Friday 8 June 2007

PUBLICAÇÃO DE RESENHA

Foi publicada na revista eletrônica de ciência política achegas.net uma resenha de minha autoria. O endereço para acesso é o seguinte:

PUBLICAÇÃO DE ARTIGO CIENTÍFICO

Foi publicado um artigo científico de minha autoria na revista eletrônica achegas.net da área de ciência política da cidade do Rio de Janeiro.
O endereço para acesso é o seguinte:

Monday 4 June 2007

O silêncio do caloteiro

O SILÊNCIO DO CALOTEIRO
A.J. PIERINI


Ouviu bater três vezes na porta e foi atender. Olhou pelo olho mágico e viu que era o cobrador. Fez silêncio. A respiração ofegante podia denunciar a presença. Por alguns segundos suspendeu a respiração. O telefone toca a quatro passos dali.
Porra! não posso atender! Será que é Vera? Não posso perder esse encontro!! Pensou. E esse cobrador que insiste em bater na porta. Bem que ele podia ir embora e me deixar em paz. Essas malditas contas. Não sei porque elas existem!
Espiou de novo pelo olho mágico. O cobrador estava com os olhos arregalados e as mãos na cintura e com certeza pensando: será que esse desgraçado não está em casa? O cobrador continua batendo na porta. O bater na porta soava como uma intimação.
Poxa! Como viver é caro! Pensou. A conta de luz que está por vencer, a de água que já venceu, o telefone está para ser cortado. Preciso arrumar um jeito de ganhar mais grana! Talvez se eu fizer aquele curso profissionalizante as portas se abram para mim! Não sei não! A situação anda tão difícil!
Andou até o sofá na ponta dos pés, segurando a respiração. Sentou, pegou a almofada e a colocou sobre as pernas. Deitou e escondeu o rosto com a almofada. Que situação difícil. Matteo levantou-se bruscamente e jogou a almofada no chão. A televisão ligada no meio da sala apresentava a imagem apagada do político. Matteo diz em voz baixa:
_ Cambada!
_ Não se esqueçam, eu também quero o meu! bando de safado!
O cobrador bate três vezes na porta.
Sabe de uma coisa, eu tenho vontade de ir até lá e dizer a ele que eu não tenho dinheiro para pagá-lo. È exatamente isso que vou fazer. Caminhou lentamente até a porta e espiou pelo olho mágico. O cobrador estava com a mão na parede, fazendo bico com os lábios e olhando fixamente para a porta. Colocou a mão de leve sobre a maçaneta! Não, eu não posso fazer isso! Com certeza se eu disser a ele que não tenho grana, o que é que ele vai pensar de mim? Vou ser taxado como um fracassado. Um homem que não tem profissão ou mesmo que sou um vagabundo ou cafetão. Nessas horas o homem é o culpado, não o sistema! Pensou Matteo.
Já sei, vou dizer ao cobrador que meu salário está atrasado. Sabe como é... a situação do país está difícil, juros altos, recessão, as vendas diminuíram, tudo isso resultou em atraso de salário e que em uma semana você pode voltar para receber o que lhe devo. Quer saber! vai ser mentiroso no inferno Matteo. Vou ter que ficar fugindo desse cara até quando? Não existe previsão para a entrada de receita! Tenho que ser honesto com ele e dizer:
_ Olha aqui meu camarada. Estou desempregado! Ainda não recebi fundo de garantia, multas, férias, ou seja, ainda não fiz o acerto com a firma, por isso não posso lhe dar nem uma previsão! Até ouço a resposta do cobrador:
_ Tudo bem, Sr Matteo! Só não esqueça que o atraso no pagamento acarretará em pagamento de juros! E olha que é juro de mercado o que é pior! O juro anda alto, por isso, veja se acaba com essa dívida. Só assim o senhor se verá livre de mim!
O cobrador se mostra insistente. Bate três vezes na porta.
_ Que cara persistente! Acho que a persistência é a virtude principal do cobrador. Só assim consegue receber! Fico imaginando se abrisse a porta. O cobrador me mostraria a fatura, apontaria o valor e imediatamente estabeleceria um silêncio. O silêncio do devedor. Aquele silêncio que denunciaria a minha total falta de grana. E eu com aquela cara de debochado, lhe diria:
_ È...como é mesmo o seu nome?
_ Joaquim! Meu nome é Joaquim!
A repetição do nome. Essa é a tática do cobrador para que se fixe o nome. O nome da cobrança. Para que toda vez que o nome Joaquim for mencionado próximo a mim, me lembre daquele sujeito encostado à porta do meu apartamento, fazendo bico com os lábios e com a fatura à espreita, pronta a ser mostrada com volúpia.
_ Olhe seu Joaquim! Esse valor é muito alto. Não tenho dinheiro para pagá-lo, vou ter que pedir uma renegociação. Dou algum dinheiro de entrada e parcelo o restante em sete ou oito vezes! É o único jeito que vejo para poder pagar essa conta. Me dê o telefone da financeira que logo entrarei em contato!
Mas, para isso vou ter que negociar com Madalena. Não! Sofro tudo na vida, menos negociar com a mulher o pagamento da própria dívida. Receber dinheiro da esposa para pagar uma dívida minha! De jeito nenhum! Prefiro ficar devendo! Mas! Sabe até que não é uma má idéia! As mulheres hoje trabalham, bebem, fumam, tem um número grande de parceiros e ainda mais lutam para conquistar o seu espaço. Então, não vejo porque não pegar dinheiro da Madalena para pagar minhas contas. Tudo bem! Pode não ser ético, mas, quem é que liga para a questão ética quando o assunto é grana! Para pagar conta vale tudo! É lei de mercado!
_ Não. Acho melhor dizer a ele que agora virei dono de casa. As tarefas de casa agora sou eu que faço, lavo louça, limpo o chão da casa, lavo os banheiros, tiro o pó dos móveis, dou uma arrumada no quintal, faço café, almoço e janta, enfim, dou conta das tarefas do cotidiano e que o chefe da família no momento não se encontra, por isso se faz necessário que volte outrora. O cobrador responde:
_Essas tarefas são femininas! Na minha casa quem desempenha essas tarefas são as mulheres. Só as mulheres! O homem tem ganhar grana! Disse de forma enfática.
_ Estás muito enganado! Os tempos são outros. Inversão de papéis, ou melhor, de alguns papéis! Deus me livre fossem todos estávamos fritos! Não é mesmo! O cobrador olha sério e com certeza pensa: esse filho da puta não quer pagar e está só me enrolando!
Uma solução eficaz para esse problema de grana é pedir dinheiro emprestado para agiota. Juro exorbitante. Mas, e daí para quem já está em situação ruim, piorar um pouquinho não tem problema. Está aí a solução, vou abrir essa porta com tal velocidade e dizer ao cobrador que irei fazer empréstimo em agiota para poder pagá-lo. Ele vai me dizer:
_ Sr Matteo eu não quero saber de onde o senhor vai retirar o dinheiro, o que eu preciso é receber, não importa de onde venha! Entendeu! Mas, como é que é, vai me pagar ou não?
Ouve passos no corredor e ao fundo o som de um samba, provavelmente do Zeca.. A voz da sogra soa ao longe. To ferrado!! Será a primeira a denunciar a minha presença. Não seja tolo, Matteo, ela não fará isso. Ela sabe que estás desempregado. Mas o que é pior é que ela conhece o cobrador. A discussão do final de semana surtirá efeito agora. Se ela ainda estiver magoada comigo com certeza vai me denunciar. Maldita hora que fui arrumar amante. Desempregado, sem bens, conta bancária a zero, ainda metido a arrumar caso extra. É tudo de pior que um homem pode arranjar! Pensou.
Observou novamente pelo olho mágico. Viu o cobrador virado de costas e com a mão na cintura. Provavelmente a escutar a conversa entre a minha sogra e a vizinha Matilde. Fuxiqueira do caramba! Velha caduca, sem educação, mal criada. Tem uma língua que Deus me livre! Estou salvo, acho que já está indo embora.
Ouço barulho de maçaneta. Acho que a vizinha já entrou! Não ouço mais a voz da minha sogra. Mas ouço alguém se aproximando. Tenho que disfarçar meu nervosismo. Ainda bem que o almoço está pronto! O cobrador foi embora. A casa está imunda! Vou ouvir impropérios. Quer saber, não vou ouvir não, vou mandá-la para aquele devido lugar! Quem é ela para vir aqui, na minha casa e me dar ordem! Preciso arranjar um emprego! Mas, está tudo tão difícil. A televisão está com problemas, a pia está entupida e ainda por cima o computador com vírus! Quer saber, não estou nem aí! Pensou em correr para o sofá e fingir que estava lendo, pegou o Neruda que estava em cima da mesa da sala, colocou as mãos sobre a cintura e ficou parado olhando fixamente a réplica de Dali na parede.
Ouviu bater três vezes na porta e foi atender. Olhou pelo olho mágico e viu o rosto nefasto da sogra. Será que eu abro ou não a porta! Se eu não abrir, vou comprar briga com Madalena. Não tenho escolha! Virou a chave da porta lentamente e com um sorriso sarcástico disse:
_ Bom dia, dona Zulmira! Como vai a senhora? Perguntou, disfarçando interesse.
_ Vou bem Matteo e você? Já arrumou emprego? Perguntou dona Zulmira de forma provocativa.
_ Não, ainda não. A coisa está feia. Deu no jornal que o índice de desemprego aumentou. Disse Matteo, virando as costas para a sogra e escondendo o Neruda. Matteo não queria deixar a sogra perceber que estava lendo, afinal de contas era uma segunda-feira de manhã e era hora de homem estar trabalhando.
_ Vim aqui só para almoçar! Disse a sogra com voz provocativa.
_ Arroz, feijão, salsicha e uma salada de repolho. É esse o cardápio. Se quiser algo mais, por favor, compre e cozinhe. Disse Matteo, visivelmente nervoso.
_ A aparência da coisa está boa! Ainda bem que você leva jeito para fazer algo na vida. Eu disse à Madalena que você era puro encosto, mas, sabe como é, né, esse tal de amor! Agora, está lá, trabalhando enquanto o marido fica pensando besteira em casa!
_ Que besteira, que nada dona Zulmira. Estou aprontando meu curriculum para fazer presença. Sabe como é né, se não tiver curriculum nem adianta.
_ Mas, o que é mesmo que você sabe fazer? Pelo que sei você não sabe nem apertar um parafuso! Disse Zulmira, com jeito de deboche.
_ A minha especialidade é mesmo chutar tampinha de garrafa na rua. Isso faço bem, para cada tipo de tampinha um chute diferente. Respondeu Matteo com um enorme sorriso no rosto.
_ Olha aqui seu moleque, você não debocha de mim. Mais respeito com a sua sogra! Você não é capaz de desentupir uma pia, olhe só o estado daquela cozinha. Disse Zulmira, visivelmente nervosa.
_ O papo está bom, mas está na hora de eu sair. Tenho um compromisso no centro da cidade. É inadiável. Talvez desse encontro sobre algum dinheirinho para mim. Disse Matteo, para se esquivar da sogra.
_ Sei quais são os seus tipos de compromisso. Disse Zulmira com desconfiança.
Matteo se dirigiu até o quarto, pegou a camisa azul que estava na guarda da cadeira, vestiu ligeiro e ainda saiu abotoando-a para não ouvir mais a voz da sogra. Bateu a porta e desceu as escadas do prédio sem tomar conhecimento do que dizia Zulmira.
Levou a mão ao bolso e percebeu que só tinha algumas moedas.
_ Como é que vou me encontrar com Vera? Não, hoje não tem condições de eu encontra-la! Pensou Matteo, visivelmente irritado. Acho que estou com vontade de tomar café. Contou as moedas, viu que sobrava e entrou no café do Arlindo esnobando.
_ Oh! Arlindo, me serve aquele preto com creme, mas capriche no creme hemmm! Disse Matteo esfregando as mãos.
_ Pó, Arlindo a situação ta feia, cara! Não consigo arrumar emprego é dívida em cima de dívida! Não consigo pagar! As vezes penso em fazer besteira, sabe como é! Falou Matteo franzindo a testa e colocando as mãos sobre o queixo, misturando euforia e desânimo.
_ Não está fácil pra ninguém, disse Arlindo. Emprego hoje é artigo de luxo, algo raro. A tendência é a coisa ficar pior. Essa tal modernidade tirou emprego de muita gente! Sabia? Disse Arlindo enquanto servia o café para Matteo.
_ Adoce primeiro o café, para depois eu colocar o creme. Disse Arlindo.
_ Tudo bem! Disse Matteo, observando as pernas da loira que desfilava a olhar vitrine na calçada do outro lado. Conseguiu até derrubar o açúcar sobre o balcão.
_ Pena que estou sem grana, se não chegava naquela loira! Disse Matteo fazendo sinal com a cabeça para Arlindo!
_ Material de primeira! Pena que já tem dono! Disse Arlindo conformado.
_ Não tenho ciúmes não, sabia! Falou Matteo com confiança.
Comeu o creme de forma lenta com a pequena colher para saboreá-lo, mexeu o café e tomou em um só gole. Bateu a xícara sobre o pires no balcão, sacou as moedas do bolso, contou o valor e deixou o dinheiro ao lado.
_ Obrigado Arlindo. Até o próximo. Disse Matteo, fazendo sinal de positivo.
Saiu do café do Arlindo pensando em como ganhar uma grana.
_ Já sei! Vou até o bilhar. Deve ter algum idiota esperando por uma aposta. Treinei muito na casa do padrinho no final da semana passada, tenho certeza que levantarei algum.
_ Boa tarde cambada! Diz em voz alta levantando os braços.
_ Me dê a de sempre aí, Tobias!
_ Chegou o bom de taco, respondeu Tobias, olhando para Pablo que estava sentado junto ao balcão.
Tomou o cálice de cachaça com um único gole batendo-o sobre a mesa.
_ Me dê mais um...porque hoje, preciso arrumar alguma grana aqui...a coisa tá feia, lá em casa.
_ Eu duvido que você bate o Castilho no taco! Disse Pablo, um amigo de infância.
_ É que to sem grana! Se não...apostaria, duvido que ele me bateria no taco! Retrucou Matteo, olhando uma dupla jogar na mesa do lado oposto.
_ Não seja por isso, eu te empresto uma onça para apostar com ele...se perder, você me paga o dobro e se ganhar, fica com a outra metade. Pode ser? Desafiou Pablo.
_ Tudo bem, aposta feita. Disse Matteo.
Matteo foi até o banheiro e enquanto se olhava no espelho, falava em voz alta:
_ Quero ver me livrar desta, o Castilho é bom demais...ganhou até o campeonato do estado no ano passado. Mas eu preciso arrumar uma grana, tenho que sair com a Vera dia desses, faz tempo que eu não dou uma. Complicado vai ser se eu perder, terei que pagar duas onças para o Pablo. Quer saber, Matteo, apontando o indicador para o seu rosto diante do espelho...você joga melhor que o Castilho...e vai ganhar essa parada. Ponha fé em seu taco. Você vai ganhar!
Voltou para o balcão mordendo os beiços e vê Pablo mostrando a onça com soberba.
_ Essa eu quero ver, vai ser o dinheiro mais fácil de ganhar! Disse Pablo, olhando para Matteo.
_ Então, vamos fazer o seguinte, disse Matteo em tom de deboche. Você marca o duelo com o Castilho para outro dia e nós fazemos um duelo agora. Você aposta uma onça comigo que eu lhe derroto no taco, se eu ganhar você me paga uma onça e se eu perder eu lhe pago três. Pode ser?
_ Mas, eu não jogo muito bem, disse Pablo. Você é que se acha muito esperto, né...Matteo. Eu não topo essa parada, não.
_ Pó...vamos lá Pablo, eu achei que você confiava mais em você mesmo! Exclamou Matteo.
