Thursday, 14 August 2025

Sabugo: A vida no ritmo das ruas

Era manhã cedo quando Sabugo, um nome que mais parecia saído de uma história de aventura, começava seu dia. A barba longa e desgrenhada, que lhe valera o apelido, era sua marca registrada. Ele a cultivava com um certo orgulho, embora não houvesse muito que pudesse fazer para domá-la.

Sabugo era catador de papelão. Seu carrinho, um veículo improvisado para transportar seus achados, rangia e gemia a cada movimento, como se estivesse contando histórias de suas próprias batalhas diárias. Juntos, eles deslizavam pelas ruas da cidade, uma dupla inseparável no ritmo frenético de Araraquara.

Ao meio-dia, Sabugo fazia uma pausa. Sentado na beira da calçada, geralmente na esquina da rua três com a avenida Osório, embaixo da marquise onde os taxis ficavam estacionados, abria um embrulho de papel que guardava os restos de comida que conseguira recolher. Para muitos, aquilo poderia parecer pouco, mas para Sabugo, era o suficiente para matar a fome e seguir adiante.

Com sua caneca em mãos, ele observava o vai e vem das pessoas, cada uma com sua pressa e preocupações. Sabugo, no entanto, tinha um outro tempo. O tempo dos que vivem à margem, dos que enxergam o mundo por outra perspectiva.

Sabugo era um observador. Enquanto mastigava lentamente, seus olhos acompanhavam o movimento ao seu redor. Via a cidade acordar e adormecer, os rostos que passavam, as histórias que se cruzavam sem jamais se tocarem.

Ele sabia que sua vida era simples e humilde. Sabia que muitos o olhavam com desdém ou pena. Mas ele não se importava. Sabugo tinha a liberdade dos que não têm nada a perder, a sabedoria dos que aprenderam a encontrar beleza nas pequenas coisas.

Com a caneca na mão, Sabugo refletia sobre a vida. Pensava em como, apesar de tudo, ele tinha sorte. Sorte por ter saúde para continuar empurrando seu carrinho, por encontrar sempre algum alimento, por poder ver o mundo de uma maneira que poucos se permitiam.

Para Sabugo, a vida era isso: um dia após o outro, um passo de cada vez. E, no final do dia, era o sorriso que ele lançava ao carrinho, seu fiel companheiro, que dizia tudo sobre sua jornada. Em sua simplicidade, Sabugo encontrava uma paz que muitos ainda buscavam. E, quem sabe, essa fosse a verdadeira riqueza da vida.

Wednesday, 13 August 2025

Tuesday, 12 August 2025

Crônica de uma morte anunciada

 


Resenha

"Crônica de uma Morte Anunciada", escrita por Gabriel García Márquez, é uma obra extraordinária que mistura jornalismo, literatura e o inconfundível realismo mágico característico do autor. Publicada em 1981, a novela explora temas como honra, destino e a inevitabilidade da morte, mergulhando profundamente nas complexidades da sociedade e da moralidade.

A narrativa gira em torno da morte de Santiago Nasar, um jovem de ascendência árabe, em uma pequena cidade costeira. O livro começa com a notícia da morte de Santiago e, como o título sugere, todos na cidade parecem estar cientes de que ele será assassinado. No entanto, uma série de mal-entendidos e a apatia coletiva levam ao trágico desfecho.

Santiago é acusado de desonrar Angela Vicario, uma jovem que, após ser devolvida ao lar no dia de seu casamento, revela que ele foi o responsável por tirar sua virgindade. Para restaurar a honra da família, os irmãos de Angela, Pedro e Pablo Vicario, decidem matá-lo. O mais intrigante é que, apesar de suas intenções serem amplamente conhecidas, ninguém na cidade intervém de forma efetiva para impedir o crime.

Um dos temas centrais da obra é a noção de honra, que conduz as ações dos personagens. A honra da família Vicario é posta em xeque, e o ato de vingança é visto como um meio necessário para restaurá-la. García Márquez critica essa visão distorcida de moralidade, onde a reputação se sobrepõe à vida humana.

Outro tema relevante é o destino. Desde o início, o destino de Santiago parece selado, e a narrativa apresenta um forte senso de inevitabilidade. A forma como os eventos se desenrola sugere que todos os esforços para alterar o curso dos acontecimentos são inúteis.

Embora "Crônica de uma Morte Anunciada" seja mais uma investigação jornalística do que uma obra de ficção fantástica, elementos do realismo mágico permeiam a narrativa. A atmosfera onírica e a representação de eventos extraordinários como corriqueiros reforçam a sensação de fatalismo e a complexidade da realidade.

García Márquez usa uma estrutura não-linear, começando pelo fim e explorando os eventos que levaram ao assassinato de Santiago. Essa técnica aumenta a tensão e o mistério, mantendo o leitor envolvido do início ao fim. O estilo é direto, mas poético, com descrições vívidas que capturam a essência da vida na cidade e a psicologia dos personagens.

"Crônica de uma Morte Anunciada" é uma obra-prima que desafia as convenções tradicionais de narrativa e oferece uma crítica profunda à sociedade. Gabriel García Márquez, com sua habilidade única, cria uma história que é, ao mesmo tempo, um relato policial e uma reflexão filosófica sobre a condição humana. Com personagens memoráveis e uma trama envolvente, este livro é essencial para qualquer amante da literatura

 

Narciso: o tecedor de ilusões

 


Na cidade onde o sol parecia brilhar menos, vivia um homem cujo nome era sinônimo de confusão e engano: Narciso. Não era um nome de batismo, mas um apelido que a comunidade lhe dera, pois sua habilidade em manipular e tecer tramas era lendária.

Narciso era um verdadeiro artista das palavras. Sua especialidade era vender sonhos, não daqueles que se realizam, mas os que se desfazem como fumaça ao primeiro toque de realidade. Ele tinha uma habilidade notável de fazer com que suas mentiras soassem como a mais pura verdade. Quem o conhecia sabia que precisava ter cuidado, mas poucos resistiam ao seu charme sedutor e ao seu olhar magnético que prometia mundos e fundos.

Manipular era para Narciso tão natural quanto respirar. Ele entendia as fraquezas humanas e as explorava com precisão cirúrgica. Suas palavras eram armas afiadas, capazes de cortar através das defesas mais robustas. Amigos e familiares, todos já haviam sido vítimas de suas artimanhas, mas muitos escolhiam ignorar, talvez por medo, talvez por esperança de que um dia ele mudasse.

Narciso tinha uma maneira peculiar de virar uma situação a seu favor. Quando confrontado, desviava o olhar, mudava de assunto ou fazia com que a culpa caísse sobre o outro. Seu jogo era complexo, um xadrez emocional onde ele sempre estava muitos passos à frente.