Thursday 23 June 2022

Resenha da obra: Em defesa da política de Marco Aurélio Nogueira

 NOGUEIRA, Marco Aurélio. Em defesa da política. 2 ed. São Paulo: Senac, 2004.



Resenha

A obra de Marco Aurélio Nogueira, Em defesa da política trata-se da organização de uma série de textos em que o autor defende de forma voraz a política. Isso acontece por causa do desenvolvimento do tema nos últimos anos, tendo em vista a supremacia das questões econômicas sobre as questões políticas.

O mercado no mundo globalizado se sobrepôs às questões políticas e por outro lado uma certa demonização do universo político ocorreu, onde políticos são queimados nas fogueiras das redes sociais todos os dias, e uma áurea assombrosa tomou conta da política. Tentando defender o mundo da política, Marco Aurélio Nogueira construiu sua obra.

O livro é dividido em 10 textos...o primeiro deles, chama-se crise

A primeira questão levantada por Nogueira está relacionada com a idéia da economia, onde o tempo, a racionalidade e a tomada de decisão estão interligadas, prejudicando tempo da política. O tempo da economia é um...o tempo da política é outro...a economia precisa de solução para amanhã...na política é necessário construir o consenso, o que de certa forma leva tempo...e o tempo é uma ferramenta preciosa para o mercado e que não pode ser desperdiçado. Nesse contexto, um argumento semelhante a esse é encontrado na obra de Anthony Giddens, As consequências da modernidade, uma obra também muito interessante, onde vale a pena a leitura.

Nogueira deixa claro quando fala “há pouca política no debate político, pois este passou a depender muito mais do cronômetro que de argumento” (p.21)

No capítulo chamado Riscos e sentidos, Nogueira aponta para a natureza da política. Palavras como poder, autoridade, interesses, ambições, força, persuasão, leis, armas, afeto e repressão fazem parte do universo conturbado da política. A política exige de acordo com Nogueira uma concessão difícil de ser organizada, o do pensar coletivo..é necessário que seja lá quem faça a política pense do ponto de vista do outro e não apenas olhe para os seus próprios interesses...fazer política é pensar na coletivo, no interesse de todos os cidadãos.

No capítulo chamado complexidade e dialética, Nogueira organiza uma crítica ao processo de tecnicização da sociedade que se desencadeou nos últimos anos com o desenvolvimento da globalização. Segundo o autor, não tem como pensar a política como um espaço rígido controlado por técnicos.

O predomínio das questões técnicas e a autoridade dos especialistas empurraram os cidadãos para os bastidores das decisões políticas, causando o enfraquecimento da democracia. Nogueira aponta que a tecnocracia não combina com a democracia que no limite a sufoca e a liquida.

O argumento apresentado por Nogueira é de que na democracia todos podem decidir a respeito de tudo e nesse contexto, ela se choca abertamente com a tecnocracia, pois esta pretende que as decisões sejam tomadas pelos que detém conhecimentos especializados e estariam preparados para neutralizar as paixões e os interesses. A política para Nogueira é um espaço humano por excelência e não tecnológico como querem fazer parecer.

No capítulo intitulado Falhas e determinações, Nogueira aponta a principal função da política: a capacidade de tornar autoconsciente uma determinada comunidade e diz que se a política falha nessa função, ela se torna inútil e desinteressante. O argumento usado pelo autor nesse sentido é de que a política geralmente utilizada, é a política do poder, com pouco diálogo e ao mesmo tempo, com a ausência da política..e isso nos leva a um ambiente de dificuldade, uma vez que existe um processo de verticalização da política e uma certa dose de autoritarismo. Na verdade, existe um processo de demonização da política na estrutura social, na medida em que tudo pode ser considerado político...e esse conceito do político é de certa forma discriminado, sem sentido, inócuo e com a ideia de defesa de interesses de determinados grupos.

Para melhorar as falhas do sistema político, Nogueira aponta a necessidade de se organizar uma reforma política, mas de forma crítica aponta que não pode haver reforma política sem reformar os políticos e o sistema de uma certa forma, já que o sistema não funciona de forma adequada. É necessário colocar a política e a vida no mesmo patamar...na visão do autor, a política está acima das condições na vida, na medida em que é usada como instrumento de perpetuação do poder...A política não pode ser vista como instrumento de poder, mas sim de diálogo para que possa ter uma melhor resolução das questões da vida.