_ Não, pó...eu não quero jogar. Mas, tenho a certeza de que você tem está com medo de enfrentar o Castilho.
Matteo coçou a cabeça preocupado e andava de um lado a outro do bilhar com o taco na mão pensando em como ganhar dinheiro para poder sair com Vera.
_ Você acha que eu tenho medo de jogar com esse cara, aí...aponta o dedo para Castilho. Eu não tenho, não. Disse Matteo.
_ Ué...então porque não aceita o desafio? Perguntou Pablo.
_ Ô...Tobias....ponha uma daquela danada no copo pra mim! Disse Matteo.
Tomou em único gole, batendo o cálice sobre o balcão.
_ Então vamos jogar! Prepare a mesa Pablo. Disse Matteo.
_ É assim que se fala, caro amigo, incentivando Matteo a jogar. Disse Pablo.
_ Só que eu quero a onça caseada sobre aquela mesa, ali. Disse Matteo, apontando a mesa de madeira ao lado.
O ambiente ficou tenso no bilhar. As pessoas que estavam no ambiente admiravam alguém desafiando o melhor taco da cidade. Fez-se rapidamente uma roda em torno da mesa. Matteo acende um cigarro no canto da boca enquanto acaricia a bola sete.
_ Essa vai ser a bola do jogo. Falou olhando para Castilho em tom de provocação.
_ A regra vai ser a seguinte, disse Matteo para Castilho. Vamos tirar par ou ímpar quem ganhar escolhe as bolas de número de par e quem perder fica com as ímpares. Assim que alguém matar as suas bolas entra a bola sete, se este derrubar a bola sete em seguida ganha o jogo. Tudo bem?
_ Ta legal. Disse Castilho.
Castilho muito calmo acende um cigarro e bebe em um só gole o copo de cerveja que estava sobre o balcão.
_ Essa vai ser barbada! Pode crer. Disse à Pablo.
Pablo olha desconfiado para os dois e afasta as pessoas da mesa.
_ Par ou ímpar,Castilho. Disse Matteo.
_ Par. Disse Castilho.
Os dois põem os dedos à prova. Deu quatro. Castilho ganha o par ou ímpar.
_ Você começa, Castilho. Disse Matteo.
Castilho dissipa as bolas na mesa. Mas em toque estratégico para não deixar à boca as bolas de Matteo. Jogada defensiva.
_ Bola três na caçapa do fundo. Disse Matteo, em tom de confiança.
A bola bate na quatro, resvala na quina da caçapa do meio e vai para o fundo, mas a tacada não é forte o suficiente para atingir a caçapa desejada e para no meio do caminho.
_ Acho que precisa tomar mais um trago, Matteo. Diz Pablo tirando um sarro.
_ Cale a boca que você ganha mais, Pablo. Disse com rispidez Matteo.
_ Olhe só como se joga. Falou Castilho dando uma baforada em seu cigarro.
_ Bola quatro na caçapa do meio. Disse Castilho.
Castilho fez um corte com a bola branca no meio. Ela bate na bola seis e empurra a quatro que cai certeira, como Castilho havia falado. Começa o bochicho entre a platéia.
_ Eu não falei que ele joga pra caramba. Disse Pablo.
_ Bola seis no fundo Matteo. Quer ver? Disse com arrogância Castilho.
Castilho bate na bola branca e produz um efeito que a bola faz uma curva, bate na bola seis e cai na caçapa do fundo. A tacada foi tão boa que colocou a bola dez e a doze na mesma reta.
_ Olha só o telefone, Pablo. Disse Castilho sorrindo.
Castilho bate na bola branca, que bate na bola dez, que bate na bola doze e que cai caçapa do meio. A bola dez parou na boca da caçapa, restando Castilho apenas dar um leve toque para jogá-la para baixo.
_ Eu acho que Matteo vai acabar é ficando com todas as bolas na mesa. O Castilho não está dando brecha. Disse Pablo com um sorriso enorme.
_ Agora é a vez da bola oito. Quer ver eu dar um corte na branca lá no fundo e mata-la aqui nessa caçapa! Fala Castilho apontando para a caçapa.
Enquanto isso, Castilho passa giz no taco, o alisa com todo carinho. Acende um cigarro. Dá um trago de leve na cerveja. Olha atentamente a platéia. Faz uma pose sobre a mesa colocando o taco sobre as costas para fazer a jogada.
_ Essa tacada é para o desafiante. Diz Castilho em tom de deboche.
Castilho dá um toque de leve e empurra a bola dois para a caçapa do fundo. A bola branca para estrategicamente para o arremate da bola quatorze na caçapa do meio. Castilho faz uma jogada de mestre. Dá um corte duplo com a bola branca e derruba a bola quatorze.
_ Agora, caro Matteo quero que você coloque a bola sete em posição estratégica. Se você quiser pode coloca-la colada no fundo. Eu vou faze-la repicar e cair na caçapa aqui no meio. Você quer ver? Castilho aponta o taco para Matteo.
Matteo coloca a bola colada no fundo do lado oposto onde estava a bola branca. Castilho da uma tacada de mestre em que a bola branca desvia da bola três de Matteo bate na bola sete, que repica e vai certeira para a caçapa do fundo.
_ Ah...ah....ganhei duas onças de otário. Fala Pablo apontando para Matteo.
_ É... o jogo foi muito fácil. Disse Castilho.
_ Agora....disse Castilho para Matteo. Passe a minha grana, cara!
_ Não...não...disse Pablo, afastando Matteo com a mão direita. Quem vai te pagar sou eu...Pablo retira a onça da carteira e passa para Castilho.
_ Agora, o otário aqui...bate nos ombros de Matteo, dizendo:
_ O otário agora deve para mim....só que ele me deve duas dessas aponta para a onça na mão de Castilho.
_ Por falar nisso, pode me passar o dinheiro...Matteo.
_ Sabe o que é Pablo...agora estou sem condições, cara. Estou duro pra caramba...não tenho dinheiro nem pra tomar uma cachaça. Tanto é assim que vou pedir pro Tobias pendurar os dois tragos que tomei aqui!
Castilho pegou o dinheiro de Pablo, e saiu lentamente do bilhar dizendo:
_ Ô Pablo, fala para o nosso amigo, aí, treinar um pouco mais. Essa não deu nem pra esquentar. Deu uma risadinha pelo canto da boca.
_ Pode deixar que eu vou ter uma conversinha com ele. Disse Pablo batendo nos ombros de Matteo.
_ Cara, eu quero a minha grana. Disse Pablo demonstrando estar nervoso.
_ Me dê alguns dias para lhe pagar. Respondeu Matteo apreensivo.
_ Eu vou lhe dar dois dias. Quero que você não se esqueça que eu sei onde você mora. E se você não aparecer aqui em dois dias eu lá te cobrar. Só que vai ser diferente. Está entendendo? Falou Pablo.
_ Pó...que é isso, Pablo. Sabe que eu não sou de ficar devendo. Sempre honro meus compromissos. Ainda mais com você que é amigo de ginásio. Você acha que eu vou ficar lhe devendo? Disse Matteo dando um abraço em Pablo.
_ Ô..Tobias...pendura as duas aí...que eu lhe pago a hora que eu vier pagar o Pablo. Disse Matteo para o dono do bar.
_ É bom não se acostumar...heimmm...Na próxima só vai tomar se pagar adiantado. Disse Tobias em tom de repreensão.
Pablo sai desesperado do bilhar, falando sozinho:
_ Entrei sem um puto de grana no bilhar e saí de lá devendo uma nota preta. Onde é que eu estava com a cabeça na hora em que resolvi aceitar o desafio de Pablo. E agora...onde vou arrumar dinheiro para pagar esse cara? Disse colocando as mãos sobre a cabeça em sinal de desespero.
_ O problema não é esse? É que se já estava difícil de arrumar dinheiro para sair com Vera...agora imagina devendo duas onças para o Pablo. Já foi aquela umazinha que eu queria dar...Disse Matteo lamentando.
Matteo pensou que a situação estava péssima. Sem dinheiro, desempregado, vivendo às custas da mulher e ainda por cima tendo um caso extra. Sentou no banco da praça e ficou olhando atentamente a Igreja de Santo Expedito e as pombas ciscando pelo chão e o ambulante gritando:
_ Olha a pilha um real...olha a pilha um real...
_ Que vida de merda que esse cara deve levar, porra. Vendendo pilha a um real. O que esse cara pensa da vida? Eu não entro numa dessas nunca. Exclamou sozinho, no banco da praça.
O celular de Matteo dá sinal de mensagem recebida. Pablo olha o celular e vê a seguinte frase enviada por Vera:
_ Te encontro às quatro lá no bosque da cidade. Tô com saudades.
Matteo olha a mensagem, coça a cabeça e diz:
_ Porra, lá no bosque da cidade? Lá do outro lado...não tenho nem dinheiro pra pegar ônibus. Que situação.
Acho melhor não responder a mensagem. Preciso pensar uma estratégia para poder encontra-la. Ahhhhh, Verinha, como você está gostosa! Não posso perder essa!
_ Já são duas e meia. Falta só uma hora e meia para encontrá-la. Tenho que dar um jeito nessa situação. Falou em voz baixa.
Vou entrar na igreja e ver se consigo rezar um pouco, pensou Matteo. Entrou na igreja e viu um grupo de senhoras participando da novena. Resolveu sentar no banco logo atrás do grupo e percebeu que uma das senhoras deixou a bolsa sobre o banco.
Não, não posso pegar essa bolsa. Pensou Matteo. Já pensou...vou roubar dentro de uma igreja. Uma velhinha ainda por sinal! Esqueça, isso Matteo, esqueça isso, Matteo. Nem morto! É pecar por mil anos, se eu fizer isso. Olhou em volta, olhou para trás e não viu ninguém, mas quando olhou para frente, pareceu ter visto Cristo a olhar de soslaio. Não...não...nem pensar. O homem está de plantão o tempo todo. Lembrou dos tempos de catecismo, quando ficava jogando bolinhas de papel nas costas de Augusto e o Padre Salgado dizendo:
_ Meninos, Deus está em todo lugar...não adianta fugir....pois vigiai-vos. Dizia com aquele queixo tremendo à velhice.
Matteo pôs-se a rezar o Pai Nosso em companhia das velhinhas da novena. Passava uma mão sobre a outra e olhava para bolsa da velhinha. Não podia dar muita bandeira, senão chamaria a atenção. Abaixa a cabeça, olha para o Cristo, as mão suando à frio. As velhinhas com o terço na mão. Que situação chegaste em Matteo. Só mais um pecadinho não faz mal, não é mesmo? Pensou. Olhou para o relógio falta apenas uma hora para o encontro com Vera. Pensou em rezar a Ave Maria, mas logo pensou em Madelena e desistiu da idéia. Então vou rezar a Salve Rainha. Não, essa não é muito difícil, melhor mesmo é ficar é no pai nosso. Mas, um pecadinho só não faz mal pnsou Matteo já pondo as mãos sobre a bolsa da velhinha, colocando-a sobre o lado oposto do corpo e saindo à francesa.
_ Que Deus me tenha...mais vale a Verinha do que a bolsa da velhinha. Disse em voz baixa.
Quando pôs os pés fora da igreja, saiu em disparada em direção ao centro da cidade até encontrar uma sombra onde pudesse descansar e vasculhar a bolsa.
_ Vamos ver o que encontramos aqui. Espero que eu ache logo uma oncinha para safar o táxi e um sorvetinho, aí já ta bom, né. Esfregando a bolsa da velhinha.
_ Vamos ver o que tem...abriu a bolsa da velhinha e encontrou logo um pente cheio de cabelo. Disse em tom baixo.
_ Que nojo...disse Matteo torcendo o nariz.
Encontrou um terço. Uma foto com a imagem de Nossa Senhora Aparecida e uma oração de Santo Expedito. A foto de uma criança, provavelmente o neto, a carteira de identidade e um cepeefe.
_ Até que fim um porta moedas. Disse Matteo.
_ Até parece que foi ela que assaltou a igreja, chacoalhando o porta moedas. Matteo abriu e encontrou só moeda de dez centavos. Ficou por cerca de dez minutos contando um total de cinco reais.
_ Só cinco reais tem nessa bolsa? E eu fiquei pior com Cristo por causa de cinco reais? Pegou a bolsa e jogou no chão com força esparramando os pertences da velhinha, colocando no bolso o porta moedas. Olhou no relógio e faltava apenas meia hora para o encontro com Vera. Por um instante, resolveu mandar uma mensagem pelo celular e avisar que estava em situação difícil e que não poderia ir, mas também percebeu que o celular estava sem crédito. Não havia como avisa-la. Então pensou pedir fiado ao taxista. O que não posso é deixar de ver Verinha hoje...tô numa seca danada. Matteo imaginou falando ao taxista:
_ Olha seu taxista, a situação ta preta, to sem grana. Posso deixar meu endereço. Com certeza eu lhe pago amanhã. Pode ficar despreocupado. É claro que pretendo fazer isso depois te ter feito a corrida, o máximo que pode acontecer é o taxista chamar a polícia e eu ter que dar explicações na delegacia.
Caminhou até o ponto de táxi mais perto. E percebeu que quem estava na vez era o Toninho da Prata, antigo parceiro de bilhar. Matteo chegou de leve, pôs o braço direito no ombro de Toninho e disse:
_ Nem tudo que reluz é prata, ou melhor, é ouro. Não é mesmo meu amigo? Disse Matteo abrindo um enorme sorriso.
_ Pois é Matteo, quanto tempo! Agora estou aqui, fazendo ponto na praça central. Respondeu Toninho da Prata.
_ Então amigo Toninho...tô precisando de uma corrida até o bosque da cidade, será que pode me levar até lá? Só que tem um detalhe...tô sem grana. Mas, pode ficar na susse que eu lhe pago depois. Disse Matteo.
_ Poxa cara...a situação ta preta, mas eu não posso fazer essa corrida pra você. Eu pago aluguel do carro...e se eu não lhe cobrar a situação vai ficar feia pra mim, entendeu?
_ Mas, cara...respondeu Matteo, batendo nos ombros de Toninho.
_ Em nome da nossa antiga amizade, cara! Quebra essa pra mim...eu tenho um compromisso muito importante lá no bosque agora...Falou Matteo quase implorando.
_ Pelo que eu saiba, lá é o lugar da putas. Boa coisa você não vai fazer, não...pode crer!
Subitamente Matteo dá um soco no estômago de Toninho e diz:
_ Como podes falar assim de Verinha? Seu filho da puta e sai em disparada pela rua deixando Toninho da Prata no chão falando alguns palavrões.
Matteo caminha até o ponto de táxi mais próximo, chega no motorista de táxi e diz:
_ Por favor, uma corrida até o bosque da cidade! Disse demonstrando estar com pressa. Olha no relógio e é pontualmente quatro horas.
_ Vamos, vamos, vamos amigo. Estou com muita pressa! Tenho um encontro super importante lá...não posso nem chegar atrasado.
_ Mas, é longe amigo. Temos que ter paciência...nessa hora o trânsito já está ruim...Disse o taxista demonstrando paciência.
O carro pára no sinal fechado. Matteo diz nervoso:
_ Vamos, vamos, vamos sinaleiro maldito. Não nem sei nem porque existe essa porra, batendo com a mão no banco do passageiro.
_ Ei...amigo...o carro não lhe pertence. Gostaria que você me respeitasse. Disse o motorista em tom de advertência.
_ Ta bom, ta bom...agora vê se anda mais rápido com essa porra...preciso chegar logo. Disse Matteo.
_ Porra, não! Disse o motorista, já demonstrando estar alterado.
_ A próxima vez que você abrir a boca eu juro que lhe faço descer. Respondeu o motorista.
_ Tudo bem...tudo bem foi mal em amigo...agora...vamos logo amigo, por favor.
