ABRANCHES, Sérgio. Presidencialismo de coalizão: raízes e
evolução do modelo político brasileiro. Rio de Janeiro: Companhia das Letras,
2018.
“A
esquerda, se não se repensar e não se refundar, perderá a legitimidade e a luta
moral, rendendo-se à direita clientelista ou cedendo a hegemonia ao liberalismo
conservador”
Sergio Abranches
Resenha
O
livro de Sérgio Abranches, escritor e cientista político traz em seu bojo uma
discussão crítica e de profunda relevância sobre o presidencialismo de coalizão
brasileiro.
Nesse
contexto, Abranches não se curva ao simplismo estóico para organizar o seu
livro, ele mergulha na história política do país de forma assaz, sem
preconceitos com a direita ou a esquerda, mas pontuando de forma séria e
absoluta as causas das mazelas do sistema político brasileiro, assim como deve
fazer todos aqueles que se metem com as questões relacionadas à ciência.
Dizer
que a democracia está em crise, para Abranches isso é senso comum - buscar as
causas dessas crises é que é fundamental para poder transformá-la. Mergulhando
na história do Brasil, Abranches traz elementos cruciais de identificação da
crise no sistema de presidencialismo de coalizão.
Abranches
abre três vertentes importantes para a organização de sua obra, a primeira delas
vai de 1989 a 1930, que a história o rotulou de período oligárquico e que se
denomina como Primeira República, o segundo período que se inicia em 1945 até o
Golpe Militar de 1964 que o autor chama de Segunda República e a Terceira
República a partir da organização da Constituição Federal de 1988, cujo
presidencialismo de coalizão retornou com uma nova roupagem em suas características
principais.
Tentando
buscar as origens do sistema de presidencialismo de coalizão, Abranches
identifica dois elementos como cruciais para o seu desenvolvimento: o
presidencialismo e o federalismo. O presidencialismo se estabeleceu devido ao
autoritarismo que perpassa as relações de poder no Brasil e o federalismo, porque
desenvolveu em seu seio as condições ideais para a formação de grupos políticos
para o controle da política estadual, e esses grupos passaram a ter poder e
influência significativa no plano nacional.
Na
Primeira República, havia um bipartidarismo fragmentado e a política tinha como
base o poder local. Na Segunda República, a concentração do poder nas mãos do
Poder Executivo, mas com os governadores de Estado influenciando as suas
bancadas no Congresso Nacional e na Terceira República uma hipercentralização
do federalismo, o fortalecimento dos poderes fiscais e legislativos do
presidente da República e a ampla fragmentação do Congresso Nacional.
O
fenômeno da coalizão política e sua relação com o clientelismo na política
brasileira é um fenômeno histórico, mas não menos importante e não pode se
tornar irrelevante nas discussões políticas brasileiras atuais – não pode ser
relativizado e jogado para debaixo do tapete onde se cria o desenvolvimento do
adágio popular “na política brasileira sempre foi assim, e sempre será”.
A obra de Abranches trabalha justamente nessa
linha, é preciso conhecer a história para transformá-la – o clientelismo e a
prática da coalizão eram instrumentos políticos essenciais desde a Primeira
República, através da manipulação de verbas e cargos públicos se organizava e
estabelecia-se o vínculo entre os Estados e a União, fazendo-se a vontade dos
interesses do plano federal através da coalizão dominante.
Durante
a Segunda República, o Legislativo continuou mantendo as forças dominantes nos
Estados e sua ligação com a União se estabelecia através do orçamento e dos
cargos federais, mas com uma diferença crucial em relação à Primeira República
– o fortalecimento do papel do Presidente que adquiriu poderes próprios com a
Constituição de 1946.
Na
Terceira República, o presidencialismo de coalizão é reinventado pela
Constituição Federal de 1988 – através dela, o Presidente da República “ganhou
novos poderes”, turbinados pela competência de legislar e governar através de
medida provisória – tema esse que ganhou destaque na obra de Clemerson Merlin
Cleve “Atividade Legislativa do Poder Executivo”.
Segundo
Abranches (2018), a coalizão na Terceira República “trata-se de uma espécie de
acordo prévio, pelo qual os partidos se dispõem a apoiar os projetos do
Executivo, sob determinadas condições, a serem negociadas no momento da
discussão e votação de cada um”
O
autor salienta que o sistema político brasileiro não possui mecanismos
políticos com agilidade para resolver os problemas entre o Poder Executivo e o
Poder Legislativo, abrindo espaço para o desenvolvimento dos processos de
“judicialização” da política – nesse contexto, Abranches relaciona o nascimento
da judicialização como uma doença do sistema político que precisa de forma
significativa ser combatida, antes que contamine a democracia existente.
Abranches
não se furta em estabelecer uma relação crítica com o desenvolvimento da
história brasileira, por isso que a sua obra pode ser considerada um marco para
o entendimento das relações políticas. Relações que passam pela supressão da
população nas tomadas de decisão do Estado, a construção de um sistema democrático
protegido pelas elites, a baixa inclusão social, o desenvolvimento de partidos
políticos dentro dos gabinetes do Congresso Nacional e sem aderência com as
vozes que ecoam nas ruas.
A
obra de Abranches aparece em um momento crucial da política e que se relaciona
com a crise da democracia, que possui como ponto nevrálgico o sistema de
representação política que está atrelado ao desenvolvimento da construção de
coalizão para compor o governo – nessa perspectiva – Abranches não se furtou, não apenas buscou as causas dos problemas relacionados
com o processo de coalizão política como também
apontou caminhos no sentido de reescrever a história da democracia
brasileira – para ele é fundamental a organização de uma Reconstituinte –
segundo o autor, a Constituição Federal de 1988 foi escrita para um sistema
político parlamentarista, mas que veio à pique com o Plebiscito realizado no
ano de 1993 e por isso precisa ser reorganizada – o desenvolvimento de uma
Reconstituinte é o caminho mais promissor para “equilibrar” o sistema político
vigente e para proporcionar uma sobrevida ao sistema democrático com um todo.
Para
Abranches, as reformas propostas pelos candidatos a Presidência em geral são
inócuas, tendo em vista baixa capacidade de absorção pela sociedade, para ele,
é necessário que se desenvolva uma construção coletiva que rompa com o modelo
político vigente. A reforma político-institucional precisa ser feita mediante
uma escolha coletiva com uma sociedade mobilizada para esse intento.
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