No ensaio intitulado “As três políticas”, Nogueira aponta a existência da Política dos políticos, a Política dos cidadãos, e a Política dos Técnicos.

Sobre a política dos políticos, o autor aponta que se trata da política com pouca política. Essa política está atrelada às questões da realidade, com aquilo que é possível abrindo caminho para a politicagem dos oportunistas de plantão.

A política dos cidadãos, a política que busca o bem comum, no aproveitamento civilizado do conflito e da diferença, no valor dado ao diálogo, do consenso e da comunicação. É a política com muita política.

A política dos técnicos, essa política é a não política, ela se apóia na valorização da técnica, da gestão, da administração sobre o governar, o articular. Para a política dos técnicos “onde há política ou poder, há corrupção”.

No capítulo denominado “A globalização da política”, Nogueira traça um lugar comum dentro do tema, onde suas críticas já são conhecidas do imenso público, mas o ponto fundamental está atrelado à desmontagem do processo de representação política e a imersão de sociedades complexas e desterritorializadas, desenvolvendo o ciberespaço.

Segundo Nogueira, a globalização da política produz crise porque é capaz de desconstruir o espaço de mediação política, ela coloca em xeque a capacidade societal de produzir símbolos unificadores e de relacionamentos.

No capítulo Cidadania travada, Nogueira aponta a luta pela extensão da cidadania, pela transformação de todos em cidadãos e faz parte do conflito social da época. A luta pela cidadania é uma constante dentro do processo político moderno. Na visão do  autor, a extensão da cidadania vincula-se à dinâmica democrática e vai depender sobretudo da instauração de regimes representativos e do fortalecimento dos mecanismos de participação no interior do diferentes Estados: da dissolução das diversas formas de poder concentrado, de uma maior socialização da política, da conciliação da ideia de que o poder pode ser limitado.

No ensaio “Governar”, o autor aponta que a Política tem no ato de governar um de seus atributos mais importantes, complexos e sofisticados. A associação do político ao governante é muito comum na sociedade moderna. A interação entre boas leis e os homens precisa ser uma constante no sentido de construir uma boa relação. A tomada de decisão é fundamental nesse sentido, pois nem sempre atende ao interesse de todos os cidadãos.

Diz Nogueira, governar é antes de tudo, agir sobre recursos e pessoas. Governamos espaços, territórios, fronteiras e recursos materiais, assim como governamos paixões, interesses, emoções, grupos e indivíduos.

Uma questão importante e que é trabalhada por Nogueira é a organização do e-government. Trata-se de uma exigência da sociedade contemporânea...mas o autor expõe uma visão crítica do processo uma vez que a sociedade não é eletrônica..de qualquer forma, existe a necessidade de se adaptar a essa nova exigência. De qualquer forma, fica difícil o avanço tecnológico sem a retomada da política. O diálogo e a negociação, vem antes do avanço tecnológico.

No ensaio chamado Ruídos democráticos, Nogueira aponta que existe um desinteresse significativo sobre as questões políticas..a supremacia das questões econômicas..a existência de um grande mercado e pouco Estado. A questão política atrelada somente ao voto...isso desgastou o cenário da política. A questão sofrida da representação política..e pouca participação direta da população nas tomadas de decisões...mas de qualquer forma, existe uma luz no fim no túnel, já que o desenvolvimento pode acelerar a participação política direta do cidadão nas tomadas de decisão do Estado.

Para Nogueira, só existe saída para a retomada da política pela Esquerda...De acordo com o autor, a defesa da política fica assim suspensa, à espera da plena reposição da esquerda como força de governo, crítica e contestação.

