Thursday, 3 July 2025

Enquanto o infarto não vem...


Enquanto o infarto não vem, a noite passa. Noite regada a charuto dominicano e vinho italiano - entre uma baforada e outra, um gole no vinho encorpado, de vermelho renitente e viscoso. 

Quando o dia amanheceu, a sua cabeça estava parecendo um sino de Belém, tocava a todo instante em um volume e tom, cujo som repercutia em ondas insistentes, desafiando até o mais precioso dos diapasões. Era como se ecoasse dentro dos seus ossos.

Ele teve a certeza de que misturar o aroma do vinho e o paladar do tabaco seria um convite a reflexão sobre algumas coisas de sua vida. Uma ousadia líquida e sublime descia pela sua garganta com a promessa de que aqueceria a sua alma.

Ledo engano, quando o sol apontou no horizonte, a realidade se apresentou com todo o seu peso. À volta do sofá, as garrafas vazias formavam um mosaico de excessos, testemunhas silenciosas de uma noite de indulgência. O vinho, o companheiro vibrante e saboroso, agora servia como lembrança de um prazer que cobrava o seu preço na forma de ressaca.

No meio do caos matinal, entre os resquícios de fumaça e o aroma do vinho, lembrou-se do português Osvaldo Alcântara:

Enquanto o infarto não vem...

"Eu estarei de mãos postas, à espera do tesouro que me vem na onda do mar...

A minha principal certeza é o chão em que se amachucam os meus joelhos doloridos,

mas todos os que vierem me encontrarão agitando a minha lanterna de todas as cores

na linha de todas as batalhas."