Mas, o que mais alterava o humor de Matteo era não ter dinheiro para pagar a corrida. Em alguns segundos pensou em soltar um peido bem fedido no carro nas proximidades do parque...assim pediria ao motorista para descer por causa do cheiro e aí sairia correndo em direção ao parque. O que de ruim poderia acontecer nesse caso é simplesmente o taxista pedir para abrir as janelas para o cheiro sair...daí como é que eu descerei do carro em movimento. Posso ser tudo....menos burro, pensou. Só que aí terei que ser esperto...terei que pegar a Verinha e sair dali do parque rapidinho...pois ou taxista virá atrás de mim...ou ele mandará a polícia vir. Deus me livre isso, já pensou eu ir em cana porque não paguei uma corrida ao taxista. Ainda mais lá para o bosque da cidade? O que é que eu vou dizer à Madalena? E a Zulmira, então, tirando aquele sarro:
_ E aí, meu querido genro. Vai querer que eu leve uma quentinha pra você lá no xadrez?
Não suportaria isso. É mais fácil morrer.
Quando o táxi chegou próximo ao bosque. Matteo fingiu não passar bem e pediu ao motorista para que parasse o carro. O motorista parou o carro, Matteo saiu com as mãos na garganta e se afastou do carro, correndo em direção ao bosque, largando o motorista, reclamando e lhe dizendo impropérios.
Matteo chegou ao bosque da cidade e ficou procurando Verinha. Olhou entre as árvores e não avistou ninguém.
Achou melhor procurar a Verinha lá na lanchonete. Estava com muita sede.
_ Me arrume um copo d’agua aí gente boa., por favor, disse ao atendente.
_ Ta um calor de matar, hem! Não acha não. Disse Matteo esfregando o suor nas têmporas.
_ É...é mesmo disse o rapaz.
_ Por acaso você não viu uma moça loira, alta, lábios carnudos, por aqui, não? Perguntou afoito ao atendente.
_ Não...ninguém com essa discrição por aqui...pelo menos eu não vi...Disse o atendente demonstrando não estar muito interessado.
_ O que será que aconteceu com essa desgraçada. Disse em voz baixa passando a mão sobre à cabeça.
_ Será que ela vai me dar um cano? Matteo balança a cabeça, demonstrando estar nervoso.
O celular dá sinal de mensagem. Matteo de tão nervoso o derruba e sai da lanchonete cabisbaixo.
_ Meu amor, aconteceu um imprevisto e não vou poder ir até o bosque. Te aviso quando puder lhe encontrar, beijos. Verinha.
A mensagem deixou Matteo furioso.
_ Quem essa piranha pensa que é. O que ela quer fazer comigo? Disse em voz alta olhando para as árvores do bosque e jogando o celular no chão.
_ Essa merda que só traz más notícias! Falou em voz alta.
Sentou-se em baixo da árvore e ficou apreciando o vento que soprava com volúpia naquela tarde. Pensou em Madalena e na sogra. Na louça suja que estava à sua espera. Na roupa que tinha que ter lavado durante o dia. No dinheiro que ia pedir à Madalena para comprar cigarro.
_ Pôrra...isso não é vida para homem como eu. Disse olhando para o celular e abrindo os braços.
Vou ter que voltar à pé para casa. Com certeza vou demorar umas duas horas. A tarde está se indo...com certeza vou chegar em casa à noite. Vou ter que olhar para Madalena e arrumar uma justificativa. Se bem que vai ser pior se Zulmira estiver em casa ainda.
Com certeza vou chegar e dizer:
_ Olha Mada...aconteceram alguns imprevistos...sabe...Saí para fazer uma entrevista de emprego e a demora foi por demais. Daí o meu atraso hoje.
Aí aquela bruxa da Zulmira vai olhar para mim e falar:
_ É ruim....de eu acreditar numa história dessas. Mas é ruim...mesmo. Olha a cara dele...é mentira pura...
Aí vou dizer:
_ O que é isso Zulmira...lá sou homem de travessuras. Tenho barba na cara...tenho caráter...
Madalena com certeza tentará por panos quentes:
_ O que é isso mamãe. Deixe o pobre do Matteo em paz. Ele é trabalhador.
_ Só se for na sua terra...Mada...porque nessa daqui...eu hemmm...de encosto já chega o seu pai.
Eu não agüento mais essa situação. Disse Matteo falando sozinho pela rua.
_ Eu vou parar no primeiro bar e tomar um trago. Já estou atrasado mesmo!
Estou me sentindo muito sozinho, preciso falar com alguém, contar estória. E isso, só em possível em buteco. Me amarro em conversa de buteco. Bato aquele samba na caixa de fósforo. Vejo as menininhas que passam de barriga de fora, dou alguns assovios. Assim o tempo passa. Pensou nisso andando pelas ruas.
Daqui até em casa ainda tem um longo caminho. Se bem que eu poderia fazer a volta e ir lá no bairro da irlanda. Lá eu posso encontrar o Orlando, o Machado...até quem sabe jogar um carteado, pensou Matteo Não...balança a cabeça em sinal de negativo. Isso não posso....eles vão pedir pra eu casear algum...tô duro demais...Mas, eu acho que vou procurar um bar qualquer, sabe, batendo com o indicador sobre a cabeça. Assim, posso chamar qualquer um....e perguntar sobre o Flamengo...é o jeito mais fácil de puxar uma conversa. Sabe como é né...futebol é assunto que tudo mundo entende...ainda mais em buteco.... Posso dar a sorte de encontrar um flamenguista doente e ele me pagar uma cervejinha...esse negócio de só tomar cachaça...não dá não...haja fígado.
Matteo parou no primeiro bar que encontrou.
_ E aí amigo...como anda o mengão...tá sabendo? Perguntou ao homem sentado junto ao balcão, batendo em suas costas.
_ Não...meu amigo...não sei não. Respondeu o homem sem dar muita importância. O outro no fundo fala com convicção:
_ Tomô três coco, ontem! Jogo duro. O mengo não jogô nada...Foi um vareio de bola...Falou o homem gesticulando.
_ Chiiiii....a coisa tá feia então....Respondeu Matteo.
Essa maldita Vera...ela me paga...vai ver só...olha onde eu me enfiei por causa dela, pensou Matteo. Não conheço ninguém por essas bandas.
_ Ô do chapéu...Matteo chamou o dono do bar que usava um chapéu de lona.
_ Meu nome é Armando. Entendeu, cara...Disse o homem em tom ríspido se aproximando.
_ Que bonito seu chapéu em cara...chapéu de lona...de aba larga...Disse Matteo pondo a mão sobre o chapéu...
_ Chapéu de último tipo...Mateo disse ao homem sentado ao lado, fazendo gestos com a boca.
_ Quem me dera ter grana para comprar um chapéu destes, deve ter custado horrores! Mas, que elegância...hemmm amigo! Disse a Armando medindo-o com a mão direita de cima à baixo.
_ Ver se pára de me encher o saco! Disse Armando com rispidez.
_ Deixe de ser grosso, cara! Eu só estou lhe fazendo um elogio à você para o nosso amigo, aqui...companheiro de luta...Não é, não, amigo...Falou para o homem batendo em suas costas.
_ É isso meu...o que vale é o elogio. Disse o homem já com voz de embriaguez.
_ Nada de violência...nada de violência...A violência não leva à nada, pode crer, amigo! O que vale é a gente está em paz. Disse homem embriagado segurando o cálice de cachaça.
Enquanto conversava com o homem, Matteo vê um rapaz vestindo uma camisa vermelha de gola polo e calça jeans, descer de um carro preto. Este olha o ambiente. Armando servia cachaça a um homem no balcão. O flamenguista, olhava o poster do Corinthians na parede resoluto...um homem comia rolmops na mesa à frente com volúpia, bebericando um cálice de cachaça. A noite já se fazia presente. O rapaz chama um homem que estava dentro do bar pelo apelido de Chico Bosta.
_ Que apelido mais estranho...Disse Matteo ao homem com qual conversava.
Quando Chico se aproximou do rapaz, tomou um golpe no estômago que logo o deixou atordoado. Caiu no chão se contorcendo de dor, quando mais dois rapazes desceram do carro e começaram a chutar Chico no chão. Fez-se silêncio naquele instante. Ouvia-se apenas o estalar dos chutes e os gemidos de Chico.
_ Porque é que vocês estão fazendo isso? Perguntou Matteo se aproximando de Chico.
_ Isso não é da sua conta...seu idiota...o rapaz de camisa vermelha desfere um soco em Matteo, em seguida um outro rapaz bate a cabeça de Matteo sobre o chão.
_ Isso é para você não se meter onde não é chamado. Disse o rapaz de camisa vermelha.
O nariz de Matteo começa a sangrar sem parar...encharcando a camisa com o líquido vermelho e viscoso. Chico tenta se levantar mas é empurrado novamente e jogado ao chão.
_ Malditos...vocês me pagam, pode crer! Disse Chico aos rapazes.
Os rapazes entram no carro e saem em disparada à avenida.
_ Seja lá o que você tenha feito...não deve ter sido algo muito bom, disse Matteo para Chico colocando a mão direita sobre o nariz.
Chico se levanta e senta na soleira da porta do bar, põem a mão sobre o estômago e se curva gemendo de dor. Matteo pede gelo para Armando e coloca sobre o nariz, retira a camisa e pede para este deixar lavá-la para tirar o sangue.
_ E agora...como vou chegar em casa? Disse Matteo em voz alta.
Matteo lavou o rosto, pôs a camisa sobre o ombro e saiu do bar em direção à sua casa.
_ Não...hoje eu não posso mais parar em lugar algum. É melhor eu ir para casa e correr para os braços de Madalena. Falou em tom baixo, segurando a camisa com o gelo no nariz.
_ Como isso dói..., mas, tenho que arrumar uma explicação para Madalena.
_ Sabe o que é Madá...eu estava andando de cabeça baixa na calçada e não vi uma placa em minha frente, quando me deparei com ela levantei a cabeça e topei meu nariz contra ela...puro azar...e olha só o que aconteceu...Eu posso dizer isso a ela...se bem que...ela tem que ser muito idiota para acreditar...preciso de uma história mais convincente...Ela pode me olhar e dizer....
_ Conte outra, vai! Como se eu não lhe conhecesse, né Matteo? Madá diria em tom maternal.
Eu poderia dizer que tropecei e caí de cara no chão. Uma fatalidade a qual todo mundo está sujeito. Se bem que tenho que pensar que posso também dar de cara com minha sogra. Imagino as duas sentadas no sofá assistindo a novela, aí eu entro com o nariz inchado e a camisa ensopada de sangue, dizendo à Mada que tropecei e a Zulmira cortando o diálogo e dizendo:
_ Foi nada disso não, Madá...esse traste se enfiou numa briga em algum buteco e tomou um cruzado de direita...pode crer que foi isso que aconteceu...vagabundo é isso aí...Ela dirá isso dando aquela gargalhada...só não vai tirar mais galhofa por respeito à Mada...Aí, eu sou obrigado a dizer...
_Não, não é nada disso não Zulmira...eu sou homem de respeito...Quer ver minha carteira de trabalho. Se bem que não devo explicação à ela...mas que enche o meu saco enche...Até parece que ela tem experiência com homem que tem pouca validade...Até tenho vontade dizer isso a ela...qualquer dia em particular vou chamá-la para o sexo. Vou mesmo, para mim ela é muito mau amada.
Não, não tudo isso não vai dar certo. Pensou Pablo. O melhor a fazer é contar a verdade. Nunca se fica com o rabo preso quando se conta a verdade. Ser desmascarado é muito chato. Se bem que posso receber a visita de Pablo, amanhã em casa. Será um porre ter que olhar pelo olho mágico e ver a figura do Pablo me cobrando as duas onças. Se ele ainda for em casa na hora do almoço, corro o risco dele bater justamente na hora que a minha sogra estiver em casa. Aí então será uma catástrofe. Mas, tenho que deixar isso para depois...o negócio agora é arrumar uma desculpa para tanto sangue e nariz inchado.
_ Acho que quem me vê na rua acha que sou louco! Disse Matteo para si mesmo.
_ Andando sozinho e fazendo tanto gesto. Só pode ser maluco esse cara! Diz Matteo se referindo a si mesmo.
Se bem que amanhã pode ser o dia decisivo para mim. Estou correndo riscos de toda parte. O negócio vai ser acordar cedo e me mandar de casa e ainda vou ter que andar de boné e óculos escuro para não ser reconhecido. Já imaginou eu encontrar o Antonio da Prata na rua, o escândalo que ele vai fazer? Se eu estiver atravessando a rua...tenho a certeza que ele não terá piedade, vai jogar o carro em cima de mim. E o taxista que dei o calote...então...nem se fala...Mas Deus me livre da Madá ficar sabendo! Tô frito! Pensou Matteo colocando as mãos sobre a cabeça.
Fico pensando na cara de Madá se souber que roubei uma velhinha dentro da igreja para me encontrar com minha amante. Por falar nisso, aquele sacana da Verinha nem me deu mais notícias. Com certeza nesse momento deve estar em um boteco tomando todas, dando umas risadas com a sua turma...enquanto eu...estou aqui...todo fodido...arrebentado...com o nariz sangrando. Isso se não estiver trepando com algum gatuno por aí... deixe-a para mim!
_ Poxa vida, ainda falta um bocado para chegar em casa. Não vejo a hora de tomar um banho, trocar de roupa e cair na cama. Estou exausto hoje. Que dia cansativo.
Se bem que posso chegar em casa e dizer às duas que não estou a fim de conversa...assim, não serei interpelado e nem terei que dar explicações sobre o ocorrido. Vou direto para o banheiro...tomo um banho e vou para cama. Mas, também tenho que pensar na hipótese de Madá me seguir até o quarto me pedindo explicações.
_ Matteo, você tem que me contar o que aconteceu! Fala Madalena!
Aí posso tentar desconversar, dizendo:
_ Não...não foi nada não, apenas um simples acidente de trabalho. Nada que um bom sono não ajude a recuperar. Boa noite querida...a gente fala amanhã no café.
A vejo resignada voltando para a sala continuando a ver sua novela bem quietinha. Mas tenho que pensar na atuação pérfida de Zulmira...tenho a certeza de que ela estará lá e dira para Madá:
_ Acidente de trabalho...acidente de trabalho. Taí uma palavra que você não conhece a muito tempo...trabalho. Aposto que se ela te pedir um tostão para poder pagar a água amanhã...você dirá que não tem...nem míseros quarentão! Tenho certeza que você não terá...Dirá Zulmira colocando a mão sobre a cintura.
_ Saiba você. Direi a ela, olhando nos olhos. Que tenho uma grana pra receber...daqui a alguns dias...vai servir para pagar todas as contas que temos...pode ter certeza!
Se ao menos eu chegasse em casa e encontrasse somente Madá...já ia me aliviar um bocado. Já chega que vou ter que passar pelo porteiro. Aqueles porteiros tem uma língua que vou te falar. Já ouço aquela voz ridícula do Juvenal, que é o que deve estar lá agora:
_ Boa noite, senhor Matteo. Como vai? Ele me perguntará afoito.
Não vou nem poder olhar para o indivíduo. Imagine só ele falando para os condôminos.
_ Viu seu fulano, o senhor Matteo chegou com a cara toda sangrenta...o que será que aconteceu? No mínimo tomou um pau aí na rua...a boca pequena diz que ele é o maior vagabundo...não trabalha...e vive às custas de Dona Madalena, ela sim mulher trabalhadeira...esse daí é um traste, um cafetão... bon vivant. E a notícia se espalhará pelo prédio.
Quando Matteo chega no prédio. Diz boa noite ao porteiro cabisbaixo. Chama o elevador.
Espero que não encontre nenhum morador, pensa. Eu acho que vou subir pelo elevador de serviços. Se encontrar alguém, é funcionário, a situação não fica tão ruim...se bem que o meu nariz está super inchado e doendo pra caramba e se encontrar alguém no elevador, vou ter que permanecer com a cabeça baixa e lamentar um fato pitoresco ocorrido. Se for algum funcionário que não conheço com certeza pensará. Coitado desse cara, o que será que aconteceu? Darei azar se eu conhecê-lo e o mesmo perguntar...