 

Resenha da obra: O problema do populismo: teoria, política e mobilização de Morelock e Narita


 

O populismo em detalhe

 

 Resumo

Morelack e Narita trazem um pouco de luz para a política contemporânea na medida em que pensaram e se debruçaram sobre o conceito do populismo. Discutir o conceito e trazer novas interpretações foi uma missão muito significativa, uma vez que os conceitos mais antigos estabeleciam relações apenas com as questões políticas, os autores nessa obra conseguiram abrir o leque e relacioná-lo com as questões econômicas, a psicologia e todo o contexto sociocultural. Sua leitura é obrigatória para quem se importa com os rumos da política.

Palavras-chave: Populismo; Ideologia; Populismo – teoria política

MORELOCK, Jeremiah; NARITA, Felipe Ziotti. O problema do populismo: teoria, política e mobilização. Jundiai: Paco, 2019.

 

  Resenha

O populismo em detalhe

 

Na obra “O problema do populismo” percebe-se de forma clara e objetiva que o conceito do termo não possui apenas um significado. O populismo muitas vezes é utilizado de forma errônea por parte da população em geral, uma vez que o generalismo que toma conta do seu significado se sobressai. O seu conceito mais tradicional flutua entre os adeptos da direita e da esquerda, gerando acusações de ambas as partes e conflitos intermináveis entre as ideologias políticas.

Os autores tentam de forma muito perspicaz aplicar um pouco de luz sobre o conceito, o que por si só, já pode ser considerado válido diante da crise que assola a política em seu atual estágio. A luz se torna ainda mais importante porque o populismo é permeado por uma instabilidade abissal em seu conteúdo e merece um trabalho específico e denso, como é esse que foi escrito por Morelack e Narita.

Resgatando autores clássicos como Habermas e Derrida, os autores trabalham o conceito de forma muito intelectualizada, mas sem perder a capacidade da explicação e do esclarecimento do termo. Isso precisa ser considerado tendo em vista que não se trata de uma leitura chata e monótona, mas acima de tudo esclarecedora e dentro das perspectivas políticas atuais.

Os autores deixam claro que o populismo é fruto não só do sistema político, mas principalmente do processo de desenvolvimento sociocultural, o que torna o conceito mais amplo, isso proporciona um verniz mais moderno ao termo, se comparado com as construções teóricas passadas, ligadas estritamente ao universo da política. Importante ressaltar que o conceito trabalhado pelos autores se encontra recheado com as ideias de Habermas, para quem “as pessoas comuns experimentam uma forma de alienação em relação ao governo, entendendo as elites políticas como instâncias de legislação orientadas por uma lógica deslocada do mundo da vida”.

A alienação está relacionada com a crescente cisão entre as instituições objetivas de controle e de governo da população, das estruturas mais orgânicas da sociedade. O capitalismo tardio de alguns países em condições de vulnerabilidade, abre o caminho para as crises de legitimação e o seu principal elemento são as tormentas relacionadas ao processo de representação. As crises institucionais abertas pelo capitalismo tardio abrem o caminho para diversos efeitos sociais.

A perda de aderência das instituições democráticas e a fantasia relacionada com o sistema de participação, alimentados pelo establishment político pavimentam a estrada do populismo, que surge em um movimento pendular das sociedades democráticas. O populismo se estabelece entre as estruturas do sistema democrático e o salvamento popular proporcionados pela participação política que se estabelece através do voto direto.

O populismo por si só é capaz de produzir uma moralidade singular, na medida em que coloca o povo como opositor da elite, de um lado a pureza da vontade coletiva, de outro a forma elitista de ser permeada pelo sistema de corrupção.

Nesse contexto, o populismo representa não somente a implosão do sistema representativo, mas também uma prática política que não converge com o sistema político democrático vigente.

Os autores apontam de forma muito significativa que o populismo encontra-se cravado nas identidades coletivas e solapa os valores da cidadania liberal, contribuindo para o esvaziamento da participação política.

Historicamente, o termo populista foi empregado para dar nome aos líderes carismáticos em países em desenvolvimento, com características nacionalistas, mas que contavam com forte apoio popular e as oligarquias plantadas. A obra de Francisco Weffort, O populismo na política brasileira traz uma contribuição significativa para o entendimento da construção dos líderes carismáticos entre o período que segue 1945 a 1964, que marca o primeiro período democrático, na medida em que mergulha no “submundo” da política brasileira, desnudando políticos como Ademar de Barros, Janio Quadros, Juscelino Kubstchek entre outros.

