A manhã começou como tantas outras: com a sonolenta intenção de preparar um café. Abri o armário da cozinha para pegar a chaleira, e eis que surge ela: uma barata, cruzando meu campo de visão em alta velocidade. Em pânico, a criatura correu para trás do lixo. Num reflexo impensado, derrubei o lixo no chão, espalhando detritos pela cozinha. A barata, aproveitando a confusão, buscou refúgio dentro do armário.
Vi-me obrigado a esvaziar o armário inteiro, um verdadeiro caos de panelas e utensílios. Finalmente, a encontrei. Uma chinelada certeira a deixou estatelada no chão, aguardando o destino final pela vassoura e pá. Não era minha intenção causar tanto alvoroço. O estrondo das panelas me deixou enjoado, o humor azedou, mas a vontade de tomar café, essa, persistia.
A água para o café foi ao fogão, um veterano de guerra que sempre demora a acender. Por um instante, cogitei desistir. Mas a teimosia falou mais alto. Enquanto a água se decidia a ferver, pensei em retomar a leitura do livro que jazia esquecido na mesa. Mas logo desisti, a água parecia demorar demais.
Se eu fosse mais moderno, talvez tivesse uma cafeteira. Menos esforço, menos utensílios, o mesmo resultado. Mas resisto. Em tempos de modernidade escrava, prezo pela utilidade humana, mesmo que, às vezes, me sinta tão inútil. Uma inutilidade que, curiosamente, não me tira o sono.
E como modernizar uma casa com alma antiga? Não seria um paradoxo? Já basta o computador, um intruso tecnológico que desafia a arquitetura da casa. O novo e o velho em constante diálogo, ou seria um embate? Até a televisão parece deslocada nesse cenário rústico.
Desisti do livro. Era hora de encarar os utensílios do café. E, claro, o coador sujo. Que suplício! Aquele pó marrom seco, que com o tempo adquire um cheiro nauseabundo. A garrafa de café então, um horror! Há tempos não a usava. Imagino o café fossilizado lá dentro, exalando um aroma capaz de provocar enjoos. Recorro à tática de ferver a água antes de abri-la, uma tentativa de evitar o ataque olfativo.
A despensa revelou a triste realidade: apenas duas fatias de pão. Suficientes para aplacar a fome matinal, mas o almoço já se anuncia como uma incógnita. Preparei a bandeja com esmero, visualizando o prazer de me aconchegar no quarto, sob o cobertor macio, com a bandeja sobre as pernas. Puro deleite matinal.
E então, o desastre. A água ferveu. Ao manusear a chaleira, um descuido fatal. A água escaldante atingiu meu braço, abrindo um vermelhão instantâneo. A dor lancinante, mas a prioridade era evitar derrubar a chaleira. Superei o momento de tormento e segui com a liturgia do café.
Preparei o café com garbo e elegância. Era o dia da estreia do novo jogo de xícaras, uma aquisição recente. Coloquei o pires e fiquei a observar a xícara... Uma pompa matinal que, apesar dos contratempos, me permitiu apreciar o sabor do café, sabendo que a vida é feita de imprevistos e pequenos rituais de prazer.

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