Enquanto o infarto não vem, a noite
passa. Noite regada a charuto dominicano e vinho italiano - entre uma baforada
e outra, um gole no vinho encorpado, de vermelho renitente e viscoso.
Quando o dia amanheceu, a sua
cabeça estava parecendo um sino de Belém, tocava a todo instante em um volume e
tom, cujo som repercutia em ondas insistentes, desafiando até o mais precioso
dos diapasões. Era como se ecoasse dentro dos seus ossos.
Ele teve a certeza de que misturar
o aroma do vinho e o paladar do tabaco seria um convite a reflexão sobre
algumas coisas de sua vida. Uma ousadia líquida e sublime descia pela sua
garganta com a promessa de que aqueceria a sua alma.
Ledo engano, quando o sol
apontou no horizonte, a realidade se apresentou com todo o seu peso. À volta do
sofá, as garrafas vazias formavam um mosaico de excessos, testemunhas
silenciosas de uma noite de indulgência. O vinho, o companheiro vibrante e
saboroso, agora servia como lembrança de um prazer que cobrava o seu preço na
forma de ressaca.
No meio do caos matinal, entre os
resquícios de fumaça e o aroma do vinho, lembrou-se do português Osvaldo
Alcântara:
Enquanto o infarto não vem...
"Eu estarei de mãos postas, à
espera do tesouro que me vem na onda do mar...
A minha principal certeza é o chão
em que se amachucam os meus joelhos doloridos,
mas todos os que vierem me
encontrarão agitando a minha lanterna de todas as cores
na linha de todas as
batalhas."