Nessa perspectiva, Morelock e Narita resgatam o conceito de Stuart Hall e unem autoritarismo e populismo – apontam que os contextos sociais e materiais que desenvolvem o autoritarismo, também podem produzir o populismo. De forma objetiva apontam que os populistas simplificam os procedimentos formais da democracia, se colocando acima deles, mas sempre apoiados pelos resultados majoritários das urnas e nem se importam com os freios e contrapesos colocados pelo sistema político formal, uma vez que em linhas gerais se encontram em processo de enfraquecimento causado pelo desgaste da representação política, por isso se descortinam as relações autoritárias. Nesse sentido, populismo e rompantes autoritários andam de mãos dadas e se identificam na medida em que coloca de um lado um grupo identificado como povo e outro elite. Povo e elite se contrapõem nas políticas ligadas ao populismo.

Os autores usaram as obras de Habermas e Wallerstein para dar corpo ao processo de desenvolvimento do populismo, na medida em que as teorias organizadas por ambos apresentam argumentos palpáveis para o entendimento de como as ações populistas tomam forma em nações ainda desprovidas de desenvolvimento social e econômico. Norita e Morelack apontam que a divisão social do trabalho, o desenvolvimento econômico e a urbanização estão enraizados no mundo da vida e influenciam os movimentos populistas nesses países. Do ponto de vista de Habermas, a alienação e o problema da representação de subgrupos na esfera pública contribuem para a constituição do populismo, pois povo precisa ser defendido das ações antagônicas provenientes desses elementos, uma vez que a esfera pública é uma forma democratizante na sociedade moderna.

No que se relaciona à obra de Wallerstein, os autores apontam que as mudanças que ocorrem no sistema-mundo e os rearranjos econômicos causam um conjunto de alterações sociais que por sua vez geram a pressão social. É aí que reside a crítica dos autores ao sistema na medida em que “países e regiões são hierarquicamente e funcionalmente divididos em “centros”, “semiperiferias” e “periferias”. A dinâmica material, então, produz transformações históricas, provocando a alteração daqueles três eixos centrais e implicando a reorientação da posição de cada país junto ao sistema. Nosso argumento é que, à luz desse dinamismo estrutura, movimentos populistas ganham corpo” (MORELOCK; NARITA, 2019, p. 36)

Morelock e Narita não se satisfazem apenas em trabalhar as questões políticas relacionadas ao desenvolvimento do populismo, os autores trazem também aspectos da psicologia para o trabalho, o que proporciona versatilidade intelectual para a análise do fenômeno e novas formas de abordagem.  O capitalismo moderno se desenvolve através  da alienação, o que nos faz ficarmos desconectados e autointeressados por influências das propagandas e que em períodos de crise social, as pessoas se frustram, se tornam confusas e desesperadas, facilitando a construção de grupos com identidade forte e com ideias mais explicitas, abrindo caminho para as personalidades com características populistas.

Um elemento amplamente trabalhado pelos autores na obra diz respeito ao processo de desconstrução da racionalidade e do politicamente correto, ambos abrem caminho para a ascensão do anti-intelectualismo. A atmosfera anti-intelectual está ligada com a produção do sujeito neoliberal já que a necessidade de potencializar o capital humano vai na contramão do conhecimento acadêmico. Em linhas gerais, não há necessidade de desenvolvimento intelectual para o desenvolvimento de uma vida puramente prática.

Nesse sentido “as mitologias fascistas espreitam os desmoralizados e os suscetíveis, oferecendo paliativos cognitivos de diversas formas. Os exemplos nesse sentido, são a lealdade fervorosa a líderes carismáticos, a presença de narrativas reivindicando uma idade de ouro perdida, a ênfase sobre um suposto direito de dominação local ou de expansão global do poder e a unificação de uma comunidade ética superior” (MORELOCK; NARITA, 2019, p. 56).

Em linhas gerais, os autores apontam o populismo como sendo a ascensão de um grupo que se autodenomina “povo” contra um inimigo nomeado “a elite” e definem autoritarismo como a tentativa de uma homogeneização forçada, o populismo autoritário é o lugar político onde populismo e autoritarismo se encontram.

