Thursday 23 June 2022

Resenha da obra: O problema do populismo: teoria, política e mobilização de Morelock e Narita


 

O populismo em detalhe

 

 Resumo

Morelack e Narita trazem um pouco de luz para a política contemporânea na medida em que pensaram e se debruçaram sobre o conceito do populismo. Discutir o conceito e trazer novas interpretações foi uma missão muito significativa, uma vez que os conceitos mais antigos estabeleciam relações apenas com as questões políticas, os autores nessa obra conseguiram abrir o leque e relacioná-lo com as questões econômicas, a psicologia e todo o contexto sociocultural. Sua leitura é obrigatória para quem se importa com os rumos da política.

Palavras-chave: Populismo; Ideologia; Populismo – teoria política

MORELOCK, Jeremiah; NARITA, Felipe Ziotti. O problema do populismo: teoria, política e mobilização. Jundiai: Paco, 2019.

 

  Resenha

O populismo em detalhe

 

Na obra “O problema do populismo” percebe-se de forma clara e objetiva que o conceito do termo não possui apenas um significado. O populismo muitas vezes é utilizado de forma errônea por parte da população em geral, uma vez que o generalismo que toma conta do seu significado se sobressai. O seu conceito mais tradicional flutua entre os adeptos da direita e da esquerda, gerando acusações de ambas as partes e conflitos intermináveis entre as ideologias políticas.

Os autores tentam de forma muito perspicaz aplicar um pouco de luz sobre o conceito, o que por si só, já pode ser considerado válido diante da crise que assola a política em seu atual estágio. A luz se torna ainda mais importante porque o populismo é permeado por uma instabilidade abissal em seu conteúdo e merece um trabalho específico e denso, como é esse que foi escrito por Morelack e Narita.

Resgatando autores clássicos como Habermas e Derrida, os autores trabalham o conceito de forma muito intelectualizada, mas sem perder a capacidade da explicação e do esclarecimento do termo. Isso precisa ser considerado tendo em vista que não se trata de uma leitura chata e monótona, mas acima de tudo esclarecedora e dentro das perspectivas políticas atuais.

Os autores deixam claro que o populismo é fruto não só do sistema político, mas principalmente do processo de desenvolvimento sociocultural, o que torna o conceito mais amplo, isso proporciona um verniz mais moderno ao termo, se comparado com as construções teóricas passadas, ligadas estritamente ao universo da política. Importante ressaltar que o conceito trabalhado pelos autores se encontra recheado com as ideias de Habermas, para quem “as pessoas comuns experimentam uma forma de alienação em relação ao governo, entendendo as elites políticas como instâncias de legislação orientadas por uma lógica deslocada do mundo da vida”.

A alienação está relacionada com a crescente cisão entre as instituições objetivas de controle e de governo da população, das estruturas mais orgânicas da sociedade. O capitalismo tardio de alguns países em condições de vulnerabilidade, abre o caminho para as crises de legitimação e o seu principal elemento são as tormentas relacionadas ao processo de representação. As crises institucionais abertas pelo capitalismo tardio abrem o caminho para diversos efeitos sociais.

A perda de aderência das instituições democráticas e a fantasia relacionada com o sistema de participação, alimentados pelo establishment político pavimentam a estrada do populismo, que surge em um movimento pendular das sociedades democráticas. O populismo se estabelece entre as estruturas do sistema democrático e o salvamento popular proporcionados pela participação política que se estabelece através do voto direto.

O populismo por si só é capaz de produzir uma moralidade singular, na medida em que coloca o povo como opositor da elite, de um lado a pureza da vontade coletiva, de outro a forma elitista de ser permeada pelo sistema de corrupção.

Nesse contexto, o populismo representa não somente a implosão do sistema representativo, mas também uma prática política que não converge com o sistema político democrático vigente.

Os autores apontam de forma muito significativa que o populismo encontra-se cravado nas identidades coletivas e solapa os valores da cidadania liberal, contribuindo para o esvaziamento da participação política.

Historicamente, o termo populista foi empregado para dar nome aos líderes carismáticos em países em desenvolvimento, com características nacionalistas, mas que contavam com forte apoio popular e as oligarquias plantadas. A obra de Francisco Weffort, O populismo na política brasileira traz uma contribuição significativa para o entendimento da construção dos líderes carismáticos entre o período que segue 1945 a 1964, que marca o primeiro período democrático, na medida em que mergulha no “submundo” da política brasileira, desnudando políticos como Ademar de Barros, Janio Quadros, Juscelino Kubstchek entre outros.

