Tuesday 2 October 2018

Presidencialismo de coalizão - Resenha


ABRANCHES, Sérgio. Presidencialismo de coalizão: raízes e evolução do modelo político brasileiro. Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 2018.

 A esquerda, se não se repensar e não se refundar, perderá a legitimidade e a luta moral, rendendo-se à direita clientelista ou cedendo a hegemonia ao liberalismo conservador”
 Sergio Abranches


Resenha

O livro de Sérgio Abranches, escritor e cientista político traz em seu bojo uma discussão crítica e de profunda relevância sobre o presidencialismo de coalizão brasileiro.
Nesse contexto, Abranches não se curva ao simplismo estóico para organizar o seu livro, ele mergulha na história política do país de forma assaz, sem preconceitos com a direita ou a esquerda, mas pontuando de forma séria e absoluta as causas das mazelas do sistema político brasileiro, assim como deve fazer todos aqueles que se metem com as questões relacionadas à ciência.
Dizer que a democracia está em crise, para Abranches isso é senso comum - buscar as causas dessas crises é que é fundamental para poder transformá-la. Mergulhando na história do Brasil, Abranches traz elementos cruciais de identificação da crise no sistema de presidencialismo de coalizão.
Abranches abre três vertentes importantes para a organização de sua obra, a primeira delas vai de 1989 a 1930, que a história o rotulou de período oligárquico e que se denomina como Primeira República, o segundo período que se inicia em 1945 até o Golpe Militar de 1964 que o autor chama de Segunda República e a Terceira República a partir da organização da Constituição Federal de 1988, cujo presidencialismo de coalizão retornou com uma nova roupagem em suas características principais.
Tentando buscar as origens do sistema de presidencialismo de coalizão, Abranches identifica dois elementos como cruciais para o seu desenvolvimento: o presidencialismo e o federalismo. O presidencialismo se estabeleceu devido ao autoritarismo que perpassa as relações de poder no Brasil e o federalismo, porque desenvolveu em seu seio as condições ideais para a formação de grupos políticos para o controle da política estadual, e esses grupos passaram a ter poder e influência significativa no plano nacional.
Na Primeira República, havia um bipartidarismo fragmentado e a política tinha como base o poder local. Na Segunda República, a concentração do poder nas mãos do Poder Executivo, mas com os governadores de Estado influenciando as suas bancadas no Congresso Nacional e na Terceira República uma hipercentralização do federalismo, o fortalecimento dos poderes fiscais e legislativos do presidente da República e a ampla fragmentação do Congresso Nacional.
O fenômeno da coalizão política e sua relação com o clientelismo na política brasileira é um fenômeno histórico, mas não menos importante e não pode se tornar irrelevante nas discussões políticas brasileiras atuais – não pode ser relativizado e jogado para debaixo do tapete onde se cria o desenvolvimento do adágio popular “na política brasileira sempre foi assim, e sempre será”.
 A obra de Abranches trabalha justamente nessa linha, é preciso conhecer a história para transformá-la – o clientelismo e a prática da coalizão eram instrumentos políticos essenciais desde a Primeira República, através da manipulação de verbas e cargos públicos se organizava e estabelecia-se o vínculo entre os Estados e a União, fazendo-se a vontade dos interesses do plano federal através da coalizão dominante.
Durante a Segunda República, o Legislativo continuou mantendo as forças dominantes nos Estados e sua ligação com a União se estabelecia através do orçamento e dos cargos federais, mas com uma diferença crucial em relação à Primeira República – o fortalecimento do papel do Presidente que adquiriu poderes próprios com a Constituição de 1946.
Na Terceira República, o presidencialismo de coalizão é reinventado pela Constituição Federal de 1988 – através dela, o Presidente da República “ganhou novos poderes”, turbinados pela competência de legislar e governar através de medida provisória – tema esse que ganhou destaque na obra de Clemerson Merlin Cleve “Atividade Legislativa do Poder Executivo”.
Segundo Abranches (2018), a coalizão na Terceira República “trata-se de uma espécie de acordo prévio, pelo qual os partidos se dispõem a apoiar os projetos do Executivo, sob determinadas condições, a serem negociadas no momento da discussão e votação de cada um”
O autor salienta que o sistema político brasileiro não possui mecanismos políticos com agilidade para resolver os problemas entre o Poder Executivo e o Poder Legislativo, abrindo espaço para o desenvolvimento dos processos de “judicialização” da política – nesse contexto, Abranches relaciona o nascimento da judicialização como uma doença do sistema político que precisa de forma significativa ser combatida, antes que contamine a democracia existente.
Abranches não se furta em estabelecer uma relação crítica com o desenvolvimento da história brasileira, por isso que a sua obra pode ser considerada um marco para o entendimento das relações políticas. Relações que passam pela supressão da população nas tomadas de decisão do Estado, a construção de um sistema democrático protegido pelas elites, a baixa inclusão social, o desenvolvimento de partidos políticos dentro dos gabinetes do Congresso Nacional e sem aderência com as vozes que ecoam nas ruas.
A obra de Abranches aparece em um momento crucial da política e que se relaciona com a crise da democracia, que possui como ponto nevrálgico o sistema de representação política que está atrelado ao desenvolvimento da construção de coalizão para compor o governo – nessa perspectiva – Abranches não se furtou,  não apenas buscou as causas dos problemas relacionados com o processo de coalizão política como também  apontou caminhos no sentido de reescrever a história da democracia brasileira – para ele é fundamental a organização de uma Reconstituinte – segundo o autor, a Constituição Federal de 1988 foi escrita para um sistema político parlamentarista, mas que veio à pique com o Plebiscito realizado no ano de 1993 e por isso precisa ser reorganizada – o desenvolvimento de uma Reconstituinte é o caminho mais promissor para “equilibrar” o sistema político vigente e para proporcionar uma sobrevida ao sistema democrático com um todo.
Para Abranches, as reformas propostas pelos candidatos a Presidência em geral são inócuas, tendo em vista baixa capacidade de absorção pela sociedade, para ele, é necessário que se desenvolva uma construção coletiva que rompa com o modelo político vigente. A reforma político-institucional precisa ser feita mediante uma escolha coletiva com uma sociedade mobilizada para esse intento.

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