_ Olá, senhor Matteo. Tudo bem? Mas que pancada em amigo! Deve estar doendo um bocado. Aí vou ter dizer:
_ Pois é rapaz, você não sabe o que me aconteceu. Terei que inventar alguma coisa na hora...é só criar um clima de silêncio para o argumento estupefato sair.
O celular dá sinal de mensagem. O elevador abre.
_ O que foi que aconteceu, senhor Matteo? Perguntou em voz alta Amadeu, funcionário antigo do prédio que trata da manutenção. Foi um acidente e tanto, aposto!
_ Pois é, foi um acidente e tanto...pode ter certeza! Respondi querendo ficar cabisbaixo.
_ Deixe-me dar uma olhada. Tem a Doutora Márcia que mora lá no terceiro andar, acho que ela pode dar uma olhada para você! Quer que eu a chame?
_ Não...não...não precisa se incomodar Amadeu...tudo vai ficar bem...é só eu chegar em casa e tomar um banho...Disse a ele, afastando-o.
_ Quer que eu lhe ajude a chegar em casa? Eu lhe acompanho até à sua porta. Disse Amadeu solícito.
_ Não, não...não se incomode, amigo, está tudo bem!
O celular de Matteo dá sinal de mensagem!
_ Logo aqui, esse celular vai dar sinal de mensagem? Falou em voz alta Matteo. Vamos ver quem é! Diz a Amadeu.
_ Ahaha!!! É a Dona Vera. Que legal...
_ Estou com saudades, beijos. Verinha.
Sádica. Perversa. Pensei comigo naquele instante. Se ao menos chegasse em casa e não encontrasse Zulmira.
Matteo saiu do elevador cabisbaixo e com a mão no rosto se dirigiu à porta do apartamento. Procurou a chave no bolso e não encontrou. Lembrou-se de que quando saiu de casa deixou Zulmira no apartamento esquecendo-se da chave. Apertou a campainha e virou o rosto para trás, caso Madalena ou Zulmira fosse abrir a porta...não percebesse o ferimento. Apertou novamente a campainha e ninguém atendeu a porta.
_ Porra, será que não tem ninguém em casa? Onde será que a Madalena se enfiou? Por que que eu tenho essa merda de celular, então. Essa mulher sai de casa e nem avisa a gente. Agora...eu vou ter ficar para fora...olha que situação. Acho que vou ter que descer à recepção e ficar escondido no jardim ao lado, até que alguém chegue. Já sei, pensou Matteo. Vou falar com o Juvenal para eu usar o banheiro da recepção, assim lavo o ferimento. Eu posso contar a ele uma mentira qualquer e pedir emprestado uma camiseta... até que a Madalena ou a Zulmira chegue.
Matteo desceu até à recepção pelo elevador de serviço. Quando a porta se abriu deu de cara com Juvenal.
_ Olá, Juvenal...vou usar o banheiro de vocês tá...eu preciso lavar esse nariz que está sangrando. Sabe como é né...acidentes acontecem...e será que você não tem uma camiseta para me emprestar...sabe o que é...eu saí de casa e esqueci de levar a chave, agora eu cheguei e a Madalena não estava, então enquanto isso vou ter que passar um tempo aqui com vocês da portaria, sabe como é né...a gente pode bater um papo...jogar conversa fora.
_ Ah! Sim, tudo bem! Seu Matteo, pode ficar à vontade. Eu tenho uma camisa alí...aponta para o armário...eu posso lhe emprestar...se bem que não é muito nova, mas dá para o gasto. Disse Juvenal.
Onde será que anda essa maldita Madalena! Já não chega a Vera que conseguiu atrasar o meu dia, ainda essa! Só faltava eu ter que passar a noite aqui, com os porteiros...eu juro que mato a Madalena a hora em que ela chegar...e mando aquela Zulmira se ela estiver junto para a casa do caramba. Por Deus do céu que eu faço isso.
_ Me conte rapaz...o que é que aconteceu com você? Perguntou Juvenal demonstrando curiosidade.
_ Parece até a história da carochinha, Juvenal. Que seu te contar você não vai acreditar...Eu estava andando na calçada da avenida principal do centro e não um amontoado de pedra, aí dei uma topada e levei um tombo caindo com o rosto no chão, por isso esse sangue todo. Respondi ao Juvenal de forma que até eu acreditasse naquilo.
_ Pois é rapaz...isso pode acontecer com todo mundo. Daqui a pouco o senhor já estará bom novamente...é só por um gelinho aí que melhora.... Disse Juvenal demonstrando sabedoria.
_ Claro...claro foi a primeira coisa que eu fiz. Respondi sem muito interesse.
_ Ah! Sabe quem esteve aqui hoje perguntando por você, senhor Matteo? Perguntou Juvenal!
_ Não tenho nem idéia...faz tempo que ninguém pergunta por mim por aqui! Respondi querendo me safar.
_ É aí que o senhor se engana. Só hoje vieram dois homens aqui lhe procurar. Tem dois recados ali na agenda dos porteiros. Um é referente ao seu Joaquim...ele esteve aqui na parte da manhã lhe procurando, mas diz que não havia ninguém em casa...deixou um número para você ligar...e o outro saiu daqui não faz muito tempo, foi o senhor Antonio do Ouro...será que é isso mesmo? Coçou a cabeça procurando se lembrar do nome.
_ Não, não Juvenal. É Antonio da Prata. Mas, o que é mesmo que ele queria? Perguntei de forma cínica.
_ Me parece que ele estava um pouco enfezado. Tava com uma cara de poucos amigos...diz que passa aqui mais tarde...ele me disse que teria um acerto de contas para fazer com o senhor. Disse Juvenal.
O problema é que o Juvenal conta até os detalhes. Cretino, isso deve chegar a todo mundo aqui no prédio. Se bem que o Prata deve estar mesmo muito furioso comigo. O negócio é eu viver fugindo dele. O ruim vai ser se ele me encontrar na rua...com certeza vou ter que sair no braço. Acho que essa noite vou ter que passar aqui mesmo, junto com o zelador. Vou ter que dormir no sofá da recepção. Coisa chata isso.
_ Porque esse indivíduo está dormindo no sofá da recepção, Juvenal? Deitado e fingindo estar dormindo, Matteo ouve o síndico interpelar o zelador.
Aquele cretino do Conca...o que ele acha que é...corrupto, ladrão...e ele acha que eu não sei dos esquemas dele...tenho até vontade de denunciá-lo. Aí quando chegar na próxima reunião do condomínio esse vai ser um dos assuntos da pauta: é proibido dormir no sofá da recepção. E aí eu vou ter que intervir e dizer que foi fruto da ocasião e perguntar:
_ Onde é que você queria que eu durmisse? No chão...só prá tua cara, né amigo! Aí no dia seguinte o bilhete bem explícito fará parte da decoração da sala da recepção:
_ É expressamente proibido dormir no sofá da recepção! Estampado em letra quarenta e oito do word e com com certeza só vai faltar o meu nome no recado que é para todo mundo ficar sabendo. Agora passo a ser conhecido como Matteozinho do sofá. Era só o que me faltava!
Matteo pega no sono e acorda com um tremendo safanão.
_ O dia já amanheceu senhor Matteo e não pode ficar aqui a manhã toda. Eu estou saindo por causa da troca e você não pode mais ficar aqui! Disse Juvenal.
_ Você sabe se a Madalena já chegou? Já são sete e meia da manhã! Perguntou Matteo.
_ Não...a Dona Madalena ainda não chegou, senhor Matteo. Respondeu friamente Juvenal.
_ Onde será que aquela desgraçada se enfiou. Mas, eu acho que vou ficar um pouco mais por aqui. Espero que a Madalena não demore muito. Disse Matteo de cabeça baixa e com a mão sobre o nariz.
A campainha do interfone toca.
_ Senhor, Matteo...Disse Juvenal. Aquele tal de Joaquim está querendo falar com você. E eu pedi para ele entrar.
_ Você disse que eu estava aqui? Você deveria ter perguntado seu idiota...e agora... o que é que eu vou dizer a ele? Você sabe o que ele quer de mim? Matteo disse em tom agressivo.
_ Mas...eu não sabia! Respondeu Juvenal.
_ Pois devia ter perguntado seu idiota. E agora, onde é que vou me esconder? Eu não posso falar com esse homem agora... tenho alguns problemas para resolver mais tarde, só depois vou poder falar com ele. Respondeu Matteo visivelmente nervoso e procurando um lugar para se esconder.
Eu acho que vou me esconder atrás do vaso da palmeira ali no canto. A palmeira é grande. Eu posso ficar ali agachadinho que eu tenho a certeza que esse maldito Joaquim não vai me ver. Maldito esse Juvenal, porque foi dizer a ele que eu estava em casa. Agora vai ficar aqui a manhã toda. Se bem que eu posso me esconder no banheiro dos zeladores, mas deixa pra lá...eu não tenho a chave mesmo! Não...não...acho que vou encará-lo e terminar com essa farsa rapidinho, assim ele vai embora e eu fico melhor. Não...não posso fazer isso, o melhor é eu me esconder. Se bem que é aí que eu fico numa pior mesmo. Todo mundo no prédio vai ficar sabendo que eu me escondi do cobrador. A língua do Juvenal não tem fim. Maldita língua.
Matteo ouve passos na recepção e se esconde atrás da palmeira. Se o Joaquim me ver aqui escondido...vou passar muita vergonha. Mas...e daí...não tem problema, não. Encolhe a perna e acompanha a passagem de ambos pela hall de entrada. Juvenal olha para Matteo. Este faz sinal com a mão apontando para o elevador. Eu acho que vou me retirar daqui.
_ Eu só espero encontrar esse cara em casa. Diz Joaquim à Juvenal.
Mas, vai em sacana. Vai é ficar sem receber. Pode me xingar, me ofender...não vou negar que devo não....mas só vou pagar quando tiver algum no bolso. Pode ter certeza. Mas, o lance agora é eu me esconder desse cara. Se eu me enfiar atrás do balcão da recepção talvez fique legal. Tenho a certeza que o Joaquim não vai bisbilhotar. Se bem que eu já imagino o olhar do Juvenal para mim. Mas, também posso ouvir de algum morador do prédio.
_ O que faz aí, senhor Matteo. É uma probabilidade que devo contar...já imagina se é justamente na hora em que o Joaquim está passando? O escândalo que vai ser? Não quero nem pensar. Eu quero é mesmo ficar aqui, escondido esperando o nosso amigo ir embora. Tenho que pensar que Madalena também pode aparecer. Como vou explicar que estou embaixo do balcão da recepção, com o nariz todo inchado e ainda por cima com uma camisa que não me pertence? É realmente, tenho que convir que a situação não é de todo ruim. Se ao menos esse maldito Joaquim fosse embora eu conseguiria me arrumar.
Matteo se escondeu atrás do balcão de recepção e o celular deu sinal de mensagem.
_ Meu amor. Tive que fazer uma viagem de trabalho. Retornarei em dois dias. A chave da casa está com minha mãe. Beijos. Te amo. Madá.
A notícia não podia ser pior. A mulher viaja. Fico sabendo depois. A chave está na casa da maldita Zulmira. Estou escondido do cobrador.
_ Mas...nem tudo está perdido. Fala Matteo em voz baixa colocando as mãos sobre a cabeça. O que eu quero mesmo é que esse cobrador vai-se embora.
_ O que é que está fazendo aqui, Senhor Matteo? Perguntou Juvenal nervoso. Eu já estou saindo. E o senhor não vai me complicar, não. Se o Conca passar por aqui e te pegar aí embaixo, com certeza eu estarei na rua. E a situação vai ficar preta! Eu acho melhor o senhor sair daí. Diz Juvenal apontando o indicador para Matteo.
_ Eu só estou esperando o Joaquim ir embora. Eu não posso falar com ele agora! Respondeu Matteo com voz baixa e gesticulando.
_ Eu não tenho nada a ver com seus problemas. Respondeu Juvenal.
_ É rapidinho, Juvenal...só até esse cara ir embora. Por favor. Diz Matteo, juntando as mãos.
_ Cubra essa pra mim, vai. Eu fico lhe devendo uma. Matteo diz à Juvenal.
_







































Eu nunca vou perdoar você!

Disse-me um rapaz que tinha visto uma vaca subindo ao terceiro andar. Tenho a certeza que estava em estado letárgico. A noite estava bela, regada a muito homem, bebida e fumo do bom. Não tenho a menor convicção de que tudo era apenas e tão somente uma questão verdadeira. Eu estava sentada na poltrona amarela só observando o movimento da festa, quando fui abordada por um rapaz de aparência duvidosa, rosto coberto de espinhas e nariz adunco. Apesar do belo terno o achei sem caráter. Coisas da intuição feminina. Só não me recordo o seu nome. O som estava um pouco alto e o barulho do gelo no copo de whisky me incomodava tanto que me lembro vagamente de ter dito a ele para sair dali. O rapaz permaneceu insistente. Punha a perna direita sobre o braço da cadeira tentando me tocar de alguma forma. Senti tanta raiva do cara que peguei o copo de whisky e o joguei em seu rosto.
_ Sua filha da puta! Piranha! Disse-me com muita raiva.
Eu disse a ele para usar a imaginação, pois aqueles adjetivos eram muito triviais e estão sempre disponíveis a qualquer hora do dia ou da noite.
Ele me juntou pelos cabelos e jogou ao solo. Acordei horas depois em um quarto escuro, ainda estava um pouco zonza, mas ouvindo gemidos obscenos. Fiquei com vontade de participar do coito, mas me contive. Fingi estar dormindo. O ranger da cama me dava raiva e prazer ao mesmo tempo. Conseguia ouvir o som que vinha de fora. Pensei em me levantar e ir embora dali, mas não podia ser inconveniente. A música me contagiava de tal forma que muito lentamente tentei sentar-me na cama. Só fiquei com medo da respiração. Pensei na hora – eles não podem me perceber. Na verdade eu queria mesmo era me entregar aos dois, mas não tive coragem. O cheiro do sexo resplandecia no ar. Voltei a deitar-me. A volúpia com que os corpos ao lado se movimentavam me comoveu. Peguei-me enxugando as lágrimas mas pensei na hora que não tinha vocação para voyeur. Meu negócio mesmo é a prática do ato libidinal. Tentei resolver a questão. Vou me levantar, acender a luz e acabar com essa sacanagem. Ah! Ah! Ah! Pensei na hora – bem que alguém poderia fazer isso por mim! Entrar no quarto por engano e acender a luz, assim eu não ficaria em uma situação constrangedora. Quando ouvi um grito mais forte, pensei...foi o gozo esplêndido e final. Oba! Esta foda está acabando, logo vou poder sair e voltar para a festa. Ledo engano. Havia uma vitalidade descomunal entre ambos. A mulher logo gritou pedindo bis e os corpos se movimentavam novamente. Já deve estar tarde da noite! Estava com vontade de beijar na boca do primeiro homem que cruzasse o meu caminho. O telefone celular tocou. Os corpos pararam o movimento de forma brusca. Parece-me que alguém íntimo ligou. O rapaz com a voz assustada, disse:
_ Já estou indo embora.