Nessa perspectiva, Morelock e Narita resgatam o conceito de Stuart Hall e unem autoritarismo e populismo – apontam que os contextos sociais e materiais que desenvolvem o autoritarismo, também podem produzir o populismo. De forma objetiva apontam que os populistas simplificam os procedimentos formais da democracia, se colocando acima deles, mas sempre apoiados pelos resultados majoritários das urnas e nem se importam com os freios e contrapesos colocados pelo sistema político formal, uma vez que em linhas gerais se encontram em processo de enfraquecimento causado pelo desgaste da representação política, por isso se descortinam as relações autoritárias. Nesse sentido, populismo e rompantes autoritários andam de mãos dadas e se identificam na medida em que coloca de um lado um grupo identificado como povo e outro elite. Povo e elite se contrapõem nas políticas ligadas ao populismo.

Os autores usaram as obras de Habermas e Wallerstein para dar corpo ao processo de desenvolvimento do populismo, na medida em que as teorias organizadas por ambos apresentam argumentos palpáveis para o entendimento de como as ações populistas tomam forma em nações ainda desprovidas de desenvolvimento social e econômico. Norita e Morelack apontam que a divisão social do trabalho, o desenvolvimento econômico e a urbanização estão enraizados no mundo da vida e influenciam os movimentos populistas nesses países. Do ponto de vista de Habermas, a alienação e o problema da representação de subgrupos na esfera pública contribuem para a constituição do populismo, pois povo precisa ser defendido das ações antagônicas provenientes desses elementos, uma vez que a esfera pública é uma forma democratizante na sociedade moderna.

No que se relaciona à obra de Wallerstein, os autores apontam que as mudanças que ocorrem no sistema-mundo e os rearranjos econômicos causam um conjunto de alterações sociais que por sua vez geram a pressão social. É aí que reside a crítica dos autores ao sistema na medida em que “países e regiões são hierarquicamente e funcionalmente divididos em “centros”, “semiperiferias” e “periferias”. A dinâmica material, então, produz transformações históricas, provocando a alteração daqueles três eixos centrais e implicando a reorientação da posição de cada país junto ao sistema. Nosso argumento é que, à luz desse dinamismo estrutura, movimentos populistas ganham corpo” (MORELOCK; NARITA, 2019, p. 36)

Morelock e Narita não se satisfazem apenas em trabalhar as questões políticas relacionadas ao desenvolvimento do populismo, os autores trazem também aspectos da psicologia para o trabalho, o que proporciona versatilidade intelectual para a análise do fenômeno e novas formas de abordagem.  O capitalismo moderno se desenvolve através  da alienação, o que nos faz ficarmos desconectados e autointeressados por influências das propagandas e que em períodos de crise social, as pessoas se frustram, se tornam confusas e desesperadas, facilitando a construção de grupos com identidade forte e com ideias mais explicitas, abrindo caminho para as personalidades com características populistas.

Um elemento amplamente trabalhado pelos autores na obra diz respeito ao processo de desconstrução da racionalidade e do politicamente correto, ambos abrem caminho para a ascensão do anti-intelectualismo. A atmosfera anti-intelectual está ligada com a produção do sujeito neoliberal já que a necessidade de potencializar o capital humano vai na contramão do conhecimento acadêmico. Em linhas gerais, não há necessidade de desenvolvimento intelectual para o desenvolvimento de uma vida puramente prática.

Nesse sentido “as mitologias fascistas espreitam os desmoralizados e os suscetíveis, oferecendo paliativos cognitivos de diversas formas. Os exemplos nesse sentido, são a lealdade fervorosa a líderes carismáticos, a presença de narrativas reivindicando uma idade de ouro perdida, a ênfase sobre um suposto direito de dominação local ou de expansão global do poder e a unificação de uma comunidade ética superior” (MORELOCK; NARITA, 2019, p. 56).

Em linhas gerais, os autores apontam o populismo como sendo a ascensão de um grupo que se autodenomina “povo” contra um inimigo nomeado “a elite” e definem autoritarismo como a tentativa de uma homogeneização forçada, o populismo autoritário é o lugar político onde populismo e autoritarismo se encontram.

 

Referências

 

WEFFORT, Francisco. O populismo na política brasileira. São Paulo: Paz e Terra, 1980.

 

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