Inverno de 1998. Curitiba, sábado a tarde, os termômetros marcavam menos um grau. Um frio insano para quem havia saído do interior paulista com temperatura de no mínimo vinte e cinco, trinta graus. Era outro universo, um frio de bater o queixo, como fala o povo de Araraquara.
O
Coritiba iria enfrentar a Ponte Preta às dezesseis horas no estádio Couto
Pereira e, mesmo com o frio soberbo, resolveu ir conhecer um dos estádios mais
tradicionais do Brasil, afinal, havia se mudado para Curitiba recentemente e
seria muito legal assistir o primeiro jogo de futebol na cidade.
Lendo o
jornal pela manhã, viu a ficha técnica da partida, percebeu que Edinho, filho
do Rei Pelé, estaria em campo junto com um centroavante chamado Regis Pitbull,
a sensação do campeonato. O Coritiba tinha alguns jogadores proeminentes: João
Santos, Yan, Macedo, ex-jogador do São Paulo, do Santos e tantos outros times. O
jogo prometia ser bom.
Chegou
ao estádio cedo, pegou o ônibus no bairro do Campo Comprido, foi até a Estação
do Campina do Siqueira e depois até o centro histórico de Curitiba, de lá foi a
pé até o Estádio, cruzou o bosque do Passeio Público e subiu a ladeira “gelada”
que vai até o Alto da Glória, bairro em que fica o estádio Couto Pereira.
Quando
entrou no estádio teve uma surpresa: deu de cara com Sicupira, com seu icônico
bigodinho, ídolo do maior rival Athletico. Ele já conhecia Sicupira das
figurinhas do futebol cards dos anos oitenta, ficou feliz em vê-lo. De relance,
visualizou a imagem, Sicupira em vermelho preto, cabeludo com seu bigodão
espesso e longo, coisas da juventude dos anos setenta.
O
relógio apontava quase quatro da tarde, a fome bateu forte e em conversa com
alguns torcedores, descobriu que o pão com bife era tradicional no Estádio e
foi atrás. Quando sentiu o cheiro da carne na chapa...huuum, que delícia,
pensou falando em voz alta! pediu logo dois para adiantar a xepa e chegou à
conclusão que o sanduíche era muito bom, até achou estranho o bife ser molinho
e não doer os dentes, estava acostumado com os “churrasquinhos de gato” na
porta dos estádios, mas aquilo o deixou
aliviado, poderia comer mais um antes de ir embora, pois em casa a geladeira
era “oceano”, só havia água nas garrafas
e nada mais.
Quando
subiu a arquibancada, percebeu que alguns ambulantes eram carismáticos e a
torcida tinha um carinho especial. Um vendedor de pipoca tinha um jargão
engraçado: “quem não pediu que pida”, ele assassinava o português, mas atingia o
objetivo, vendia tudo muito rápido. O outro era um senhor de idade, cujo óculos
era torto, assim como seu boné azul, ele vendia sorvete e arrastava um
abacaxiiiiii engraçado e, mesmo com o frio absurdo, conseguia sucesso nas
vendas, o rosto daquele homem jamais sairia de sua mente.
Quando o
árbitro apitou o início da partida, uma garoa fina começou a cair e junto com
ela um vento gelado soprava, por um segundo achou que fosse congelar, se
encolheu na arquibancada e cruzou os braços para se proteger e passou a
questionar a sua presença ali, naquele jogo de futebol, sob aquele frio intenso.
Não seria melhor estar em casa embaixo do cobertor, ouvindo o jogo pelo radinho
de pilha? O que o fez ir àquele jogo sob aquelas condições?
Chegou à
conclusão de que o futebol realmente é maldito e que alguma mão invisível o
empurra para o estádio, mesmo que esteja sozinho, mesmo que o time perca vários
jogos seguidos, mesmo que o goleiro tome aquele frango no jogo ou mesmo que o
centroavante perca o gol embaixo da trave, não adianta, faça frio ou faça sol,
e mesmo que não seja o seu time de coração que jogue, ele, sendo fanático por
futebol, estará lá, o futebol deve ter uma psicologia própria que por si só é
impossível explicar.