Levantaram-se rapidamente, se vestiram e saíram sem acender a luz do quarto. Era o fim da minha agonia. Levantei-me, estava com o vestido todo amassado. Isso me aborreceu de forma estonteante. Fui até o banheiro e o espelho era meu cúmplice. Os meus cabelos estavam desarrumados. Me senti uma verdadeira bruxa. A minha boca estava pálida. E uma marca de hematoma no braço direito, denunciava a violência. Passei um batom, penteei os cabelos e voltei para festa. Na porta que dava acesso a cozinha, um casal trocava carícias efervescentes. Me dirigi até a sala e cheguei junto ao barzinho. Peguei o copo, duas pedras de gelo e whisky. Pensei – isso vai me esquentar um pouco, talvez crie coragem para fazer as coisas que tenho vontade. Dois homens conversavam no sofá enquanto comiam e bebiam. Davam altas gargalhadas. Com certeza coisas fúteis, sem sentido. Piadas sem graça. Fazer o quê, né...só homem mesmo para gostar dessas coisas idiotas. Se bem que o que me agrada neles mesmo é outra coisa. Sentei-me no braço da poltrona e perguntei se podia participar da conversa. Um deles mais afoito, disse-me:
_ O papo não é muito feminino, mas tudo bem!
_Não existe papo masculino ou feminino! Não é mesmo? Eu respondi.
O outro rapaz me respondeu:
_ Você não tem estereótipo de feminista!
_ Se é o que lhe parece, ótimo. Só toma cuidado com aparências! Eu lhe disse.
O som do jazz ao fundo me deprimia, o whisky me deu sono, mas permaneci sentada no sofá e flertando com o rapaz louro que estava em pé junto à porta, isso sem deixar de dar atenção aos dois rapazes. A conversa deles estava me dando náusea. Nada mais deprimente do que ouvir conversa sobre carro. O tipo de roda. Aí...um dizia...meu som é importado! Tem alto falante possante...e eu querendo morrer, ali...que cara babaca! O rapaz louro veio em direção a mim. Balancei a cabeça, virei as costas e parti em direção ao banheiro. Quando saí, dei cara com ele. Senti um tesão enorme. Dei lhe um beijo de língua bem rápido e saí apressada em direção à cozinha. O rapaz ficou louco, me seguiu até a cozinha. Me pegou pelo braço e eu lhe disse:
_ Fora daqui, cara! Não está vendo que eu não quero!
_ Porque fez aquilo, então? Ele me respondeu.
_ Por que eu quis. E sabe que eu vejo em você somente um objeto. Nada mais do que um objeto! Disse a ele sorrindo.
_ O que você quis dizer com isso? Ele me perguntou.
_ É só você pensar um pouquinho...Então, pense, pense...
Estava com uma vontade louca de dançar, então, peguei as suas mãos e comecei a passar sobre o meu corpo. Só não posso beijar esse cara de novo, senão eu mesmo não vou agüentar, refleti na hora. Suas mãos deslizavam tão macias sobre o meu corpo que fiquei ligeiramente excitada. Quando a música acabou não sabia se sorria ou se chorava, mas o fato é que também já estava farta desse rapaz. O empurrei com as duas mãos e disse:
_ Preciso ficar um pouco só! Por favor, me respeite.
_ Vamos ficar mais um pouquinho, dar uns beijos! Disse-me o rapaz com cara de tarado.
_ Não! Eu preciso sentar e pensar um pouco!
Sentei-me na poltrona amarela e comecei a pensar que aos vinte e cinco estava na hora de casar e constituir família. A grande discussão que aparecia para mim relacionada ao casamento se resumia na seguinte pergunta:
_ O que é o casamento hoje?
Isso me deixava imensamente decepcionada. Eu penso que quero um homem na vida para duas coisas: dividir o orçamento e socializar a vagina. São duas qualidades que pretendo apreciar em um homem.
O dia já amanhecia. O sol apresentava a sua tez e eu ainda estava sentada na poltrona amarela com o copo de whisky na mão. É claro que a essa altura, o whisky estava que era pura água e eu já não bebia mais! Uma leve dor de cabeça se fez presente, mas nada que um bom café não resolvesse. O apartamento parecia estar vazio. É...parecia...foi quando Antonio apareceu enrolado em uma toalha branca, segurando uma garrafa térmica laranja e uma caneca, dizendo:
_ Aceita um cafezinho aí, Graziela!
_ Pô...você aqui...e eu que pensei que você não viesse à festa hoje. Disse a ele em tom de surpresa.
_ Você acha que eu iria dispensar a sua presença? Disse-me com ar de conquistador.
_ Sem essa de cantada barata. Sabe que somos apenas amigos! Disse a ele de forma ríspida.
_ Como vai a sua esposa? Perguntei a ele só para lhe deixar enraivecido.
_ Mas, antes de você me responder, quero tomar um pouco desse café. Você pode pegar uma xícara para mim, fazendo-me um favor?
_ Off course!!! Querida! Disse-me em tom de ironia. Levantou-se foi até a cozinha. Quando voltou já estava de roupa. Agradeci aos céus por isso. Embora eu pense que somos apenas amigos, não consigo resisti-lo.
_ Pegue a sua xícara! Disse-me.
_ O que você tinha me perguntado mesmo? Era sobre a minha mulher? Não é não? Perguntou-me com ar de impaciência.
_ Sim! Isso mesmo. Eu lhe respondi secamente.
_ Não podemos falar de outro assunto? Esse é muito chato! Vamos falar de nós dois! O que você pretende fazer hoje à noite? A gente pode sair, jantarmos juntos e depois...bem depois...a gente faz outra coisa qualquer!
Esse cara sempre foi pretensioso. Embora eu o ache sexy, não gosto o jeito com que fala comigo. Sempre parece-me arrogante, galanteador. Prefiro o gênero mais simples, comedido, discreto. Aquela camisa cor de abóbora...me ofusca a vista. O sol refletia em sua camisa e o brilho aumentava aos poucos a minha dor de cabeça. Pensei em sair dali, juntar as minhas coisas e ir embora.
_ Nem pensar em sair contigo. Não estou nem um pouco a fim! Disse a ele com convicção.
_ Tenho carro do ano! Antonio me respondeu.
_ E qual é a importância disso! Lhe respondi.
Não sei porque, mas detesto isso. Coisas de poder que enfeitiça a todos. Puro fetiche. Isso para mim soava como conquista de fim de noite. E eu não me considero qualquer coisa.
_ Não acredito que você me disse isso, Antonio! Esperava mais de você! Lhe juro! Eu lhe disse.
_ Sabe o que é...ultimamente só ando me preocupando com dinheiro. Minhas leituras se resumem às coisas técnicas e também o ambiente onde vivo. Muita ganância. Tudo isso acaba influenciando. Não vejo em você apenas uma amiga. Uma pessoa para conversar e falar sobre a vida. A vejo como mulher, amante, lhe digo isso com toda a sinceridade.
_ Não há a menor chance disso acontecer! Em primeiro lugar, você é casado e também porque não temos a menor afinidade. Eu gosto de prosa e você de poesia. Eu prefiro cabernet e você sauvignon. O jazz me fascina, enquanto você curte blues. Veja só isso, não há a menor condição de compartilharmos a existência. Entendeu!
_ Ah!! Minha cara Graziela!! Até parece que você não me entende. Casado eu já sou. O que eu quero é relacionamento fugaz. Sem importância. Só sexo! Fui claro.
_ Minha fase de objeto já se foi. Quero ser protagonista da relação. Lhe disse.
Enquanto conversávamos, um ar bucólico tomou conta do ambiente. As horas se passavam, o sol irradiava lá fora. O perfume de Antonio me dava enjôo. Um cheiro adocicado, esquisito. Não sei se foi efeito do whisky. Eu sei que na hora tive vontade de vomitar sobre o carpet. Me segurei. O cabelo despenteado de Antonio me dava tédio. Não agüentava mais olhar para a aquela figura. Apesar de tudo isso, não tinha vontade de ir embora. Levantei-me da poltrona e me estiquei no carpet, peguei o copo de café, dei dois goles e o deixei de lado.
_ Estou com fome. Me disse Antonio massageando a barriga.
_ Estou com duas vontades nesse momento da minha vida. Quero fazer pós-graduação e também arrumar casamento. Quero fazer tudo isso antes de virar balzaquiana. Depois dos trinta não se arruma marido, só problemas.
Antonio se dirigiu à cozinha. Abriu a geladeira, pegou dois ovos e me perguntou:
_ Você quer ovos mexidos?
_ Não. Prefiro ovo mole! É uma delícia.
Talvez quisesse o ovo como os seus miolos cerebrais. Acho que a mente masculina é tão simples como uma gema de ovo. E que só serve para gerar colesterol nos corações femininos. Tenho a certeza de que não ouviu uma palavra que eu disse. Só por se tratar de temas sérios para meu universo. Tenho comigo de que cada um tem o amor que merece.
_ Não...não, nada disso, é melhor a gente ir comer em outro lugar. Vamos descer e procurar algo! Disse-lhe.
_ Está bem, vamos então. Só me deixe trocar de roupa.
Descemos a rua do Ouvidor até o cruzamento com a Paulista. Resolvemos comer algo na padaria do Colombo. Sentamos na primeira mesa com vista à rua. Eu estava me sentindo cansada. Afinal de contas a noite não tinha sido nada fácil e ainda me encontrava sem dormir e com uma leve dor de cabeça. Precisava tomar um banho urgente, mas naquele momento eu queria mesmo era conversar. Eu e Antonio pedimos uma média com biscoitos e suco de laranja. Não havia motivo para pequenas desavenças. Mas a sua camisa cor de abóbora estava me enchendo o saco.
_ Sabe quem encontrei ontem que há muito tempo não via? Me perguntou Antonio.
_ Quem? Respondi demonstrando estar interessada.
_ O Álvaro. Lembra dele. Aquele cara que na escola apanhava de todo mundo! Ele era um sujeito engraçado e me parecia sem caráter. Pois é, me disse que está casado com outra amiga nossa, a Letícia. Aquela moça que sempre estava nervosa e brigava com todo mundo. Tinha um jeito de antipática. E se lembra como ela se vestia mal. Todo mundo tirava o sarro dela!
_ Não brinca! Jura que ele se casou com aquela figura! Coitado, deve estar comendo o pão que o diabo amassou. Se bem que...se bem que ele também merece. Sujeito fraco, pusilânime e sem personalidade. Me lembro que uma vez o professor pediu para ele se posicionar se era a favor ou contra. Não me recordo exatamente o que era...e você sabe o que ele respondeu? Disse que nessas questões sempre subia no muro...Pode uma coisa dessas? E ela com aquele jeito sargento de ser deve é estar dando até porrada no coitado! Ela até que tem um pouco mais de personalidade que ele, mas não tem condições de assumir grandes papéis na vida. Vai sempre ficar à sombra de alguém...Posso te contar vários casos, pois fui amiga dela por um tempo...mas não vou me ater sobre esse assunto.
Não saí com o Antonio para fazer reminiscências e nem falar da vida alheia. A lembrança do passado me dava a sensação de ser melancólica. E tudo que eu não queria naquele momento era recordar, mesmo que fossem as coisas boas. Eu queria era pensar no futuro. Eu precisava redesenhar a minha vida. Pensar novas perspectivas. Embora estivesse conversando com Antonio, não dava a mínima para o que ele estava falando. Às vezes até perguntava sobre o quê ele estava dissertando. Eu estava naquele momento, concentrada em meus problemas. Nunca fui fumante, mas naquela hora, depois de tomar um gole de café, me deu uma vontade súbita de fumar. Pedi ao garçom que me trouxesse um cigarro. Não queria o maço todo. Eu queria apenas um cigarro. Ele me trouxe, o acendi e dei uma baforada no rosto de Antonio para descontrair o ambiente. Foi quando ele me veio com outra cantada barata.
_ Você tem um sorriso lindo! Ele me disse de forma séria. E ainda tentou pegar a minha mão.
Tive a sensação de que eu iria beijá-lo, mas recuei. Não era o momento. Era inoportuno. Beijar um cara casado. Me coloquei no lugar da outra. Logo pensei, longe dos olhos, longe do coração. Mas não tive coragem. Observava as pessoas com as suas roupas coloridas. Cada uma com um gosto. Umas camisas horríveis e os sapatos então...nem se fala. Comecei a flertar com o rapaz da mesa ao lado. Ele tinha aliança no dedo. Mas era tão bonito que não conseguia resistir. De longe ele me ofertou uma bebida...mas como estava com Antonio resolvi não aceitar. Logo depois, o garçom me trouxe um bilhete do rapaz dizendo queria me encontrar em meia hora lá no estacionamento. Prontamente balancei a cabeça fazendo o sinal de que não era possível. Resolvi escrever um verso para ele e me lembrei de uma música que dizia mais ou menos o seguinte: "o pôr do sol, vai renovar, brilhar de novo o seu sorriso". Foi o que me veio à cabeça naquele momento. É claro que eu não podia escrever o bilhete enquanto Antonio estivesse ali, sentado, senão ia ficar uma situação muito chata. Então eu o esperei ir até o banheiro para escreve-lo e como sei que é muito vaidoso e iria demorar um pouco resolvi aproveitar a oportunidade. Coisas do universo feminino. Como não havia nenhum relacionamento afetivo entre nós, não senti aquele peso na consciência. Ouvi vagamente a voz de Antonio.
_ Você me disse que quer fazer pós-graduação! Em que área! Perguntou-me demonstrando interesse
Na verdade eu nem sabia o que responder. Eu estava interessada era no flerte com o rapaz bonito da mesa ao lado. Seu sorriso era encantador. Tive vontade de levantar da mesa e lhe dar um beijo de língua bem gostoso. Eu queria mesmo era provoca-lo. Deixa-lo louco. Pena que o momento não era propício. Me deu vontade de tomar uma água bem gelada, estava muito calor e o olhar do rapaz me deixava ainda mais acalourada. Sentia um negócio que vinha de dentro, uma sensação tão prazeirosa e esquisita que não conseguia mais disfarçar o flerte. Tanto assim, que Antonio me perguntou para quem eu estava olhando, uma vez que vivia torcendo o pescoço. No mínimo deve ter pensado. Pó...como essa Graziela é sacana. Está aqui comigo e fica flertando com outro cara. Tudo isso faz parte do universo inexplicável da mulher. As mulheres que agem assim, são mais ousadas, tem iniciativa. Pode ter certeza que se dão melhor na vida, por não ter medo de se arriscar, de descobri o novo. Antes de me livrar de Antonio, estou pensando como vai ser chegar em casa e encontrar a nova mulher de meu pai. Não a tolero. Além de ter um monte de filhos, já vai para o terceiro casamento. Pó... se vai para o terceiro casamento é sinal de que a coisa não pode ser muito boa. Além disso, ainda tem que conviver com aquelas pessoas estranhas e com seus hábitos mais esquisitos. Com certeza vou chegar em casa, meu pai vai estar lá com aquela mulher e todos os seus filhos sentados à mesa. Agora, imagina o que é agüentar cada um falar sobre a sua vida e os seus problemas. Decorar o problema de cada um. As relações amorosas, as atividades profissionais, as ambições particulares. O que é pior, agüentar o gosto de cada um. Isso me incomoda tanto, ainda mais para quem foi sempre a filha única. Eu, particularmente acho que o meu pai não anda regulando muito bem da cabeça. Se bem que um dia ainda poderei passar por uma situação como essa. Mas, vou evitar o máximo.
_ Acho que preciso tomar um café bem forte com creme, Antonio! Lhe disse, olhando nos olhos. Chame o garçom para mim! É mais chique o homem pedir.
O rapaz me olhava de forma voraz. A essa altura queria me comer com os olhos. Eu só conseguia pensar que ele queria gastar os seus gametas comigo. Mesmo sem conhece-lo pessoalmente, acho que daria o meu óvulo para ele fecundar. Nunca usei métodos de anticoncepção e não seria com esse rapaz que usaria. Talvez hoje esteja no meu dia fértil, mas será que devo ligar para isso? Bom, eu poderia aceitar sair com ele e lhe fazer somente sexo oral, tenho a certeza de que o deixarei muito mais louco comigo...e a fecundação sairia uma outra hora. Isso criaria nele uma perspectiva de uma foda anunciada que a qualquer dia e hora poderia acontecer desde que combinássemos anteriormente. Será que eu também ficaria pensando nesse dia da foda anunciada?
