Ele
esperava ansioso o troleibus no ponto de ônibus. Chuteira Viola entre os dedos,
mascando chicletes e andando de um lado para o outro na calçada. Era dia de
jogo do campeonato infantil de futebol, que iria acontecer no estádio do ACCO, um
campo de futebol que fica na Vila Xavier.
O
caminho até lá é longo, a Vila Xavier fica do outro lado da cidade, ele
precisava pegar o troleibus na Rua João Gurgel, entre as avenidas Cristóvão
Colombo e São Geraldo, próximo aos secos e molhados que pertencia à Dona
Malvina, e cruzar a cidade. O troleibus da linha Santana-Pinheirinho
praticamente atravessava a cidade de ponta a ponta.
Ele
torcia para vir o troleibus de número oito. Ele achava o ônibus mais
confortável, embora fosse mais velho e lento. Os troleibus antigos tinham as
cores azul e branco. Os bancos em couro de cor azul eram confortáveis e suavam
as pernas durante o trajeto, ele achava aquilo engraçado. As janelas tinham
travas, às vezes elas emperravam e teimavam em não abrir, era melhor passar
calor do que insistir na abertura.
Andar de
troleibus era uma aventura. Ainda nos dias de hoje, ele se lembra do motorista
que possuía uma moita como cabelo, usava óculos e tinha um bigode preto e
branco. O homem atrás daqueles óculos e do bigode ficou furioso porque,
literalmente, os “chifres” do troleibus caíram e, a reação dele é indescritível
nessa crônica, rendeu um ataque de nervos fenomenal e foi palavrão de toda
ordem e calibre para todos os lados, pois para colocá-los no lugar era uma luta
incessante e, as vezes, demorava muito tempo.
O ponto
bom da “viagem” de troleibus até à Vila Xavier era encontrar a molecada durante
o trajeto, às vezes subiam companheiros de time no ônibus, muitas vezes
adversários conhecidos pelos seus talentos, mesmo assim, o papo rolava solto no
troleibus, todos de chuteiras entre os dedos, vez ou outra alguém levava
laranja para chupar durante o trajeto e todos chegavam juntos ao ACCO.
A
molecada se reunia, todos ficavam conversando sob as sombras das árvores
esperando o portão abrir e os treinadores chegarem, não importava o time de
cada um, antes dos jogos, todos eram “amigos”. Os treinadores chegavam
geralmente de bicicletas ao ACCO. Eles carregavam os uniformes em grandes sacos
de arroz sobre o guidão das bicicletas.
De
qualquer forma, ele não entendia ainda na tenra idade o que aquilo significava,
como homens como aqueles, se sujeitavam a levar sacos de uniformes de time de
futebol nas bicicletas para um monte de moleques que mal conheciam, sem quase
nenhum vínculo afetivo e praticamente sem nenhum ganho financeiro. Tempos depois,
passou a refletir a frase de Willian Shakespeare para responder a essas
indagações: “existem mais coisas entre o céu e a terra do que a nossa vã consciência
possa imaginar”.