Wednesday, 3 December 2025

O café da manhã e a barata


A manhã começou como tantas outras: com a sonolenta intenção de preparar um café. Abri o armário da cozinha para pegar a chaleira, e eis que surge ela: uma barata, cruzando meu campo de visão em alta velocidade. Em pânico, a criatura correu para trás do lixo. Num reflexo impensado, derrubei o lixo no chão, espalhando detritos pela cozinha. A barata, aproveitando a confusão, buscou refúgio dentro do armário.

Vi-me obrigado a esvaziar o armário inteiro, um verdadeiro caos de panelas e utensílios. Finalmente, a encontrei. Uma chinelada certeira a deixou estatelada no chão, aguardando o destino final pela vassoura e pá. Não era minha intenção causar tanto alvoroço. O estrondo das panelas me deixou enjoado, o humor azedou, mas a vontade de tomar café, essa, persistia.

A água para o café foi ao fogão, um veterano de guerra que sempre demora a acender. Por um instante, cogitei desistir. Mas a teimosia falou mais alto. Enquanto a água se decidia a ferver, pensei em retomar a leitura do livro que jazia esquecido na mesa. Mas logo desisti, a água parecia demorar demais.

Se eu fosse mais moderno, talvez tivesse uma cafeteira. Menos esforço, menos utensílios, o mesmo resultado. Mas resisto. Em tempos de modernidade escrava, prezo pela utilidade humana, mesmo que, às vezes, me sinta tão inútil. Uma inutilidade que, curiosamente, não me tira o sono.

E como modernizar uma casa com alma antiga? Não seria um paradoxo? Já basta o computador, um intruso tecnológico que desafia a arquitetura da casa. O novo e o velho em constante diálogo, ou seria um embate? Até a televisão parece deslocada nesse cenário rústico.

Desisti do livro. Era hora de encarar os utensílios do café. E, claro, o coador sujo. Que suplício! Aquele pó marrom seco, que com o tempo adquire um cheiro nauseabundo. A garrafa de café então, um horror! Há tempos não a usava. Imagino o café fossilizado lá dentro, exalando um aroma capaz de provocar enjoos. Recorro à tática de ferver a água antes de abri-la, uma tentativa de evitar o ataque olfativo.

A despensa revelou a triste realidade: apenas duas fatias de pão. Suficientes para aplacar a fome matinal, mas o almoço já se anuncia como uma incógnita. Preparei a bandeja com esmero, visualizando o prazer de me aconchegar no quarto, sob o cobertor macio, com a bandeja sobre as pernas. Puro deleite matinal.

E então, o desastre. A água ferveu. Ao manusear a chaleira, um descuido fatal. A água escaldante atingiu meu braço, abrindo um vermelhão instantâneo. A dor lancinante, mas a prioridade era evitar derrubar a chaleira. Superei o momento de tormento e segui com a liturgia do café.

Preparei o café com garbo e elegância. Era o dia da estreia do novo jogo de xícaras, uma aquisição recente. Coloquei o pires e fiquei a observar a xícara... Uma pompa matinal que, apesar dos contratempos, me permitiu apreciar o sabor do café, sabendo que a vida é feita de imprevistos e pequenos rituais de prazer.

O cobrador e o desempregado


Três batidas secas na porta. Um ritmo familiar, quase uma melodia macabra que anuncia a chegada inevitável. O coração dispara, a respiração acelera. Olho pelo olho mágico. Bingo! O sorriso cordial e os olhos que farejam dívidas: o cobrador. Instintivamente, me encolho, buscando a invisibilidade no aconchego do lar. O silêncio se torna meu aliado, minha armadura.

Mas o destino, esse gozador, parece adorar minhas desventuras. No auge da minha estratégia de fuga, o telefone toca. Um toque estridente, quase um grito de socorro em meio ao meu teatro particular. Atendo? E se for aquela ligação importante, a chance de um novo emprego? O cobrador, implacável, insiste na sinfonia das batidas.

As contas... ah, as contas! Um emaranhado de boletos, faturas e lembretes que se acumulam como ervas daninhas na minha vida financeira. A grana curta, o aperto que não cessa. Penso em alternativas mirabolantes: vender minhas tralhas, virar artesão, apostar na loteria. Quem sabe encontrar um pote de ouro no quintal?

Tento me camuflar atrás da estante, torcendo para que o cobrador desista. Mas a pressão aumenta, a cada batida, a cada toque do telefone. Será que devo abrir a porta e encarar a fera? O medo do julgamento alheio me paralisa. O que ele vai pensar de mim, um inadimplente confesso?

A mentira surge como uma tentação. Inventar um salário atrasado, uma promessa de pagamento iminente. Mas a culpa me corrói. Não consigo compactuar com a desonestidade, mesmo em momentos de aperto. Respiro fundo e decido: serei honesto. Contarei a verdade nua e crua: estou desempregado.

Imagino a reação do cobrador. Um misto de incredulidade e impaciência. Ele lembrará dos juros astronômicos, da necessidade de quitar a dívida para limpar meu nome. A engrenagem implacável do sistema financeiro. Sinto um nó na garganta, uma mistura de vergonha e revolta.

A porta range. Abro-a lentamente. O sol da tarde invade a sala, iluminando o rosto do cobrador. Um sorriso amarelo escapa dos meus lábios.