 

Referências

 

WEFFORT, Francisco. O populismo na política brasileira. São Paulo: Paz e Terra, 1980.

 

Resenha da obra: Ruptura: a crise da democracia liberal de Manuel Castells


 

CASTELLS, Manuel. Ruptura: a crise da democracia liberal. Rio de Janeiro: Zahar, 2018.

Resenha

“A insuficiência da política”

Resumo

A obra de Manuel Castells surgiu num momento importante para o sistema democrático devido ao instante conturbado porque passa e também pelo processo de erosão que seu conceito mais tradicional vem sofrendo. Embora a obra pareça uma crítica contumaz à democracia liberal, ela significa muito mais que isso, na medida em que aponta para um determinado horizonte político. O terrorismo, o medo e a incapacidade da política de dar respostas positivas ao cidadão comum contribuíram para o solapamento da democracia contemporânea e também foram os responsáveis pelas eleições de Trump, Macron e muitos outros líderes políticos de vocação pouco democrática que ascenderam ao  poder.

Palavras-chave[Av.1] : Democracia; Terrorismo; Medo; Poder; Crise do sistema democrático; Democracia liberal;

Resenha

A obra Ruptura: a crise da democracia liberal, escrita pelo renomado espanhol Manoel Castells, surgiu em uma hora decisiva da política mundial, não só [Av.2] porque o sistema democrático passa por uma crise sem precedentes na história, mas porque também novas lideranças políticas com viés autoritárias vêm aparecendo no cenário político de forma mais ostensiva e sistemática, contribuindo para a hecatombe (continuar o parágrafo)

Nesse contexto, muitas obras políticas surgiram no mercado editorial nacional e internacional na tentativa de explicar o frenesi causado pelo avanço da direita no cenário político mundial, suscitando a morte dos sistemas democráticos e ao mesmo tempo resgatando o fenômeno das ideologias, que pareciam estar em dormência desde a década de 90, quando a social democracia, através do voto, chegou ao poder e se disseminou mundo afora. Digo em dormência porque durante os últimos vinte anos o mundo parecia fadado ao marasmo político e assentado sobre o discurso de Francis Fukuyama de “fim da história”, mas a história mais uma vez mostra que nada na política é em definitivo, e não existe dono da verdade. Desse modo, a democracia não poderia ser considerada um fim em si mesma era necessário ter-se reinventado, ter-se criado novas alternativas para as crises enfrentadas. Processos de criação e novas formas de desenvolvimento são salutares e necessários até para poder continuar existindo e dar as cartas do jogo.

Nesse sentido, a obra de Castells cumpriu seu papel de forma significativa e não pode ser visto apenas com uma crítica ao sistema democrático, que serve para justificar o crescimento da direita no cenário político contemporâneo, mas porque suas críticas não são direcionadas à democracia em si, mas à democracia liberal – por democracia liberal, entendem-se eleições regulares, representação política e funcionamento adequado das instituições políticas.

Se a questão central da crise da democracia é o fenômeno da representação política e sua relação com as instituições políticas, as críticas já vêm sendo construídas há bastante tempo e não podem ser consideradas algo novo, assim como as consequências que levaram ao crescimento da direita na política, como muitos adeptos da esquerda estão querendo acreditar. O desgaste do sistema democrático liberal já sofreu críticas contumazes há bastante tempo e vem se desgastando no cenário mundial de forma vertiginosa.[Av.3] 