_ Antonio está na hora de irmos embora. Você pede a conta, por favor?
_ Conversamos tão pouco...me disse torcendo a boca. Você está tão pensativa.
_ Coisas minhas, não se preocupe. Lhe disse sem preocupação.
Quando o garçom chegou dividimos a conta, Antonio pegou a chave do carro e saiu pela avenida demonstrando pressa. Na hora em que me levantei da mesa para sair o rapaz apenas me fez um sinal de beijo com a mão. Achei aquilo tão ridículo que nem dei importância, virei as costas para ele e fui em direção ao centro da cidade. A minha cabeça ainda doía, mas pensei que pudesse dar uma volta pelo centro da cidade. Hoje estou a fim de consumir. Aquelas pulseiras de loja de um nove nove são bonitas. Não tenho freio para gastos. Os meus cartões de crédito sempre estão no limite. Estou quase sempre endividada. Receio que eu precise mesmo é de uma reeducação financeira. Não quero ser flaneur e perambular entre as lojas da cidade. Fico fascinada quando entre uma loja e outra acontece um flerte. São só dois sorrisos entre muitos...isso me encanta. Ando interessada em homens mais velhos. Ser complacente com a traição deve ser apenas uma das vantagens da idade avançada...talvez por isso eu ando os preferindo. Se bem que não tenho predileção financeira quando o assunto é homem. Desde que seja bonito, vale a pena prevaricar.
Quando cheguei em casa alegria do meu pai me aborreceu. A filha mais velha da mulher do meu pai estava sentada junto à mesa saboreando uma vitela e contando seus casos amorosos, como se todos estivessem a fim de ouvi-la e o pior é que seus olhos brilhavam. Tenho a certeza de que ela achava tudo aquilo muito belo. Pobre coitada! Eu a achei promíscua. Não fiz nenhuma observação, apenas meu pai a olhava atentamente.
_ Como foi a noite, filha? Me parece ter sido boa, maquiagem borrada, vestido amassado! Perguntou meu pai de forma indiscreta.
_ Isso é pergunta que se faça na mesa. Ainda mais com pessoas quase estranhas almoçando? Tem vaga para mim aí?
_ Mas é claro que tem. Respondeu Leopoldina.
_ Sente-se aqui ao meu lado. Vamos conversar um pouco!
Disse-me Leopoldina com aquele ar de pessoa bondosa e sem caráter. O que eu queria naquele momento era apenas cama. Aquela voz me soava tão falsa. Aquelas crianças ridículas sentadas à mesa me incomodavam tanto, que achei melhor ir almoçar na sala em quase silêncio. Uma das crianças me vendo sentada perguntou-me:
_ Por que você não vai almoçar lá na mesa junto com todos os outros?
Tive vontade de dar uma resposta definitiva, sem meios termos, direta. Mas, como se trata de uma criança contive-me na minha ira. Leopoldina ficou irritada comigo, pois tempo depois veio perguntar-me se eu tinha alguma coisa contra ela, mas que mesmo assim queria ser minha amiga. E eu lhe disse que jamais seríamos amigas enquanto tivesse se relacionando com meu pai. Lhe disse ainda que meu pai havia ficado viúvo a pouco tempo e não teve tempo o suficiente para arrumar uma pessoa legal.
_ Essas crianças são desconhecidas para o meu pai! Você não acha? Perguntei-lhe visivelmente irritada.
_ E você não acha que eu tenho o direito de ser feliz? Ela me respondeu.
_ A vida já lhe deu duas oportunidades, já não acha o suficiente? Eu lhe disse.
_ Quantas vezes você quer ser feliz na vida? Ela me retrucou colocando a mão na cintura.
Tudo bem que nos dias de hoje, está difícil sustentar uma relação duradoura. Me parece que agora, nesses tempos tudo tem que ser em dobro, é casamento, é profissão...Mas se acostumar com isso é que é difícil... Ainda bem que não sou casada...Aquelas crianças fuçam em tudo dentro de casa. Meu aparelho de som já está quebrado de tanto elas mexerem. A cada almoço um prato se vai. Que saudades das coleções da mamãe. O retrato de mamãe que estava na sala, agora está amontoado no quarto da empregada. Os álbuns de fotos de quando éramos felizes estão encaixotados, cheios de aranha e poeira. Da família o que me resta são as prosas a serem colocadas em frases e versos. Sou dominada pela ansiedade, vivo roendo as unhas e pensando as coisas no mais íntimo silêncio. É muito difícil respeitar os meus limites. Se estou com algum problema, o mesmo se torna muito perceptível. É aí que me sinto cada vez mais vulnerável. Fui convidada para ir a um churrasco com a turma. É a comemoração do aniversário da amiga Ana. Essa sim, verdadeira amiga. Cúmplice das horas difíceis....pena que o Arnaldo estará lá, não gostaria de revê-lo depois daquele episódio. Eu o acho um sujeito sem caráter, fraco. Penso que esse tipo de homem não serve para mim. Mas, como é aniversário de Ana tenho a obrigação de ir. Mas, acho que antes, vou tomar um banho e dormir um pouco afinal de contas estava muito cansada.
Acordei com o celular tocando. Ainda atordoada vejo o painel do telefone com o número do Arnaldo. Não tive vontade nenhuma de atendê-lo. Deixei tocá-lo até cair a ligação e resolvi desligar o telefone. Após isso, não consegui mais dormir, rolo na cama de um lado a outro sem saber o que pensar e nem o que fazer. Fui até o banheiro, lavei o rosto e observei algumas rugas em meu rosto. Nem me preocupei. Dei um leve olhar para a minha bunda, percebi que havia murchado. Ando despreocupada de vaidade. Afinal de contas, mulher é mulher em qualquer hora, ou seja, consigo o homem que quero na hora em que bem entendo, se bem que a dificuldade é em manter o relacionamento estável, aí é outra história.
Ouço alguém bater na porta do meu quarto. Saio do banheiro correndo para atender e dou de cara com minha irmã Clarice. Estava em prantos.
_ Preciso de alguém para conversar! Você poder me ouvir. Me disse colocando as mãos sobre o rosto e se jogando sobre a cama.
_ O que foi, algum problema com o Martinez? Lhe perguntei.
_ Claro que sim, né... o que você imaginou que seria? Clarice pega o lenço que está em seu bolso e enxuga o rosto.
_ Então, vamos lá, me conte o que aconteceu? Me parecia que vocês estavam tão bem?
_ Pois é...lembra daquele cara o qual eu lhe disse na semana passada que havia me dado uma cantada?
_ Sei...não vai me dizer que você saiu com ele e o Martinez descobriu?
_ Foi isso mesmo!
_ Então, me conte como foi que seu marido descobriu.
_ O celular estava em cima da mesa quando deu o sinal de mensagem. O Martinez estava sentado, pegou o celular e a leu.
_ E o que estava escrito?
_ Que ele queria se encontrar comigo lá no estacionamento do prédio dele e que já estava com saudades!
_ E vocês chegaram a sair juntos? Claro, a gente foi jantar semana passada e aí, pintou um clima e a gente se beijou. Foi tão bom que não resisti. Acabei indo para a cama com ele.
_ Como você foi fazer uma coisa dessas? Bom...eu acho que consigo te entender...Eu esperava tudo, menos isso de você Clarice.
_ Não...é claro que o Martinez só desconfia, não tem certeza de nada. Agora...com certeza vai policiar o meu celular...vai andar atrás de mim...vasculhar as minhas coisas...Essas coisas...
_ Que situação, heim...irmã! Respondeu Graziela.
_ Você precisa ver a reação dele...ele ficou muito puto da vida...me xingou um monte. Quase me bateu. Agora não sei o que faço.
_ Eu acho melhor você contornar a situação...deixar esse cara de lado e tocar a vida normalmente! A não ser que você tenha gostado do cara, aí a situação muda de figura, você não acha?
_ Pois é...o problema é que eu acho que estou apaixonada! Me disse Clarice olhando para o teto.
_ E esse cara é casado? Tem filhos? Tem casa própria, é bom de bolso? Lhe perguntei.
_ Sim...o cara tem grana, mas não vale porra nenhuma...Só que gostei de ir para a cama com ele...e pretendo ir mais vezes...Disse Clarice empolgada.
_ Então...aguente o Martinez, ou diga a ele que você não o quer mais!
_ Aí é que está o problema...eu não quero me desfazer do Martinez, ele é um cara importante para mim! Ele é a minha vida, apenas quero transar com esse cara! Falou Clarice apreensiva.
_ Seu marido não vai aceitar isso nunca...pode ter certeza. Que homem ficaria contigo, sabendo que você sai com outro...isso nunca...esqueça.
_ Eu tenho um plano para me encontrar com esse cara de novo. Se você topar, eu posso ludibriar o Martinez!
_ Me diga qual é o plano. Sou toda ouvidos! Respondeu Graziela curiosa.
_ Eu comprei um celular novo. Vou me comunicar com ele por esse telefone. Só que eu não o carregarei comigo... ele ficará com você, entendeu? Aí sempre que ele me ligar você me dá o recado. Ele também tem o meu endereço novo de e-mail. Eu acho que posso acessar aqui do seu quarto, não posso? Acho que só assim vou conseguir falar tranquila com ele. Falou Clarice demonstrando estar apreensiva.
_ Eu não aprovo o que você está fazendo, mas, como você é a minha irmã, vou ajudá-la. Só que, se seu marido descobrir, não me venha colocar em situação difícil. Respondi à Clarice.
É claro que não posso dizer muitas coisas a ela. Afinal de contas eu acho que não tenho muita moral para falar de assuntos como este. O meu telhado também é de vidro, por isso evitei maiores comentários sobre o fato. Apenas vou ver se consigo ajudá-la no que for preciso.
_ Então amanhã eu passo aqui para deixar o celular contigo, está bom? Me perguntou Clarice, afoita.
Na verdade eu nem entendi direito às suas palavras, eu acho que estava em um outro mundo. Eu não sei não, mas tenho visões com a Leopoldina. E como eu não a engulo, fico regorgitando-a o tempo todo. Isso me faz muito mal. Eu acho que vou fumar um cigarro. Quando cheguei à cozinha encontrei Clarice chorando e fumando sem parar.
É melhor eu não falar nada, porque também não quero compartilhar o sofrimento alheio. Embora seja irmã, a minha postura tem que ser a mais racional possível. Não posso tentar influenciar as suas decisões. É cada um com seus problemas. Talvez se disser algo, não irei ajudá-la e sim atrapalhar ainda mais. Se o casamento dela não está dando certo, junta-se os trapos e cada um segue o seu rumo. Hoje em dia não se carrega a culpa de mais nada. É todo mundo querendo ser feliz o tempo todo. Talvez seja a capacidade de não olhar o todo à sua volta. Vale apenas olhar para o próprio umbigo e o mundo que se exploda. Quando acordei o relógio apontava cinco horas da tarde. Lembrei-me do churrasco com a turma do movimento que aconteceria às oito horas da noite. O churrasco era importante, pois ali seria traçado um plano para a conquista do poder e a derrubada de Araquem Merida. Quando cheguei à chácara de Antunes a turma já estava toda reunida. Tinha muita cerveja e vinho tinto. O vinho era daqueles é daqueles bem barato, com forte gosto de açúcar, por isso resolvi não encara-lo. Um dos mais afoitos era Luiz Alberto, também um dos mais fanáticos pela causa. Já havia até participado de barricada quando do protesto contra a globalização. Diziam que até já havia sido preso. Isso fazia com que eu sentisse por ele um devido respeito. Não o temia, apenas o respeitava. Quando Luiz Alberto começava a falar, todos o escutavam. Com um copo de cerveja na mão Luiz pediu logo que ficássemos a seu redor e em silêncio. Um quadro negro pendurado sobre o teto do quiosque apresentava o palácio de Araquem Merida com todos os detalhes. Inclusive da parte interna. Nem todo mundo do movimento estava interessado na causa e na luta armada que estava sendo proposta. Apenas eu e mais sete integrantes participavam das explicações de Luiz Alberto e olha que havia pelo menos uns quinze integrantes no churrasco. Quando Luiz começou a falar e apontar as entradas do palácio, me distrai com o olhar e vi Augusto e Renato se beijando embaixo da acácia. O importante mesmo era a luta contra o sistema de corrupção armado por Araquem Merida. As armas para a luta contra o exército estavam postas na casa da chácara. Tinha metralhadoras, rifles, espingardas, revolveres de todos os tipos de calibre e muita munição. Eu fiz um leve treinamento para manuseio de armas de pequeno calibre. Não saberia usar uma metralhadora, por exemplo. Senti medo na hora. Nessa altura, Luiz Alberto explicava como seria a nossa entrada no palácio e o papel de cada um na emboscada. A pergunta que eu fazia era como é que apenas quinze pessoas podem conseguir tomar o palácio do presidente contra todo um exército. Arnaldo chegou até mim pelas costas, não percebi a sua presença. Apenas um leve sussurro em meu ouvido. Me arrepiei toda, pois me lembrei dos nossos beijos dias atrás lá no bar do Caverna. Ele me disse:
_ Não quer dar uma volta pela chácara. Podemos nos aconchegar embaixo de uma árvore!
Apesar de ter ficado toda excitada lhe disse que não poderia ir. Que o importante para mim eram as explicações de Luiz Alberto. Fez cara de emburrado, mas permaneceu a meu lado tomando uma cerveja atrás da outra. De repente o Américo se levanta apontando para Luiz Alberto e diz:
_ Não dá para tomar o poder à força com apenas quinze homens. Temos que fazer um trabalho político em primeiro lugar. Temos que chamar os sindicatos, reunir os outros movimentos sociais, fazer processos de articulação e definir ações conjuntas. Temos que organizar greves e motins, assim conseguiremos desestabilizar o governo, tornando-o frágil. A luta armada é o último recurso, para definir a parada!
Para meu espanto eu mesma levanto a mão concordando com as palavras de Américo. Os outros seis que participavam da explanação de Luiz Alberto também se manifestaram a favor de Américo. Luiz Alberto ficou tão furioso que arrancou o quadro a força, o arremessou longe, saiu sem dar maiores satisfações e foi se sentar embaixo de uma das acácias. Chegaram à chácara algumas moças, todas elas muito bem vestidas e cheirando a perfume da moda. Uma delas eu reconheci era a namorada de Américo, a Nádia. Outro dia eles estavam juntos lá no bar do Caverna apreciando um vinho. Todos os homens se levantaram para ver a chegada das meninas. Eu fiquei assustada, porque não era prevista a chegada de pessoas que não pertencessem ao movimento. Até onde eu sabia eu era a única do sexo feminino a participar do movimento e também das reuniões. O movimento sempre teve uma característica de ser fechado. O que era discutido internamente não se comentava com ninguém. Agora, se as meninas tinham vindo se descaracterizava a natureza política do churrasco. Isso me grilou um pouco. Chamei Américo ao lado e perguntei o que estava ocorrendo. Ele me disse que o próprio Luiz Alberto chamou as meninas para participar. Ficamos sem entender muita coisa. Apenas nos recolhemos e fomos conversar a sós na beira do rio e ficamos de fazer as articulações com outros integrantes, uma vez que Luiz Alberto embora fosse uma pessoa importante para o movimento, trata-se de um radical o que inviabiliza todas as manifestações políticas contra o governo. Embora eu e Américo fôssemos apenas amigos e conversávamos sobre política, Nádia não gostou nem um pouco de nos ver juntos.
_ O que fazem os dois aqui na beira do rio? Perguntou-nos desconfiada!
_ Estamos conversando sobre o movimento! Disse Américo.
_ Mas aqui, nessa penumbra? Respondeu irritada.
_ Preciso conversar com os outros integrantes Graziela! Nádia fique aqui com Graziela e depois nós nos falamos!
