O
domingo começou com meu pai e eu pegando o ônibus para ir ao centro da cidade,
geralmente os domingos começavam indo à missa do Padre Armando Salgado na
Igreja do São Geraldo aonde eu ia religiosamente, algumas vezes para rezar,
outras para comer as geleias de laranja que o Padre escondia em um pote atrás
da Sacristia.
Aquele domingo seria diferente, nada de Igreja, pois a Ferroviária, o time de futebol da cidade iria jogar contra o Corinthians, tudo bem que meu pai e eu sempre fomos palmeirenses, mas não sei por que, meu pai resolveu me levar para ver a chegada do time no Hotel Eldorado. O Hotel Eldorado era o grande hotel da cidade, chique por natureza, muitos diziam que era o único capaz de receber as celebridades da época.
Os jogadores do Corinthians daquela época eram celebridades: Sócrates, Zenon, Casagrande e companhia limitada eram astros do futebol e os meninos sabiam quem era quem, pois eles apareciam nos chicletes do futebol cards – o futebol cards era um chiclete grande e fino, de tutti-frutti adocicado, tinha um gosto ácido e fazia a alegria da criançada, ele vinha acompanhado com um cartão com a foto do jogador, nome e ficha completa, onde nasceu, times que jogou e muitas informações, era o sinônimo de felicidade da época para um menino do interior que gostava de futebol.
Pegamos o troleibus bem cedinho e descemos em frente à Praça Matriz de São Bento, o troleibus era um ônibus confortável, mas acima de tudo, lento e ainda tinha a parada na Avenida São Geraldo quase esquina com a Rua dos Libaneses que demorava uma eternidade, pois o motorista dava um pulinho no bar que ficava na esquina, isso causava uma irritação imanente e a impaciência de uma criança nunca deve ser desafiada, tal a chatice que toma conta do ser.
Quando
descemos do ônibus na Praça da Igreja Matriz começaram as lembranças mais corintianas
da infância, me recordo do Biro-Biro, então camisa cinco do time mosqueteiro
encostado com o pé na parede na esquina da Avenida São Paulo com a rua São
Bento, ele fumava um cigarro e me parecia estar esperando alguém, tal seu
comportamento ansioso, olhando para baixo com uma das mãos na cintura.
Em
frente ao Hotel Eldorado havia uma dezena de torcedores e curiosos e vimos o
então narrador de futebol da Rede Globo de Televisão, Galvão Bueno junto com Casagrande
indo em direção à Praça da Matriz para se encontrar com o Biro-Biro do outro
lado.
Permanecemos
em frente ao Hotel Eldorado por um tempo e no hall de entrada vimos o
então treinador e campeão mundial de 1970, Carlos Alberto Torres conversando
com os repórteres, ele também fumava, usava uma jaqueta de couro de cor escura
e explicava de maneira detalhada como o time iria se comportar naquela tarde.
Quando
toda a delegação corintiana se recolheu ao Hotel, resolvemos ir embora e cruzamos
a Praça da Matriz para dar uma volta pelo centro da cidade, afinal, não era
sempre que saíamos para passear e quando tínhamos a oportunidade, não podíamos
desperdiçar, e quando passávamos na rua São Bento com a Portugal avistamos o
Zenon saindo do boteco que havia quase na esquina, fiquei pasmo, pois a
lembrança que eu tinha do Zenon era quando ele jogava pelo Guarani na final do
Campeonato Brasileiro de 1978 contra o Palmeiras, e para um menino palmeirense,
ele era um vilão, pois o Palmeiras foi derrotado por 1 x 0 e o título ficou com
o time do interior, mas estava tudo bem, pois se tratava de um grande jogador
de futebol e a gente sabia aceitar esse por menor, mesmo que jogasse no time
rival, estava tudo certo, a gente sabia acomodar as coisas, durante o jogo, um
simples palavrão já resolvia a questão, tudo zerado e nada havia
acontecido.