O
populismo em detalhe
Resumo
Morelack e Narita trazem
um pouco de luz para a política contemporânea na medida em que pensaram e se
debruçaram sobre o conceito do populismo. Discutir o conceito e trazer novas
interpretações foi uma missão muito significativa, uma vez que os conceitos
mais antigos estabeleciam relações apenas com as questões políticas, os autores
nessa obra conseguiram abrir o leque e relacioná-lo com as questões econômicas,
a psicologia e todo o contexto sociocultural. Sua leitura é obrigatória para
quem se importa com os rumos da política.
Palavras-chave:
Populismo; Ideologia; Populismo – teoria política
MORELOCK, Jeremiah;
NARITA, Felipe Ziotti. O problema do populismo: teoria, política e
mobilização. Jundiai: Paco, 2019.
O populismo em detalhe
Na
obra “O problema do populismo” percebe-se de forma clara e objetiva que o conceito
do termo não possui apenas um significado. O populismo muitas vezes é utilizado
de forma errônea por parte da população em geral, uma vez que o generalismo que
toma conta do seu significado se sobressai. O seu conceito mais tradicional flutua
entre os adeptos da direita e da esquerda, gerando acusações de ambas as partes
e conflitos intermináveis entre as ideologias políticas.
Os
autores tentam de forma muito perspicaz aplicar um pouco de luz sobre o
conceito, o que por si só, já pode ser considerado válido diante da crise que
assola a política em seu atual estágio. A luz se torna ainda mais importante
porque o populismo é permeado por uma instabilidade abissal em seu conteúdo e
merece um trabalho específico e denso, como é esse que foi escrito por Morelack
e Narita.
Resgatando
autores clássicos como Habermas e Derrida, os autores trabalham o conceito de
forma muito intelectualizada, mas sem perder a capacidade da explicação e do
esclarecimento do termo. Isso precisa ser considerado tendo em vista que não se
trata de uma leitura chata e monótona, mas acima de tudo esclarecedora e dentro
das perspectivas políticas atuais.
Os
autores deixam claro que o populismo é fruto não só do sistema político, mas
principalmente do processo de desenvolvimento sociocultural, o que torna o
conceito mais amplo, isso proporciona um verniz mais moderno ao termo, se
comparado com as construções teóricas passadas, ligadas estritamente ao
universo da política. Importante ressaltar que o conceito trabalhado pelos
autores se encontra recheado com as ideias de Habermas, para quem “as pessoas
comuns experimentam uma forma de alienação em relação ao governo, entendendo as
elites políticas como instâncias de legislação orientadas por uma lógica
deslocada do mundo da vida”.
A
alienação está relacionada com a crescente cisão entre as instituições
objetivas de controle e de governo da população, das estruturas mais orgânicas
da sociedade. O capitalismo tardio de alguns países em condições de
vulnerabilidade, abre o caminho para as crises de legitimação e o seu principal
elemento são as tormentas relacionadas ao processo de representação. As crises
institucionais abertas pelo capitalismo tardio abrem o caminho para diversos
efeitos sociais.
A
perda de aderência das instituições democráticas e a fantasia relacionada com o
sistema de participação, alimentados pelo establishment político pavimentam a
estrada do populismo, que surge em um movimento pendular das sociedades
democráticas. O populismo se estabelece entre as estruturas do sistema democrático
e o salvamento popular proporcionados pela participação política que se estabelece
através do voto direto.
O
populismo por si só é capaz de produzir uma moralidade singular, na medida em
que coloca o povo como opositor da elite, de um lado a pureza da vontade
coletiva, de outro a forma elitista de ser permeada pelo sistema de corrupção.
Nesse
contexto, o populismo representa não somente a implosão do sistema
representativo, mas também uma prática política que não converge com o sistema
político democrático vigente.
Os autores apontam de forma muito significativa que o populismo encontra-se
cravado nas identidades coletivas e solapa os valores da cidadania liberal,
contribuindo para o esvaziamento da participação política.
Historicamente,
o termo populista foi empregado para dar nome aos líderes carismáticos em
países em desenvolvimento, com características nacionalistas, mas que contavam
com forte apoio popular e as oligarquias plantadas. A obra de Francisco
Weffort, O populismo na política brasileira traz uma contribuição significativa
para o entendimento da construção dos líderes carismáticos entre o período que
segue 1945 a 1964, que marca o primeiro período democrático, na medida em que
mergulha no “submundo” da política brasileira, desnudando políticos como Ademar
de Barros, Janio Quadros, Juscelino Kubstchek entre outros.
