidão para tomar decisões e apresentar respostas e é sobre esse contexto que o Poder Executivo concentra poderes, na medida em que estabelecer discussões com mais de quinhentos deputados para a tomada de decisão é muito mais desgastante e que requer tempo, tempo que a política não dá, não permite, sendo necessário a criação e o desenvolvimento de novos instrumentos legais de atuação dentro do sistema democrático, como por exemplo, o uso de lei, medida provisória e assim por diante.
Embora o texto de Norberto Bobbio tenha sido organizado no começo dos anos 90 do século passado os questionamentos apresentados são sempre atuais, tendo em vista que o sistema embora tenha sofrido algumas modificações, ainda não foi capaz de dar uma resposta adequada à sociedade, colocando em dúvidas o próprio futuro da democracia.



Tubaína, mortadela e um jogo na Fonte Luminosa

  O ano, ele não se recorda de maneira exata, mas tem a certeza de que aquela partida de futebol entre a Ferroviária de Araraquara e Palmeir...