Na obra As consequências da modernidade escrita no começo dos anos 90, o sociólogo inglês Anthony Giddens já apontava para esse cenário de desgaste da democracia liberal, quando estabelecia a diferença entre o tempo da política e o tempo da economia.[Av.4]  Para Giddens, o tempo da economia é curto, o tempo da política é longo. Como o tempo, na sociedade contemporânea, é considerado “dinheiro”, a democracia liberal empurrou para “debaixo do tapete” as atribuições da representação política, na medida em que não havia tempo para negociações e discussões de projetos e, dessa forma, turbinou as ações do Poder Executivo, simplificando as ações e direcionando responsabilidades, deixando a política mais longe do cidadão comum e dificultando a visão dos olhos do senso comum a capacidade da política de interferir de forma positiva na vida do cidadão. Em suma, se todos os problemas são econômicos e podem ser resolvidos em curto espaço de tempo, porque é necessário debater com mais de quinhentos deputados uma determinada proposição política? [Av.5] É preciso considerar que fazer política é dialogar, debater, se posicionar e apresentar argumentos e como fazer isso sem a questão do tempo? Envolver muitas pessoas numa discussão de um projeto pode atingir os interesses econômicos mais urgentes. É nesse contexto que se desenvolve a hegemonia do Poder Executivo, uma vez que é mais fácil personalizar uma decisão do que organizar um debate para que uma decisão seja tomada.

Nesse contexto, a política não seria necessária, e, não sendo necessária, transformou-se um grande risco para o sistema democrático como um todo, na medida em que os governos autoritários se sustentam na ausência das bases da democracia, que é a junção entre participação popular e interferência nas questões do Estado.

Na visão de Castells, existe uma democracia real, que é a democracia liberal, mas ela ultrapassa os limites institucionais estabelecidos, abrindo caminho para novos líderes políticos, como Trump, Brexit, Le Pen e Macron.[Av.6]  Os limites institucionais são quebrados quando o Poder Executivo passou a assumir o protagonismo da política, jogando para segundo plano o Poder Legislativo e o Poder Judiciário. Atualmente, o Poder Executivo também propõe leis e as executam em nome da tal “governabilidade”, dificultando os passos da oposição e desenvolvendo a sensação de hegemonia política. Esse tema já foi amplamente discutido na obra de Clemerson Merlim Cleve a “A atividade legislativa do Poder Executivo” escrita no começo dos anos 2000.

Castells não se furta em apontar o caminho futuro da democracia mundial. Para ele, surgirá num horizonte próximo uma nova ordem pós-liberal que tem como pano de fundo as políticas organizadas pela China e pela Rússia e que apresentam regras políticas mais autoritárias, mas, de qualquer forma, elas se apresentam como uma alternativa real à democracia liberal.

Nesse sentido, Castells aponta que existe uma ruptura entre cidadãos e governos, para quem os políticos se ocupam dos problemas do mundo, não das pessoas – para ilustrar a sua opinião, o autor traz dados interessantes sobre os países europeus que dão conta da insatisfação extensiva da população com a democracia liberal, mas que essa insatisfação não está relacionada com nenhum tipo de ideologia política, seja de direita ou de esquerda.[Av.7] 

Castells tece uma crítica contumaz à democracia liberal, na medida em que o autor coloca, no epicentro das discussões, a ideologia do consumo como valor e do dinheiro como medida do sucesso. Para Castells, o modelo neoliberal centra no indivíduo a sua linha de pensamento mais intensa e na sua satisfação imediata monetizada, dificultando a relação com as questões coletivas.

De forma singular, Castells trabalha no sentido de organizar os pensamentos sobre a influência da mídia e a sua interferência no universo político. Nesse sentido, Castells aponta que a política, na mídia em geral, [Av.8] é feita através de imagens e se caracteriza como basicamente emocional. Para o autor, a forma de luta política mais eficiente é a destruição moral da imagem de quem se postula como líder, gerando um sentimento de desconfiança e reprovação sobre a classe política em geral.

Terrorismo, medo e política andam juntos, formando o que Castells denomina de “ménage à trois” sinistro. O terrorismo indiscriminado que atua na sociedade contemporânea por aqueles que se sentem discriminados pela democracia liberal, leva ao medo permanente, fazendo com que a política se manifeste no sentido de restringir os processos de liberdade. “Um estado de emergência permanente justifica no imaginário coletivo a restrição sistemática das liberdades civis e políticas, criando uma ampla base para a islamofobia, a xenofobia e o autoritarismo político”.[Av.9]  (CASTELLS, 2018, p. 36 ).

A presença de novos líderes políticos como Trump e tantos outros se justifica, segundo Castells, pelo temor ocasionado pela globalização. O multiculturalismo, a imigração, a desconfiança dos partidos e das instituições levam o medo à sociedade como um todo, o que remete à busca incessante pela volta do Estado e aos valores originários, estes, por sua vez, solapados pelo processo de globalização, o que abre espaços para novos líderes políticos.