Nessa
perspectiva, Morelock e Narita resgatam o conceito de Stuart Hall e unem
autoritarismo e populismo – apontam que os contextos sociais e materiais que
desenvolvem o autoritarismo, também podem produzir o populismo. De forma
objetiva apontam que os populistas simplificam os procedimentos formais da
democracia, se colocando acima deles, mas sempre apoiados pelos resultados
majoritários das urnas e nem se importam com os freios e contrapesos colocados
pelo sistema político formal, uma vez que em linhas gerais se encontram em processo
de enfraquecimento causado pelo desgaste da representação política, por isso se
descortinam as relações autoritárias. Nesse sentido, populismo e rompantes
autoritários andam de mãos dadas e se identificam na medida em que coloca de um
lado um grupo identificado como povo e outro elite. Povo e elite se contrapõem
nas políticas ligadas ao populismo.
Os
autores usaram as obras de Habermas e Wallerstein para dar corpo ao processo de
desenvolvimento do populismo, na medida em que as teorias organizadas por ambos
apresentam argumentos palpáveis para o entendimento de como as ações populistas
tomam forma em nações ainda desprovidas de desenvolvimento social e econômico.
Norita e Morelack apontam que a divisão social do trabalho, o desenvolvimento
econômico e a urbanização estão enraizados no mundo da vida e influenciam os
movimentos populistas nesses países. Do ponto de vista de Habermas, a alienação
e o problema da representação de subgrupos na esfera pública contribuem para a
constituição do populismo, pois povo precisa ser defendido das ações antagônicas
provenientes desses elementos, uma vez que a esfera pública é uma forma
democratizante na sociedade moderna.
No
que se relaciona à obra de Wallerstein, os autores apontam que as mudanças que
ocorrem no sistema-mundo e os rearranjos econômicos causam um conjunto de
alterações sociais que por sua vez geram a pressão social. É aí que reside a
crítica dos autores ao sistema na medida em que “países e regiões são
hierarquicamente e funcionalmente divididos em “centros”, “semiperiferias” e
“periferias”. A dinâmica material, então, produz transformações históricas,
provocando a alteração daqueles três eixos centrais e implicando a reorientação
da posição de cada país junto ao sistema. Nosso argumento é que, à luz desse
dinamismo estrutura, movimentos populistas ganham corpo” (MORELOCK; NARITA, 2019,
p. 36)
Morelock
e Narita não se satisfazem apenas em trabalhar as questões políticas
relacionadas ao desenvolvimento do populismo, os autores trazem também aspectos
da psicologia para o trabalho, o que proporciona versatilidade intelectual para
a análise do fenômeno e novas formas de abordagem. O capitalismo moderno se desenvolve
através da alienação, o que nos faz
ficarmos desconectados e autointeressados por influências das propagandas e que
em períodos de crise social, as pessoas se frustram, se tornam confusas e desesperadas,
facilitando a construção de grupos com identidade forte e com ideias mais
explicitas, abrindo caminho para as personalidades com características
populistas.
Um
elemento amplamente trabalhado pelos autores na obra diz respeito ao processo
de desconstrução da racionalidade e do politicamente correto, ambos abrem
caminho para a ascensão do anti-intelectualismo. A atmosfera anti-intelectual
está ligada com a produção do sujeito neoliberal já que a necessidade de
potencializar o capital humano vai na contramão do conhecimento acadêmico. Em
linhas gerais, não há necessidade de desenvolvimento intelectual para o
desenvolvimento de uma vida puramente prática.
Nesse
sentido “as mitologias fascistas espreitam os desmoralizados e os suscetíveis,
oferecendo paliativos cognitivos de diversas formas. Os exemplos nesse sentido,
são a lealdade fervorosa a líderes carismáticos, a presença de narrativas
reivindicando uma idade de ouro perdida, a ênfase sobre um suposto direito de
dominação local ou de expansão global do poder e a unificação de uma comunidade
ética superior” (MORELOCK; NARITA, 2019, p. 56).
Em
linhas gerais, os autores apontam o populismo como sendo a ascensão de um grupo
que se autodenomina “povo” contra um inimigo nomeado “a elite” e definem
autoritarismo como a tentativa de uma homogeneização forçada, o populismo
autoritário é o lugar político onde populismo e autoritarismo se encontram.
Referências
WEFFORT,
Francisco. O populismo na política brasileira. São Paulo: Paz e Terra,
1980.
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