Américo subiu em direção ao quiosque para articular com os outros membros do movimento e eu fiquei sentada junto á beira do rio dialogando com Nádia. Tudo é pura alienação e Nádia começou a me perguntar sobre Américo, da onde nos conhecíamos, se já tínhamos ficado juntos, quando, onde. Esse papo foi me enchendo, mas percebi que o rosto de Nádia era muito angelical. Naquele momento o achei bonito. E me interessei mais sobre ela. Perguntei onde morava, o que fazia, o telefone e ficamos conversando um pouco mais. Com um jeito bem feminino, pedi a ela que me deixasse mexer em seus cabelos enquanto massageava o seu rosto, foi onde me senti atraída por ela. Como já estava escurecendo resolvemos voltar para o quiosque. Idéia legal uma vez que já estava morrendo de fome. Quando chegamos ao quiosque Américo já estava conversando com Luis Alberto. Mesmo o Luis não concordando plenamente com a proposta de Américo em relação ao tipo de atuação política, os dois se acertaram e após essa conversa reuniram todos os membros do movimento dentro da casa da chácara e ficou acertado que cada membro iria procurar uma liderança política, presidente de sindicato, presidente ou diretores de ONGs, presidentes de Associações etc, com o intuito de fazermos uma grande paralisação no dia sete de setembro. Coube à mim, conversar com o presidente do sindicato dos motoristas. Pensei em realizar essa atividade logo pela manhã, uma vez que teria aula na parte da tarde. Estava uma noite muito quente, os mosquitos já começavam a atacar quando resolvi começar tomar cerveja. Percebi que o Arnaldo estava se esfregando com uma garota morena encostado junto à arvore. De repente todo mundo sumiu, desapareceram pela chácara, acho que os gametas e os óvulos foram se encontrar. Naquela altura, já havia bebido algumas latas de cervejas, pois estava deitada no chão do quiosque, contemplando as estrelas e em processo de fermentação e os olhos quase fechando. Só ouvia o Américo dizendo que o primeiro passo é a articulação política. Acordei o dia já havia amanhecido. Dormi no chão do quiosque, estava com o corpo todo dolorido e com um dor de cabeça horrível. O Américo estava ainda sentado conversando com Nádia e com um copo de cerveja na mão.
_ E aí Graziela, será que está de ressaca? Perguntou-me Nádia, com um sorriso lindo.
_ Não...é apenas a sua imaginação...Lhe respondi sentindo um leve ciúme.
_ Está na hora de ir embora, tenho que articular a paralisação com o presidente do sindicato dos motoristas.
Saí apressada da chácara. Peguei carona até o centro da cidade com uma das meninas fúteis que estavam no churrasco. Não estava me sentindo muito bem. Uma forte dor de cabeça tinha me acometido. Quando cheguei ao sindicato dos motoristas, um rapaz me atendeu prontamente perguntando o que eu desejava. Eu lhe disse:
_ Gostaria de conversar com o Sr. Alfredo, será que ele pode me atender? Eu sou membro do movimento e preciso muito falar com ele.
_ Ele está em uma reunião, talvez demore um pouco! Me respondeu o rapaz com aparência de irritado.
_ Tudo bem, eu espero. Desde que não dure a manhã toda! Eu posso esperar!
Percebi que a reunião havia acabado quando um bando de homens saiu da sala ao lado. Caras e bocas rechearam o ambiente de pessimismo.
_ Pode entrar senhora! Me disse o rapaz de forma muito educada.
Quando entrei na sala aquela figura gorda do Alfredo me assustou. Com um charuto na mão esquerda foi logo fazendo gestos e me perguntando:
_ Me diga o que vocês do movimento querem!
_ Nós estamos articulando uma paralisação para o dia sete de setembro. Uma paralisação geral. É para começarmos articular a queda de Arequem Merida. Lhe disse bastante entusiasmada.
_ Fiquei sabendo que vocês querem derrubar o governo à força. Isso é loucura!
_ Sim, o Américo conseguiu convencer Luis Alberto disso. É por isso que eu estou aqui, tentando negociar um acordo contigo, uma vez que você é liderança. Lhe disse.
_ E como é que vocês estão pensando em fazer isso? Qual é o plano? Respondeu Alfredo.
_ O plano é chamar todos os tipos de instituições políticas para ação conjunta, junto ao Palácio do Governo!
_ Eu acho melhor fazermos isso em conta gotas! Retrucou Alfredo.
_ Mas, como? Lhe perguntei curiosa.
_ Cada instituição reclama em um dia diferente! Isso desestabilizará o governo! São os vários segmentos da sociedade protestando. Assim o governo verá que existe a possibilidade de todos agirem unidos. Com certeza o medo será maior.
_ Tenho que levar essa proposta a Luis Alberto e ao Américo! Lhe disse um pouco assustada.
_ De qualquer forma você nos apóia na luta a favor da queda de Araquem?
_ Sim. Pode contar conosco. Só acho que cada instituição atuando num determinado momento é melhor porque mostrará a Araquem a força de cada segmento da sociedade!
_ Voltaremos a conversar, então. Até breve.
Quando sai do sindicato desci a rua do ouvidor até o cruzamento com a paulista. Estava um dia muito quente. Foi quando encontrei Arnaldo encostado em um poste fumando um cigarro. Ele estava tão lindo, vestindo uma camisa cinza.
_ E aí moça, como foi lá no sindicato? Conseguiu alguma coisa com o Alfredo? Perguntou-me curioso.
_ Mas é claro que sim! Ele topa nos apoiar. Mas, quer uma ação diferente. Ele quer que cada instituição faça a sua manifestação para depois de agirmos no sentido coletivo. Só que essa proposta tem que ser discutida no movimento. Lhe respondi.
_ Hoje a noite vai haver um comício na Faculdade, o Luiz terá a oportunidade de falar, você vai? Lhe perguntei esperando um sonoro não.
_ Como não tenho prova hoje, talvez eu irei! Me respondeu Arnaldo
_ Você não quer ir comigo agora à casa do Américo? Preciso resolver esse problema!
_ Não. Não posso ir agora! Agora tenho que ir conversar com um amigo, o Geraldo. Ele está presidindo uma organização não-governamental. Preciso articular com ele essa nossa proposta!
Quando cheguei à casa de Américo ele estava conversando com Luiz. Na sala da casa tinha uma quantidade enorme de panfletos dizendo: Fora Araquem! Era o material para ser espalhado aquela noite no comício da Faculdade. A princípio não queria atrapalhar a conversa de ambos. Mas o assunto era tão urgente que interrompi e fui logo contando aos dois a conteúdo da conversa com Alfredo. Acontece que a decisão não podia ser tomada naquele momento, pois os outros membros do movimento não tinham vindo ainda com a resposta das articulações. Talvez cada caso fosse um caso diferente e atitudes diferentes deveriam ser tomadas e sempre na busca de um possível consenso.
_ Não acho que conseguiremos chegar a um consenso. Cada cabeça a sua sentença. Temos que definir logo uma linha de ação. Para mim tem que ser a mais dura possível. Sentenciou Luiz Alberto.
_ Não podemos ter pressa na tomada de decisão. Vamos esperar a conversa com todos, reunimos os integrantes do movimento. Tiramos em votação a linha a ser seguida. Tudo bem? Disse Américo.
Fiquei pensando em como o Américo pode ser tão frio, num momento delicado como esse. O uso da razão por parte dele é impressionante.
_ Eu concordo com Américo, temos que esperar todos chegarem para podermos tomar uma decisão certa!
_ Só há transformação com revolução! Sentenciou Luiz Alberto.
_ O velho barbudo já dizia! Sentenciou Luiz colocando a mão no queixo.
_ Vai haver piquete, hoje lá na Faculdade? Perguntei a Luiz Alberto!
_ Da minha parte tem que haver quebradeira. Tem que haver conflito entre manifestantes e policiais. Isso sim é conflito! Tem que haver conflito de classes nessa porra! Gritou Luiz!
_ Luiz! O tempo é de globalização. A luta de classes já foi meu caro! Não existe mais! O que existe é fusão de classes. Para nós termos sucesso na política, temos que ter uma bandeira em comum e qual é a bandeira que Araquem nos dá? a corrupção, entendeu! Depois que a gente conseguir derrubar esse governo, aí a gente vê como vai agir! Disse Américo.
Da forma como Luiz olhou para Américo achei que fosse haver luta corporal. Mas nada como uma cerveja gelada para esfriar os ânimos. Estava na hora de pensarmos os preparativos para o comício da noite. Tínhamos que fazer a articulação com o pessoal dos Diretórios Acadêmicos. Liguei para o Celso e o Adamastor marcando uma reunião para as três da tarde. O Celso estava preocupado, mas eufórico, é que o pessoal do curso de jornalismo estava dividido. Numa das reuniões que houve no diretório dois alunos quase foram às vias de fato. A pergunta que eu fazia naquele momento era de como é que alguém ainda pode confiar em um governo com tantos escândalos de corrupção. O Adamastor estava tranqüilo, me disse que tinha realizado uma reunião com os alunos do curso de ciências sociais e todos estavam prontos a vir para o comício e ajudar no fora Pablo.
_ Então preciso ir embora. Eu tenho aula hoje à tarde. Não posso faltar! Eu disse para Luiz Alberto e Américo.
Ia atravessando a rua do comendador quando ouvi alguém me chamando. Olho para trás e vejo o sorriso mais lindo do mundo. O sorriso de Nádia.
_ Onde você vai, Graziela? Perguntou-me.
_ Nesse momento sou um flaneur! Lhe respondi com um enorme sorriso no rosto.
_ Então vamos almoçar juntas! Estou curiosa para saber as novidades.
Embora tivesse grande atração por Nadia. Não me acostumava com o seu jeito de ser. Ela é muito feminina. Falava de homem o tempo todo. O celular não parava de tocar. Arrumava o cabelo constantemente. Isso me entendiava. Sentia prazer só com o seu sorriso e a sua voz. Tentei algumas vezes falar sobre os seus estudos. Levantei o assunto de Araquem Merida. Não obtive sucesso, a conversa girava em torno de roupas, sapatos, celulares, passeios em shoppings e homens bonitos. Ela pediu bife com batatas para comer. Eu achei melhor optar por saladas. Não estava muito a fim de comer qualquer tipo de carne. Ela pediu coca-cola para tomar e eu pedi suco de laranja sem açúcar.
_ Tão magra assim e fazendo dieta? Perguntou-me Nádia.
_ Não...não. Isso é por opção! Exclamei sem pestanejar.
A televisão no restaurante denunciava a prisão de mais um ministro do governo de Araquem. As investigações do Ministério Público levaram à constatação de mais um desvio de milhões das contas públicas.
_ Você viu que vergonha! Mais um ministro foi preso! Eu murmurei
_ Meu bem...eu odeio política! É só roubo e mentira. Não agüento mais isso...por isso acho tão comum tudo isso que está acontecendo...que nem ligo...na faculdade só estamos interessados em aprender uma profissão e nada mais...nos chamam para participar de piquetes, manifestações, mas ninguém vai...isso não dá futuro para ninguém. O que é que eu ganho com isso? E pôs-se a rir de forma contumaz.
Nossos olhares se cruzaram na mesa. Tremi de cima a baixo. Tive uma vontade súbita de agarra-la e lhe dar um beijo. Disse a ela que havia algo em seu cabelo somente para tocá-la.
_ Quando é que você vai jantar em casa? Perguntei à Nadia balançando a cabeça.
_ É só você me convidar! Vou logo lhe avisando que meu prato predileto é pato com laranja acompanhado de vinho do porto! Disse Nadia com um sorriso no rosto.
Precisava sair naquele momento do restaurante. Não podia me esquecer da aula na faculdade. O celular tocou. Era Américo dizendo para eu ir correndo à casa de Luiz Alberto, tínhamos uma reunião importante a fazer. Pedi a conta ao garçom, peguei na mão direita de Nádia e com um sorriso me despedi.
_ Tenho que ir correndo à casa de Luiz. Temos uma reunião importante, agora! Posso te ligar?
_ É claro. Combinamos o jantar qualquer dia desses! Disse-me para meu espanto.
_ Você vai ver o Américo? Perguntou-me desconfiada.
_ Eu acho que ele vai estar lá. Afinal a reunião é importante!
_ Se você o vir, diga que estou lhe mandando um beijo! Respondeu de forma carinhosa.
Quando cheguei à casa de Luis nove membros do movimento estavam sentados ao redor da mesa da cozinha. Parecia mais uma conferência masculina. Senti-me uma estranha ali, afinal de contas eu era a única mulher. Parecia que todos me olhavam como o prato principal. Mas como conhecia todos, isso não me perturbou no momento. Reginaldo, um negro alto, forte e muito interessante por sinal estava com os pés sobre a mesa devorando um pedaço de pão, mastigava e falava com a boca cheia. Impressionante. A presença de Luiz Alberto e Américo fez com que todos os outros membros ficassem em silêncio.
_ Vamos começar essa reunião pela única mulher do movimento! Como foi a conversa com Alfredo, Jéssica?
Senti que todos me olharam com ar de desconfiança. Arnaldo aquele safado piscou para mim, me deixando toda molhada. Quase perdi a fala. Mas, para eu não perder a compostura fui bem taxativa.
_ O Alfredo fez uma contraproposta para nós. Ao invés de fazermos uma ação conjunta com todas as classes sociais seria melhor fazermos uma ação paulatina, ou seja, cada manifestasse em um determinado momento e depois escolheríamos uma data para a ação conjunta. Segundo ele, isso dará uma dimensão maior ao fora Araquem! De qualquer forma quero lhes informar que temos o apoio do sindicato no movimento. O que está sendo discutido é somente a forma da ação!
Para meu espanto, Arnaldo levantou-se da cadeira e pediu a palavra.
_ Eu estive conversando com um amigo, o Geraldo que é presidente de uma Organização Não Governamental ele fez a mesma proposta. Talvez possamos articular dessa forma o protesto contra Araquem.
_ Pessoal estamos um ambiente democrático. Peço a vocês que se manifestem e exponham as suas opiniões!
Um silêncio súbito tomou conta do ambiente.
_ Não creio que vocês não tenham opinião. Isso é coisa dessa sociedade pseudo globalizada! Formar pessoas sem opinião. Exclamou Luiz Alberto dando um soco sobre a mesa.
Américo pediu para Luiz se acalmar.
_ Então, já que ninguém se manifesta. Vamos colocar em votação duas propostas. Quem acha que a ação tem que ser paulatina, por favor levante a mão!
Foram sete votos para a ação paulatina e cinco para a ação conjunta.
_ Vamos então fazer o agendamento das manifestações. Vamos retomar o contato com essas classes e elaborar um calendário de ação. Lembrando que temos que estar presentes em todas as manifestações. Entendido? Disse Américo.
_ Agora, vamos nos preparar para hoje a noite. Ao término do comício, temos que elaborar uma carta conjunta com todos os membros que participar e amanhã divulga-la no jornal do comércio. Essa carta será um repúdio ao esquema de corrupção montado por esse governo! Disse Américo apontado o indicador para cada um dos membros.
