Três batidas secas na porta. Um ritmo familiar, quase uma melodia macabra que anuncia a chegada inevitável. O coração dispara, a respiração acelera. Olho pelo olho mágico. Bingo! O sorriso cordial e os olhos que farejam dívidas: o cobrador. Instintivamente, me encolho, buscando a invisibilidade no aconchego do lar. O silêncio se torna meu aliado, minha armadura.
Mas o destino, esse gozador, parece adorar minhas desventuras. No auge da minha estratégia de fuga, o telefone toca. Um toque estridente, quase um grito de socorro em meio ao meu teatro particular. Atendo? E se for aquela ligação importante, a chance de um novo emprego? O cobrador, implacável, insiste na sinfonia das batidas.
As contas... ah, as contas! Um emaranhado de boletos, faturas e lembretes que se acumulam como ervas daninhas na minha vida financeira. A grana curta, o aperto que não cessa. Penso em alternativas mirabolantes: vender minhas tralhas, virar artesão, apostar na loteria. Quem sabe encontrar um pote de ouro no quintal?
Tento me camuflar atrás da estante, torcendo para que o cobrador desista. Mas a pressão aumenta, a cada batida, a cada toque do telefone. Será que devo abrir a porta e encarar a fera? O medo do julgamento alheio me paralisa. O que ele vai pensar de mim, um inadimplente confesso?
A mentira surge como uma tentação. Inventar um salário atrasado, uma promessa de pagamento iminente. Mas a culpa me corrói. Não consigo compactuar com a desonestidade, mesmo em momentos de aperto. Respiro fundo e decido: serei honesto. Contarei a verdade nua e crua: estou desempregado.
Imagino a reação do cobrador. Um misto de incredulidade e impaciência. Ele lembrará dos juros astronômicos, da necessidade de quitar a dívida para limpar meu nome. A engrenagem implacável do sistema financeiro. Sinto um nó na garganta, uma mistura de vergonha e revolta.
A porta range. Abro-a lentamente. O sol da tarde invade a sala, iluminando o rosto do cobrador. Um sorriso amarelo escapa dos meus lábios.

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