O jogo acabou
empatado na decisão. O campeonato teria que ser decidido nas penalidades. O
goleiro tremeu nas pernas, mas estava confiante. O centroavante ressabiado e
tenso, mas estava de cabeça erguida e firme no propósito.
O centroavante
correu para a batida, o goleiro deu um passo a frente, o juiz levantou o braço
e soprou o apito anulando a cobrança. O centroavante teve a certeza de que o
goleiro tinha feito aquilo para o desconcentrar e de certa forma, deixá-lo
confuso e sem confiança. O goleiro olhou e sorriu, jogando a bola sobre ele, disse
alguma coisa, ele não entendeu, o centroavante ficou sem ação, pegou a bola, abaixou
a cabeça e enquanto arrumava a bola na marca da cal, o goleiro andou até ele e
deu um leve chute na bola. O juiz deu cartão amarelo para o goleiro.
A
torcida em polvorosa, vaiou. O goleiro retomou o seu espaço e batia com as mãos
sobre a linha do gol apontando o canto em que o centroavante provavelmente
bateria. O centroavante olhou nos olhos do goleiro, arrumou os meiões e ajustou
o calção, bateu com os pés no chão, acertou a bola na marca da cal novamente e tomou
distância para bater.
Quando o
apitou do juiz soou, um torcedor veio correndo da arquibancada com uma bandeira
do time, ele chegou em frente ao centroavante e se ajoelhou, lhe disse qualquer
coisa no ouvido e lhe abraçou. O juiz levantou o braço suspendendo a cobrança.
Os seguranças do estádio pularam sobre o torcedor e o imobilizaram, o centroavante
correu até ao torcedor e lhe disse que estava confiante para a batida.
O
estádio veio abaixo, eram vaias e xingamentos de todos os lados. O juiz cobrou o
goleiro e o centroavante para que retomassem os seus postos. O goleiro voltou
para debaixo das traves e na linha devida, o centroavante ajustou a bola
novamente na marca da cal. O goleiro disse qualquer coisa para o juiz, o juiz
correu até ele dizendo algo de forma ríspida e imponente, o goleiro deu uma risadinha
e abaixou a cabeça, o centroavante colocou as mãos na cintura à espera da normalidade,
arrumou novamente os meiões, passou as mãos na cabeça e olhou para a arquibancada.
O
centroavante sentiu que aquele era o seu momento, não podia errar, agora era ele,
a bola, o goleiro e o gol como dizia Osmar Santos nas narrações de jogos durante
a sua infância no radinho de pilha do avô no começo dos anos 90, a voz metálica
de Osmar buzinava em seu ouvido, muito mais que a explosão da torcida, passou a
língua entre os lábios, a responsabilidade do gol era sua, a alegria ou a tristeza
da torcida estavam em seus pés.
O
goleiro sabe que as suas mãos são abençoadas, mas também pode contar com a
sorte, o centroavante pode chutar a bola na trave ou mesmo para fora, para
muitos torcedores a responsabilidade do goleiro na hora do pênalti é menor do
que a do atacante, mesmo assim, o goleiro precisa ser abençoado e suas mãos
santificadas, tem torcida que transformou goleiro em santo, mas daí até ser
diabo, a linha é curta, bem curta, por isso, creio que o goleiro quando vem ao
mundo, ele já vem com uma dádiva especial para o bem ou para o mal, seja ela qual
for, a sua missão é antifutebol, pois tem que evitar a alegria máxima do
esporte bretão que é o gol. O goleiro é a antítese do futebol, a frustração ou
a alegria de milhões de pessoas passam por ele, por isso, seu papel é tão
fundamental. Naquela hora, passou em sua mente os ídolos da infância e a voz
marcante de Fiori Gigliotti narrando uma defesa de seu goleiro preferido na infância,
de qualquer forma, pensou que as cortinas poderiam se abrir para ele.
O juiz soa
o apito. O centroavante tomou a distância devida para a cobrança. O goleiro se
balança entre as traves. O centroavante chuta, o goleiro resvala na bola, ela
bate em uma trave, bate na outra trave, volta, pega nas costas do goleiro e
entra mansamente no gol, a torcida explode em alegria. O goleiro, deitado, soca
o chão, enquanto seus companheiros vão consolá-lo pela má sorte, pois ele chegou
a tocar na bola, mas as traves, as traves fizeram a diferença e as cortinas se
fecharam para ele naquele crepúsculo de domingo.