Friday 8 March 2024

A crônica de um torcedor em desalento

     

         

Fevereiro de 2024. Amanheceu feliz naquele dia. Era dia de ir assistir seu time de futebol jogar no estádio novo pela primeira vez. Fez um café reforçado com ovos mexidos e bacon, falou que assim estaria fortalecido para a jornada que se apresentava – era necessário sair cedo de casa, pois o estádio fica afastado, era preciso pegar três ônibus com trajetos longos para chegar – dizia que o estádio antigo era mais perto, dava até para ir a pé, mas agora ficou mais desajeitado e fora de mão, mas tudo bem, era o preço a ser pago para ver o seu time de coração.

Depois de quase duas horas dentro do ônibus e caminhar mais de vinte minutos, chegou eufórico com a camisa do time e uma pequena bandeira feita de plástico e tecido vagabundo. Descobriu in loco que o ingresso só podia ser comprado pela internet por meio de aplicativo e que não podia entrar no estádio com a bandeira.  Ficou frustrado e sem entender nada, afinal era apenas um jogo de futebol.

Quando conseguiu adentrar o estádio, avistou um quiosque de cachorro-quente, sentiu vontade, mas quando olhou o preço, deu meia volta, seguiu para a arquibancada e pensou: “o futebol já foi mais barato”. Ficou maravilhado com a nova arquitetura do estádio, tudo novinho, mas também, pelo preço do ingresso e da comida, estava tudo certo, tudo compatível, ele pensou.

Percebeu que ao sentar-se, a torcida adversária não estava no estádio. Em conversa com um senhor ao seu lado, descobriu que aquele jogo seria com torcida única, ficou chateado, afinal, futebol deveria ser emoção e alegria e o adversário faz parte do “espetáculo”, e tinha dever de participar, mas percebeu que as pessoas que estavam ali eram diferentes,  chiques, bem vestidas, todo mundo com celular em mãos e “filmação” geral. Parecia um set de filmagem gigante. Em tom jocoso, falou em voz alta: “o ambiente do futebol mudou”.

Quando o jogo começou, ficou na expectativa de ver um “espetáculo” de futebol, com dez minutos de partida, percebeu que não havia nenhum talento em campo, só jogadores esforçados e que corriam demais, comentou com um torcedor ao lado:

- “O futebol hoje parece um jogo de xadrez, onde as peças se encaixam para barrar outras! Cadê os artistas do futebol? Não tem uma jogada individual, um drible diferente, nada, é só passe para lá, passe para cá, está difícil de assistir, viu!” E logo pensou na frase de Nelson Rodrigues: “muitas vezes é a falta de caráter e de disciplina que decide uma partida”, os jogadores de hoje são muito obedientes, não saem dos quadrados, parecem robôs jogando. Teve rapidamente a percepção que não só a torcida e o ambiente do futebol haviam mudado, mas também o jeito de jogar.

            Ficou apreensivo quando percebeu que ninguém respeita o juiz em campo, nem jogadores, nem torcida e muito menos os treinadores. Nunca acontece uma falta, o juiz não pode rever um lance, dar um cartão, pois logo é cercado pelos jogadores que ficam “buzinando” na cabeça do indivíduo, um verdadeiro transtorno, pois todo mundo tem razão o tempo todo. Percebeu que no futebol não pode haver autoridade, pois seja quem for, a princípio está errada e, não importa a situação, o torcedor não foi feito para perder, ele sempre tem que ganhar, a qualquer custo, com qualquer futebol e com qualquer placar, o que importa sempre é vencer. Chegou a conclusão que o futebol é feito somente pela vitória, o empate e a derrota não deveriam existir, pois ninguém compreende e aceita os resultados possíveis de uma partida.

            Como estava sentado próximo à imprensa, ficou prestando atenção nas falas dos comentaristas, lembrou logo do professor da disciplina de metodologia de pesquisa na universidade, tal a complexidade das palavras, uma verdadeira “filosofia” da arte de praticar futebol. Pensou que se vier em um próximo jogo vai consultar o dicionário e estudar os termos utilizados antes de entrar no estádio, o vocabulário do futebol contemporâneo é “fantástico”, e logo percebeu que o esporte foi intelectualizado por aqueles que nunca tiveram a competência de jogá-lo, mas que se julgam inteligentes o suficiente para fazê-lo ser “diferente”. – “Pobre dos Geraldinos”, pensou em voz alta.

            Em síntese, ele teve a rápida percepção de que o futebol ficou esquisito: caro, mal jogado, sem talentos, parcial e que o estádio de futebol não é mais lugar para diversão e entretenimento e que a pergunta a ser feita a partir de agora é: compensa ainda assistir jogo de futebol?


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