Thursday 11 January 2024

Um domingo em preto e branco

 


O domingo começou com meu pai e eu pegando o ônibus para ir ao centro da cidade, geralmente os domingos começavam indo à missa do Padre Armando Salgado na Igreja do São Geraldo aonde eu ia religiosamente, algumas vezes para rezar, outras para comer as geleias de laranja que o Padre escondia em um pote atrás da Sacristia.

Aquele domingo seria diferente, nada de Igreja, pois a Ferroviária, o time de futebol da cidade iria jogar contra o Corinthians, tudo bem que meu pai e eu sempre fomos palmeirenses, mas não sei por que, meu pai resolveu me levar para ver a chegada do time no Hotel Eldorado. O Hotel Eldorado era o grande hotel da cidade, chique por natureza, muitos diziam que era o único capaz de receber as celebridades da época.

Os jogadores do Corinthians daquela época eram celebridades: Sócrates, Zenon, Casagrande e companhia limitada eram astros do futebol e os meninos sabiam quem era quem, pois eles apareciam nos chicletes do futebol cards – o futebol cards era um chiclete grande e fino, de tutti-frutti adocicado, tinha um gosto ácido e fazia a alegria da criançada, ele vinha acompanhado com um cartão com a foto do jogador, nome e ficha completa, onde nasceu, times que jogou e muitas informações, era o sinônimo de felicidade da época para um menino do interior que gostava de futebol.


             Pegamos o troleibus bem cedinho e descemos em frente à Praça Matriz de São Bento, o troleibus era um ônibus confortável, mas acima de tudo, lento e ainda tinha a parada na Avenida São Geraldo quase esquina com a Rua dos Libaneses que demorava uma eternidade, pois o motorista dava um pulinho no bar que ficava na esquina, isso causava uma irritação imanente e a impaciência de uma criança nunca deve ser desafiada, tal a chatice que toma conta do ser.

Quando descemos do ônibus na Praça da Igreja Matriz começaram as lembranças mais corintianas da infância, me recordo do Biro-Biro, então camisa cinco do time mosqueteiro encostado com o pé na parede na esquina da Avenida São Paulo com a rua São Bento, ele fumava um cigarro e me parecia estar esperando alguém, tal seu comportamento ansioso, olhando para baixo com uma das mãos na cintura.

Em frente ao Hotel Eldorado havia uma dezena de torcedores e curiosos e vimos o então narrador de futebol da Rede Globo de Televisão, Galvão Bueno junto com Casagrande indo em direção à Praça da Matriz para se encontrar com o Biro-Biro do outro lado.

Permanecemos em frente ao Hotel Eldorado por um tempo e no hall de entrada vimos o então treinador e campeão mundial de 1970, Carlos Alberto Torres conversando com os repórteres, ele também fumava, usava uma jaqueta de couro de cor escura e explicava de maneira detalhada como o time iria se comportar naquela tarde.

Quando toda a delegação corintiana se recolheu ao Hotel, resolvemos ir embora e cruzamos a Praça da Matriz para dar uma volta pelo centro da cidade, afinal, não era sempre que saíamos para passear e quando tínhamos a oportunidade, não podíamos desperdiçar, e quando passávamos na rua São Bento com a Portugal avistamos o Zenon saindo do boteco que havia quase na esquina, fiquei pasmo, pois a lembrança que eu tinha do Zenon era quando ele jogava pelo Guarani na final do Campeonato Brasileiro de 1978 contra o Palmeiras, e para um menino palmeirense, ele era um vilão, pois o Palmeiras foi derrotado por 1 x 0 e o título ficou com o time do interior, mas estava tudo bem, pois se tratava de um grande jogador de futebol e a gente sabia aceitar esse por menor, mesmo que jogasse no time rival, estava tudo certo, a gente sabia acomodar as coisas, durante o jogo, um simples palavrão já resolvia a questão, tudo zerado e nada havia acontecido.

Tubaína, mortadela e um jogo na Fonte Luminosa

  O ano, ele não se recorda de maneira exata, mas tem a certeza de que aquela partida de futebol entre a Ferroviária de Araraquara e Palmeir...