A eleição de Trump para presidente dos EUA, assim como o plebiscito do Brexit e a entrada de Macron na França são dissecados por Castells e, como pano de fundo, todos eles são motivados pelo medo do terrorismo e do mundo desconhecido proposto pelo fenômeno da globalização.[Av.10]  A globalização revestida com as diretrizes do neoliberalismo, leva o cidadão comum à sensação de desproteção, ocasionada pelo desmonte do papel do Estado e pelo solapamento dos direitos sociais e por consequência o medo do futuro. As eleições recentes, apontam para a tentativa de retomada do papel do Estado a qualquer custo, não importando a ideologia política.

Por conseguinte, Castells tece uma crítica ao fenômeno da União Européia, desde o processo de organização, pensada mais na sua capacidade econômica do que nas ideias políticas que revestiram a frágil união – para quem o ideal de uma unidade fosse organizada sem levar em consideração a opinião da população, com seus preconceitos, valores e ideais. Desse modo, Castells aponta a União Européia como um “projeto de construção política a serviço de valores identificados com a civilização foi um projeto elitista e tecnocrático, imposto aos cidadãos sem um debate e com escassa consulta[Av.11] . (CASTELLS, 2018, p.

A obra de Castells é uma viagem aos problemas políticos mundiais e muito significativa para as ciências humanas em geral, pois alia política, democracia e economia, além de contar com uma critica muito racional ao sistema e aos problemas existentes.

Referências

CLEVE, Clemerson Merlin. A atividade legislativa do Poder Executivo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.

GIDDENS, Anthony. As consequências da modernidade. São Paulo: Unesp, 1991.


 [Av.1]Reveja as palavras-chave, pois estas não dão conta do objeto em destaque na resenha

 [Av.2]

 [Av.3]As ideias no parágrafo encontram-se amontoadas, separadas por vírgula, mas não se conectam para fazer sentido ao que você quer dizer. Transforme essas vírgulas em pontos-finais, e faça as conexões para que o parágrafo faça sentido

 [Av.4]Só coloca a ideia, mas não desenvolve.

 [Av.5]Explique isto.

 [Av.6]Não há continuidade no desenvolvimento do parágrafo.

 [Av.7]Faça conexão entre os parágrafos, desenvolva a ideia presente neles.

 [Av.8]O que você quer dizer aqui: “a política, na mídia, em geral é...” ou “a política, na mídia em geral, é...”

 [Av.9]36

 [Av.10]Não desenvolveu o parágrafo

 [Av.11]Aponte autor-ano-página.

Resenha: Como as democracias morrem de Levitsky e Ziblatt


 LEVISTSKY & ZIBLATT. Como as democracias morrem. Rio de Janeiro: Zahar, 2018.

“A democracia sem fim”

Resenha

“Quando as instituições guardiãs fracassam, os políticos das tendências estabelecidas tem de fazer todo o possível para manter figuras perigosas longe dos centros do poder”

Em Como as democracias morrem, Levitsky & Ziblatt partem do pressuposto de que governos eleitos por votos diretos são capazes de solapar o sistema democrático utilizando as regras do próprio sistema.

Para isso, utilizam de forma brilhante e detalhista as histórias de Mussolini, Hitler e Chavez como exemplos de outsiders que emergiram no cenário político e conquistaram o poder, todos dentro de um processo legal e com características democráticas.

Levitsky e Ziblatt apontam de forma audaciosa as características de um político autoritário, como se houvesse uma receita para a identificação de um tipo ideal que estampasse na face do candidato uma determinada veia autoritária.

Para os autores, a identificação de um líder autoritário possui algumas particularidades, são elas:

1.     Rejeitam, em palavras e ou ações, as regras do jogo democrático;

  1. Negam a legitimidade de oponentes;
  2. Toleram e encorajam a violência;
  3. Dão indicações de disposição para restringir liberdades civis de oponentes, inclusive a mídia

De forma segura, Levitsky e Ziblatt jogam a responsabilidade nas costas dos partidos políticos sobre o aceno ou não a políticos autoritários, sendo assim, os responsáveis pelo solapamento do sistema democrático.

