Fevereiro de 2024. Amanheceu feliz naquele dia. Era dia de ir assistir seu time de futebol jogar no estádio novo pela primeira vez. Fez um café reforçado com ovos mexidos e bacon, falou que assim estaria fortalecido para a jornada que se apresentava – era necessário sair cedo de casa, pois o estádio fica afastado, era preciso pegar três ônibus com trajetos longos para chegar – dizia que o estádio antigo era mais perto, dava até para ir a pé, mas agora ficou mais desajeitado e fora de mão, mas tudo bem, era o preço a ser pago para ver o seu time de coração.
Depois
de quase duas horas dentro do ônibus e caminhar mais de vinte minutos, chegou
eufórico com a camisa do time e uma pequena bandeira feita de plástico e tecido
vagabundo. Descobriu in loco que o ingresso só podia ser comprado pela
internet por meio de aplicativo e que não podia entrar no estádio com a
bandeira. Ficou frustrado e sem entender
nada, afinal era apenas um jogo de futebol.
Quando
conseguiu adentrar o estádio, avistou um quiosque de cachorro-quente, sentiu
vontade, mas quando olhou o preço, deu meia volta, seguiu para a arquibancada e
pensou: “o futebol já foi mais barato”. Ficou maravilhado com a nova
arquitetura do estádio, tudo novinho, mas também, pelo preço do ingresso e da
comida, estava tudo certo, tudo compatível, ele pensou.
Percebeu
que ao sentar-se, a torcida adversária não estava no estádio. Em conversa com
um senhor ao seu lado, descobriu que aquele jogo seria com torcida única, ficou
chateado, afinal, futebol deveria ser emoção e alegria e o adversário faz parte
do “espetáculo”, e tinha dever de participar, mas percebeu que as pessoas que
estavam ali eram diferentes, chiques,
bem vestidas, todo mundo com celular em mãos e “filmação” geral. Parecia um set
de filmagem gigante. Em tom jocoso, falou em voz alta: “o ambiente do futebol
mudou”.
Quando
o jogo começou, ficou na expectativa de ver um “espetáculo” de futebol, com dez
minutos de partida, percebeu que não havia nenhum talento em campo, só
jogadores esforçados e que corriam demais, comentou com um torcedor ao lado:
-
“O futebol hoje parece um jogo de xadrez, onde as peças se encaixam para barrar
outras! Cadê os artistas do futebol? Não tem uma jogada individual, um drible
diferente, nada, é só passe para lá, passe para cá, está difícil de assistir,
viu!” E logo pensou na frase de Nelson Rodrigues: “muitas vezes é a falta de
caráter e de disciplina que decide uma partida”, os jogadores de hoje são muito
obedientes, não saem dos quadrados, parecem robôs jogando. Teve rapidamente a
percepção que não só a torcida e o ambiente do futebol haviam mudado, mas
também o jeito de jogar.
Ficou apreensivo quando percebeu que
ninguém respeita o juiz em campo, nem jogadores, nem torcida e muito menos os
treinadores. Nunca acontece uma falta, o juiz não pode rever um lance, dar um
cartão, pois logo é cercado pelos jogadores que ficam “buzinando” na cabeça do
indivíduo, um verdadeiro transtorno, pois todo mundo tem razão o tempo todo. Percebeu
que no futebol não pode haver autoridade, pois seja quem for, a princípio está
errada e, não importa a situação, o torcedor não foi feito para perder, ele
sempre tem que ganhar, a qualquer custo, com qualquer futebol e com qualquer
placar, o que importa sempre é vencer. Chegou a conclusão que o futebol é feito
somente pela vitória, o empate e a derrota não deveriam existir, pois ninguém
compreende e aceita os resultados possíveis de uma partida.
Como estava sentado próximo à
imprensa, ficou prestando atenção nas falas dos comentaristas, lembrou logo do
professor da disciplina de metodologia de pesquisa na universidade, tal a
complexidade das palavras, uma verdadeira “filosofia” da arte de praticar
futebol. Pensou que se vier em um próximo jogo vai consultar o dicionário e
estudar os termos utilizados antes de entrar no estádio, o vocabulário do
futebol contemporâneo é “fantástico”, e logo percebeu que o esporte foi
intelectualizado por aqueles que nunca tiveram a competência de jogá-lo, mas
que se julgam inteligentes o suficiente para fazê-lo ser “diferente”. – “Pobre
dos Geraldinos”, pensou em voz alta.
Em síntese, ele teve a rápida percepção
de que o futebol ficou esquisito: caro, mal jogado, sem talentos, parcial e que
o estádio de futebol não é mais lugar para diversão e entretenimento e que a
pergunta a ser feita a partir de agora é: compensa ainda assistir jogo de
futebol?