Wednesday, 19 March 2025

O Narciso, o portão e a maria mole


 

A molecada chegava cedo para a prática da educação física e se aglomerava no portão do Narciso da Silva Cesar que fica na rua quatorze, entre as avenidas Cristovão Colombo e Bandeirantes. O portão da escola velho e enferrujado que era unido por uma corrente cor laranja por causa da corrosão servia de gol enquanto o professor não chegava.

Em frente ao portão, tinha o boteco do Pedro cheio de cachaça na estante, uma gôndola de doces caseiros e de chicletes “Ploc” que fazia a alegria dos moleques. Pedro era um sujeito gordo, bonachão e austero, com cara de bravo e que sempre se negava a vender fiado para a molecada. O máximo que fazia era dar um copo d’água da torneira. A limpeza do copo era duvidosa, a água apresentava um aspecto turvo e às vezes, esverdeado, mas na ânsia de matar a sede, qualquer coisa estava certa. De vez em quando, os moleques entoavam o coro: “ei, Pedro, vtnc” para “homenageá-lo” e os gritos só paravam quando o portão se mexia, o professor havia chegado.

O professor era o Seu Carlos, ele usava barba longa e era calvo. Era um sujeito legal, com seu jeito calmo e fala mansa, conquistava a molecada. Ele ensinava com maestria, era detalhista nos movimentos dos esportes: um toque no vôlei, um arremesso no basquete, um chute a gol, tudo era meticulosamente ensinado e explicado, sua didática era fantástica, valia demais a sua aula.

A molecada gostava mesmo era de jogar futebol. O vôlei, o basquete e o handebol eram deixados de lado, portanto, jogar futebol era fundamental na educação física. Seu Carlos ficava em apuros, dizia que o futebol não precisava ser explicado e insistia nos treinos de vôlei, o que parecia ser seu esporte preferido. A molecada ficava brava, mas ninguém se indispunha com o professor, ele era gente boa demais.

Quando a educação física acabava, a molecada corria para o bar da Santa Izildinha que ficava na esquina da rua treze e meio para comer maria mole e tomar tubaína, muitos iam na sorveteria do Cidão que ficava do outro lado da esquina, tomar aquele sorvete de origem estranha, mas que era tão bom quanto a um Kibon e custava bem menos.

Nenhum dos moleques tinha dinheiro, tudo era resolvido na conversa, as vezes na porrada mesmo, vire e mexe uma briguinha básica para sair da rotina, mas a alegria era contagiante e no dia seguinte, tudo estava bem e dentro dos conformes.