No comício, quando o deputado Ambrosino começou a dissertar sobre os esquemas de corrupção montados por Araquem, ressaltou a importância da democracia para a vida do país. O mais impressionante era o comentário traçado por algumas pessoas que estavam ao meu lado, criticando o processo democrático por que passa o país. Gente simples, sem muito estudo e que tem na vida apenas as lições de cotidiano recheadas pelo senso comum. Essas pessoas acham que a democracia permite tudo até mesmo roubar dinheiro público em causa própria. Não me ative muito a esses detalhes, apenas fiquei um pouco apreensiva quando aconteceu uma chuva de papel picado e todo mundo começou a gritar, fora Araquem! Tentei me esconder no meio da multidão. Tinha gente pendurada em árvore. As marquises das lojas viraram arquibancadas. Pessoas assoviando o tempo todo. Gente enrolada em bandeira. Tinha até criança assoprando língua de sogra. Casais se beijando. Apenas não vi mais o Arnaldo, com certeza estava com a tal garota em algum canto se fazendo gozar. Também não vi o rosto angelical de Nádia. Senti uma tristeza, um vazio. Não queria procurar os outros membros do movimento. Eles não iriam me acrescentar nada naquele momento. O Reginaldo é que estava mais perto com uma garrafa de refrigerante na mão. Pensei em chegar até ele e pedir um gole, mas desisti no meio do caminho. Não estava muito para conversa. Eu só não via a hora do Luiz subir ao palco e proferir o seu discurso. Esses marxistas me matam. Estou me sentindo muito cansada. Preciso ir para a casa e descansar um pouco. Acho que vou esperar o Luiz discursar e daí então vou me retirar. Procurei algum lugar para sentar, como não encontrei procurei um lugar mais afastado onde não tinha muita gente e fiquei sentada, segurando as pernas abraçadas, só espiando o movimento. Me tornei alvo fácil, todo mundo podia me ver. Doda se aproximou e disse meio ressabiado.
_ Posso lhe fazer companhia? Perguntou-me.
_ Mas é claro! Sente-se. Lhe disse com ar de quem demonstrava cansaço.
_ Esse comício está um sucesso não é mesmo? Perguntou-me Doda com um leve sorriso no rosto.
_ É claro que está. Tem muita gente, não é mesmo? Disse surpresa.
_ Os nossos cartazes estão em todas as partes. O pessoal da imprensa estava entrevistando Luiz e o Américo, com certeza amanhã no jornal do comércio sai uma matéria interessante. Me disse esfregando as mãos de felicidade.
_ Será que muita gente sabe o que está fazendo aqui, nesse comício? Lhe perguntei com ar de curiosidade.
_ Com certeza a maioria é pura alienação. Vem no embalo das festas, das passeatas. Tem gente que só vem para paquerar, pode ter certeza.
_ Viva a massa amorfa e seguidora. Eu lhe disse já com os olhos quase fechando de tanto sono.
_ Hoje o dia foi muito cansativo. Mas, conseguimos transformar esse comício em marco contra os esquemas de corrupção. Disse-lhe estupefata.
_ Ainda haverá passeatas pela cidade. Todas elas sairão daqui, mas com trajetos diferentes e vão todas desembocar no palácio de Pablo. Ainda vai longe. O carro de som já está preparado.
_ É como eu pensava, mesmo. Tudo acaba em música e folia. Ô sisteminha danado esse! Lhe disse com ar de provocação.
Ouvimos a voz de Luiz no microfone. Nos levantamos rapidamente.
_ O Luiz com certeza vai rasgar o verbo nessa porra. Você quer aposta! Disse Doda eufórico.
Luiz começou o discurso:
A vingança não apagará a dor que sentimos por ver o nosso país saqueado por uma meia dúzia de pessoas corruptas. Não podemos fazer desse sistema apenas apologia de consumo e fodelança. O que vale não é a alienação, mas o engajamento político. A democracia nos dá somente a liberdade. Não podemos esquecer que as palavras o vento carrega. Só se mede a política quando se estabelece o conflito. A corrupção faz com que o conflito se estabeleça. Por isso, façamos desse conflito o crescimento político para nós e para o nosso país. Fora Araquem!
O Luiz com o microfone em mãos andava de um lado para outro do palco gritando e levantando as mãos. Fora Araquem, fora Araquem...e a multidão acompanhando em uníssono.
_ Esse cara é um louco. Me falou Doda olhando atentamente para o palco.
_ Cada um com a sua loucura. Lhe disse esfregando o rosto para ver se apaziguava um pouco o cansaço e o sono.
O carro do som chamava a todos para o início da passeata. Resolvi sair à francesa. Não queria que ninguém do movimento me visse. Sequer me despedi de Doda. Depois eu ligo para Luiz Alberto e Américo para saber os detalhes.
Fiquei com medo de ir para a casa sozinha. A madrugada já se anunciava. A quietude das ruas me gelava o coração. Ao sinal do menor barulho procurava me esconder atrás de alguma árvore. Um sujeito fumando na esquina me parecia suspeito. Talvez fosse apenas um psicopata pensando na solidão da vida. Mas também podia estar pensando em seus problemas. Resolvi passar do outro lado da rua. Eu estava descendo a rua principal. Na hora me lembrei das estatísticas de violência. Pensei que algum tarado ou ladrão fosse me abordar. Se fosse tarado tudo bem, só arriaria a calcinha e ele que fizesse o serviço. Me preocupei apenas se fosse um ladrão. Iria querer levar aquilo que não tenho. Isso era o que mais preocupava. Detesto violência. Só vale a violência na cama. Mas, tudo bem. Um cachorro cruzou o meu caminho e me olhou meio desconfiado. Eu ressabiada...resolvi pegar o celular. O cachorro se assustou e se afastou o mais rápido possível. Não sei porque pensei em Arnaldo. Talvez a presença do cachorro tivesse sugerido isso. A diferença entre ambos talvez esteja somente na quantidade de patas. Já passava da uma quando cheguei em casa. Para minha surpresa, a luz da sala estava acesa. Aquilo quase nunca acontecia. Somente quando eu chegava tarde em casa e a mamãe ficava me esperando é que essa luz permanecia acesa. Ela sempre me esperava com alguma coisa para comer, geralmente um café, biscoito e pão. Não me perguntava muito dos meus casos. Apenas interessava se eu estava ou não bem. Isso me dava uma grande segurança na vida. Agora vem papai arrumar essa mulherzinha sacana. Tenho a certeza de que só quer a grana dele. Quando bati na porta para entrar percebi através do vidro que Leopoldina estava sentada na poltrona que mamãe havia comprado para papai. Aquilo me deu mais raiva dela ainda. Ela se levantou e abriu a porta bem devagar, demonstrando que àquela hora da madrugada não estava com nenhum pingo de sono.
_ Que bom que você chegou. Perguntou-me olhando nos olhos e colocando as mãos sobre os meus ombros.
_ Porque? Respondi-lhe jogando o meu corpo para o lado para me desvencilhar.
_ Estou com insônia. Estava lendo esse livro. Aponta para mim o romance de Sartre "A idade da razão".
_ E o Mathieu já conseguiu o dinheiro do aborto?
_ Que legal! Me respondeu com um sorriso no rosto.
_ Você pelo jeito já leu o livro. Mas eu ainda não acabei, estou apenas na página quarenta. Recolhendo o livro sobre o peito.
_ O que você acha da literatura de Sartre? Perguntou-me demonstrando interesse.
_ Leopoldina! Não é por nada não! Eu estou muito cansada. Outra hora conversaremos sobre existencialismo. Pode ser? Lhe disse bocejando e colocando mão na boca.
_ O meu pai está dormindo? Perguntei-lhe de forma abrupta.
_ O que é que você acha? Respondeu-me virando as costas e jogando o livro sobre o sofá.
_ Não vamos ficar amigas nunca! Perguntou-me com cara de aborrecida.
_ Estou com muito sono para lhe responder sobre isso. Virei as costas já abaixando as calças.
_ Boa noite! E entrei no quarto.
Quando deitei ouvi a porta do quarto abrir. Com certeza era papai. Só senti a mão leve e fina sobre o meu rosto.
_ Senti a sua falta hoje. Quase não parou em casa! Disse-me acariciando o rosto.
Quando o dia amanheceu ouvi a voz aguda de Leopoldina. Aquilo me deu um enjôo boçal. Cobri a cabeça com o travesseiro, mas a voz me perturbava tanto que perdi rapidamente a paciência.
_ Quer falar mais baixo! Eu estou com sono! Lhe disse com autoridade.
_ Me desculpe querida! Respondeu Leopoldina com ar de falsidade.
Fechei a porta com tanta volúpia que papai se manifestou.
_ Ei...Graziela...pare com isso. Tenha mais educação!
_ Eu não agüento mais essa mulher. Tenho ojeriza dela. Olha a bagunça que está essa casa...ela não cuida nem das coisas que pertencem a ela, quanto mais da nossa casa.
_ Lembre-se que nós temos governanta, querida. Disse o pai com um sorriso debochado.
_ Isso não significa nada. Não diminui o papel dela. Além do mais essas crianças...olhe só esse aqui - Aponta para o filho mais novo.
_ Faz peripécias o dia todo...não deixa nada no lugar...os meus livros sempre estão fora de ordem..se ainda os lessem...estava bom!
_ Tenha paciência, Jéssica! - Disse o pai abrindo os braços.
_ Tenho a esperança de que um dia vocês serão grandes amigas. Você vai ver...
Virou-se Leopoldina encarando Jéssica com um olhar soturno. Leopoldina era formada em Letras. Estudou na melhor universidade do país no final dos anos oitenta quando a sida já havia alcançado alta publicidade entre as classes sociais. Freqüentava as festinhas regadas a rockonha. Bebia até altas horas nas rodas de intelectuais juvenis e discutiam o sexo dos anjos. Tinha a fama de boca de veludo entre os rapazes. O sonho era fazer doutorado em algum país da Europa.
_ Quer tomar café comigo? Jéssica! – O sorriso estampou-se em seu rosto. Podemos conversar um pouco...a gente pode falar de rapazes, por exemplo. O que você acha? Olhando fixamente os olhos de Jéssica.
_ Não creio que poderemos chegar a algum consenso sobre esse assunto. Por falar nisso, a mesa do café já está arrumada? Eu prefiro as xícaras brancas, elas dão mais luminosidade à mesa. Eu acho que o café fica mais reluzente. Sinto um ar de limpeza. Você já pensou nisso? Apontando o indicador para a mesa. Além do mais as suas crianças já tomaram café? É...porque se eles forem se sentar à mesa agora junto conosco eu nem me sento! Gosto de paz na hora das refeições.
_ Eu prefiro uma mesa com muitas cores, por isso prefiro realçar as frutas e junta-las ao jogo colorido. Assim, cria-se um ambiente alegre, descontraído. Sempre pronto ao sorriso. Disse mexendo a garrafa de café. – Eu não sei porque mas, você anda com uma aparência muito sisuda nestes últimos dias, apesar de eu ainda não conhece-la direito, acho que posso dizer-lhe.
_ Isso é engano seu...é só aparência. No fundo, eu sou muito alegre. Pegou o maço de cigarro que estava sobre a bancada do armário e acendeu sem se preocupar com os males da fumaça. Leopoldina e Amadeu tossiram por alguns segundos sem parar.
_ Isso faz muito mal. Você não pode ir fumar lá fora? Disse ainda com a mão sobre a boca e com os olhos vermelhos.
_ Essa fumaça é cancerígena, vai fazer mal para todos aqui! Falou demonstrando estar irritada.
_ Eu estou em casa de meu pai! E além do mais eu me acostumei a fumar um cigarrinho antes das refeições. Disse em tom de ironia. Jéssica tinha começado a fumar a pouco tempo hábito que adquiriu com outras moças e também por se achar constantemente stressada.
_ Eu não sou contra você fumar, apenas lhe peço para ir fumar lá fora. Onde a fumaça não afugenta a todos. Disse com um ar de preocupação.
_ Vai ou não se sentar para comer? Eu estou morrendo de fome! Derramou o café sobre a mesa sujando a toalha e tornando o ambiente ainda mais ríspido. Disse Jéssica olhando para a cadeira.
_ Acho que esse croissant está bem gostoso! Não acha? Abrindo o pão e observando o queijo e o resto de presunto num fundo interminável de massa.
_ Isso aqui tem mais farinha e água do que recheio. Está lembrando o pastel de vento do armazém do Armando.
_ Espero que vocês se acertem. Disse Amadeu com firmeza. Pegou a mala que estava posta sobre a mesa da sala de jantar e saiu rapidamente.
_ Você sabe se a Clarice ligou para mim, hoje. Perguntei à Leopoldina.
_ Não...ninguém ligou para você ontem. A sua irmã simplesmente passou por aqui e deixou aquela caixa. Falou Leopoldina apreensiva apontando o indicador para cima do armário onde estava posta a caixa.
_ Ah! Sim...já sei o que é. Levantei, peguei a caixa e fui para o quarto.
É o celular que Clarice ficou de me entregar. Até que o modelo é bonitinho, pena que o serviço vai ser sujo. Só tenho que perguntar à Clarice se esse é o único cara que vai ligar nesse número, afinal de contas, não posso fazer nenhuma presepada, né. Tenho que esconder esse aparelho de Leopoldina e as crianças, se não, não vai dar certo. Se Leopoldina descobrir com certeza vai contar ao papai que por sua vez vai contar a Martines, daí a merda feita. E eu com certeza vou ainda ficar como vilã da história. Não...não vou deixá-lo escondido. Não...vou carregá-lo em minhas coisas...vou colocá-lo na bolsa para que ninguém mexa.
Ouço alguém subir as escadas. Pelo passo rápido deve ser papai. Batem na porta.
_ Quem é? Perguntei já guardando o celular.
_ Sou eu, Clarice. Respondeu uma voz eufórica.
_ Ainda bem que você chegou. Eu acabei de pegar a caixa com o celular que você deixou com a Leopoldina. Sabe que até o modelo é bonitinho. Disse à Clarice animada.
_ O nome do cara é Zé...tá legal. Quando esse telefone tocar, chame-o apenas de Zé... só isso. Ele ficou de me ligar hoje. Depois eu passo daqui para saber o local do encontro. Disse Clarice com rapidez. Se tiver que me perguntar alguma coisa, por favor, faça logo que eu estou com pressa.
_ É só o Zé que vai ligar nesse número ou alguém mais sabe? Perguntei à Clarice, segurando o telefone.
_ É só ele né Jéssica ou você acha que eu ando saindo com a torcida do Flamengo? Me respondeu dando um sorriso e colocando as mãos sobre a cintura.
_ Então tá bom! Assim que ele der alguma notícia eu lhe aviso.
O celular toca, pelo número é Arnaldo.
_ Fala meu querido. Diga que você está com saudades da sua amada e é por isso que você está ligando.
_ Você sabe que não é bem assim. Amor eu tenho por todas...né querida. O meu amor não tem exclusividade. Basta apenas abrir as pernas para que o meu apareça cada vez mais forte. Mas, querida estou te ligando para ver se você vai aparecer à reunião lá na casa do Luis, hoje à noite. Eu fiquei de fazer o contato com os membros e confirmar as presenças
_ Pô...Arnaldo. Custa ser um pouco mais delicado. Eu falei brincando com você e recebo uma resposta grossa dessa! Eu hemm...Coma quem você quiser cara, goze na cara de quem deixar, mas, não me trate desta forma, tá legal? E antes que eu desligue, diga ao Luis que talvez eu apareça lá hoje e se eu não for, será apenas para não ver a sua cara de idiota.
_ Risos do outro lado da linha. Esqueça isso minha querida...sabe que você tem um lugar guardado em meu coração, tá legal.
_ Tchau seu besta...Eu disse, desligando o telefone.
O telefone de Clarisse toca.
_ Oi...Zé...quem fala é Jéssica. Eu sou irmã da Clarice e acho que ela deve ter falado para você de mim. E que você pode me deixar o recado que eu transmito a ela.
_ Pois é...ela me disse sim. É por causa do marido, né...Ela me contou que ele é muito ciumento, mas que eles estão passando por uma crise no relacionamento muito sério, mas, tudo bem. Diga a ela que eu vou estar às dezoito lá na anfiteatro da universidade. Diga ela para não se atrasar porque não tenho muito tempo. Disse Zé demonstrando compreensão.
_ Então...está bem. Eu ligo para ela avisando do encontro no anfiteatro.




































Tubaína, mortadela e um jogo na Fonte Luminosa

  O ano, ele não se recorda de maneira exata, mas tem a certeza de que aquela partida de futebol entre a Ferroviária de Araraquara e Palmeir...