Wednesday 3 April 2024

Pão com bife, jogo bom e muito frio no Couto Pereira

 


Inverno de 1998. Curitiba, sábado a tarde, os termômetros marcavam menos um grau. Um frio insano para quem havia saído do interior paulista com temperatura de no mínimo vinte e cinco, trinta graus. Era outro universo, um frio de bater o queixo, como fala o povo de Araraquara.

O Coritiba iria enfrentar a Ponte Preta às dezesseis horas no estádio Couto Pereira e, mesmo com o frio soberbo, resolveu ir conhecer um dos estádios mais tradicionais do Brasil, afinal, havia se mudado para Curitiba recentemente e seria muito legal assistir o primeiro jogo de futebol na cidade.

Lendo o jornal pela manhã, viu a ficha técnica da partida, percebeu que Edinho, filho do Rei Pelé, estaria em campo junto com um centroavante chamado Regis Pitbull, a sensação do campeonato. O Coritiba tinha alguns jogadores proeminentes: João Santos, Yan, Macedo, ex-jogador do São Paulo, do Santos e tantos outros times. O jogo prometia ser bom.

Chegou ao estádio cedo, pegou o ônibus no bairro do Campo Comprido, foi até a Estação do Campina do Siqueira e depois até o centro histórico de Curitiba, de lá foi a pé até o Estádio, cruzou o bosque do Passeio Público e subiu a ladeira “gelada” que vai até o Alto da Glória, bairro em que fica o estádio Couto Pereira.

Quando entrou no estádio teve uma surpresa: deu de cara com Sicupira, com seu icônico bigodinho, ídolo do maior rival Athletico. Ele já conhecia Sicupira das figurinhas do futebol cards dos anos oitenta, ficou feliz em vê-lo. De relance, visualizou a imagem, Sicupira em vermelho preto, cabeludo com seu bigodão espesso e longo, coisas da juventude dos anos setenta.

O relógio apontava quase quatro da tarde, a fome bateu forte e em conversa com alguns torcedores, descobriu que o pão com bife era tradicional no Estádio e foi atrás. Quando sentiu o cheiro da carne na chapa...huuum, que delícia, pensou falando em voz alta! pediu logo dois para adiantar a xepa e chegou à conclusão que o sanduíche era muito bom, até achou estranho o bife ser molinho e não doer os dentes, estava acostumado com os “churrasquinhos de gato” na porta dos estádios, mas  aquilo o deixou aliviado, poderia comer mais um antes de ir embora, pois em casa a geladeira era “oceano”,  só havia água nas garrafas e nada mais.

Quando subiu a arquibancada, percebeu que alguns ambulantes eram carismáticos e a torcida tinha um carinho especial. Um vendedor de pipoca tinha um jargão engraçado: “quem não pediu que pida”, ele assassinava o português, mas atingia o objetivo, vendia tudo muito rápido. O outro era um senhor de idade, cujo óculos era torto, assim como seu boné azul, ele vendia sorvete e arrastava um abacaxiiiiii engraçado e, mesmo com o frio absurdo, conseguia sucesso nas vendas, o rosto daquele homem jamais sairia de sua mente.

Quando o árbitro apitou o início da partida, uma garoa fina começou a cair e junto com ela um vento gelado soprava, por um segundo achou que fosse congelar, se encolheu na arquibancada e cruzou os braços para se proteger e passou a questionar a sua presença ali, naquele jogo de futebol, sob aquele frio intenso. Não seria melhor estar em casa embaixo do cobertor, ouvindo o jogo pelo radinho de pilha? O que o fez ir àquele jogo sob aquelas condições?

Chegou à conclusão de que o futebol realmente é maldito e que alguma mão invisível o empurra para o estádio, mesmo que esteja sozinho, mesmo que o time perca vários jogos seguidos, mesmo que o goleiro tome aquele frango no jogo ou mesmo que o centroavante perca o gol embaixo da trave, não adianta, faça frio ou faça sol, e mesmo que não seja o seu time de coração que jogue, ele, sendo fanático por futebol, estará lá, o futebol deve ter uma psicologia própria que por si só é impossível explicar.

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