A vocação para o desenvolvimento de ideias antidemocráticas também atinge a sociedade americana, embora ela possua uma tradição de governos democráticos, não pode ser considerada imune, os autores apontam o surgimento de vários líderes políticos autoritários, mas que não conseguiram chegar ao poder por conta da atuação dos partidos políticos e das regras políticas que regem a indicação para um candidato à Presidência da República – essas regras servem como filtragem do sistema político e servem como clausulas de barreiras para candidatos autoritários.

Sobre Trump, os autores apontam um certo afrouxamento das regras na convenção para a escolha de candidatos à Presidência da República e fazem uma certa crítica ao ambiente midiático da sociedade contemporânea que facilita o acesso de celebridades ao reconhecimento de seus nomes e abrem caminho para a chegada ao poder de candidatos autoritários. Nesse sentido, a obra de Castells (2018), apresenta argumento semelhante para quem a mídia em geral é feita através de imagens e se caracteriza pelas emoções e a luta política se estabelece através das redes sociais e o que vale é a destruição moral da imagem de quem se postula a líder.

De forma acentuada, os autores criticam o posicionamento adotado pelos líderes do Partido Republicano na medida em que os mesmos não estabeleceram uma relação crítica com as posições políticas de Trump, assumindo até uma certa neutralidade e não pensando de forma coletiva na política americana – essa posição pode ser considerada até arriscada por parte dos autores, na medida em que os objetivos de um partido político é chegar ao poder, nem sempre pela forma mais ética e nesse contexto, cabe a máxima maquiavélica “os fins justificam os meios”.

Outro ponto de crítica dos autores está relacionado com o Poder Judiciário, a atuação de juízes e o processo de interferência na democracia. Na visão dos autores, o Poder Executivo através de poderes legais, pode nomear ministros que tenham o mesmo posicionamento ideológico, facilitando as ações e abrindo caminho para o desenvolvimento de um sistema político mais rígido e personalista.

No capítulo intitulado “as regras não escritas da política norte-americana”, Levitsky e Ziblatt entram num terreno pantanoso do universo político, na medida em que fazem alusão à ética na política. Os autores pontuam que para fazer o sistema democrático funcionar é necessário muito mais do que a organização de um sistema regido por leis e instituições – essa “legislação” tem que ser escrita pela própria sociedade, entre outras palavras, a sociedade é responsável pelo bom funcionamento do sistema democrático e quando o processo político se estabelece dessa forma, dificilmente um “ditador” tomará as rédeas do poder.  

O solapamento das instituições políticas americanas, aliado à degradação das regras não escritas da política abriram espaço para a chegada de Trump ao poder. De forma detalhista e bem organizada, os autores contam de forma contumaz o que o Governo de George Bush fez no sentido de contribuir com o final da reserva política que havia na sociedade americana, na medida em que atacava de maneira jocosa o então candidato à Presidência Barack Obama.

Dessa forma, muito antes de Trump ser eleito, a política americana já se encontrava pavimentada no sentido de receber o imponderável no cenário político, e realmente aconteceu.

Nesse contexto, os autores não se furtam em acusar os Republicanos de terem armado uma “guerra política” contra os Democratas, afrouxando a tolerância mútua e a reserva institucional.

Em outras palavras, a obra é um paraíso para quem gosta de fatos históricos. Os autores mergulharam de forma contumaz na história política mundial, não se contentaram apenas em falar sobre a realidade política americana, embora o livro possua uma certa ênfase na eleição que emergiu Donald Trump à Casa Branca, o livro aponta as “peripécias” de ditadores em várias partes do mundo, proporcionando uma visão política internacional aos leitores, tornando a sua leitura agradável e convidativa.

Referências

CASTELLS, Manuel. Ruptura: a crise da democracia liberal. Rio de Janeiro: Zahar, 2018.

Tubaína, mortadela e um jogo na Fonte Luminosa

  O ano, ele não se recorda de maneira exata, mas tem a certeza de que aquela partida de futebol entre a Ferroviária de Araraquara e Palmeir...