Thursday 23 June 2022

Resenha da obra: Em defesa da política de Marco Aurélio Nogueira

 NOGUEIRA, Marco Aurélio. Em defesa da política. 2 ed. São Paulo: Senac, 2004.



Resenha

A obra de Marco Aurélio Nogueira, Em defesa da política trata-se da organização de uma série de textos em que o autor defende de forma voraz a política. Isso acontece por causa do desenvolvimento do tema nos últimos anos, tendo em vista a supremacia das questões econômicas sobre as questões políticas.

O mercado no mundo globalizado se sobrepôs às questões políticas e por outro lado uma certa demonização do universo político ocorreu, onde políticos são queimados nas fogueiras das redes sociais todos os dias, e uma áurea assombrosa tomou conta da política. Tentando defender o mundo da política, Marco Aurélio Nogueira construiu sua obra.

O livro é dividido em 10 textos...o primeiro deles, chama-se crise

A primeira questão levantada por Nogueira está relacionada com a idéia da economia, onde o tempo, a racionalidade e a tomada de decisão estão interligadas, prejudicando tempo da política. O tempo da economia é um...o tempo da política é outro...a economia precisa de solução para amanhã...na política é necessário construir o consenso, o que de certa forma leva tempo...e o tempo é uma ferramenta preciosa para o mercado e que não pode ser desperdiçado. Nesse contexto, um argumento semelhante a esse é encontrado na obra de Anthony Giddens, As consequências da modernidade, uma obra também muito interessante, onde vale a pena a leitura.

Nogueira deixa claro quando fala “há pouca política no debate político, pois este passou a depender muito mais do cronômetro que de argumento” (p.21)

No capítulo chamado Riscos e sentidos, Nogueira aponta para a natureza da política. Palavras como poder, autoridade, interesses, ambições, força, persuasão, leis, armas, afeto e repressão fazem parte do universo conturbado da política. A política exige de acordo com Nogueira uma concessão difícil de ser organizada, o do pensar coletivo..é necessário que seja lá quem faça a política pense do ponto de vista do outro e não apenas olhe para os seus próprios interesses...fazer política é pensar na coletivo, no interesse de todos os cidadãos.

No capítulo chamado complexidade e dialética, Nogueira organiza uma crítica ao processo de tecnicização da sociedade que se desencadeou nos últimos anos com o desenvolvimento da globalização. Segundo o autor, não tem como pensar a política como um espaço rígido controlado por técnicos.

O predomínio das questões técnicas e a autoridade dos especialistas empurraram os cidadãos para os bastidores das decisões políticas, causando o enfraquecimento da democracia. Nogueira aponta que a tecnocracia não combina com a democracia que no limite a sufoca e a liquida.

O argumento apresentado por Nogueira é de que na democracia todos podem decidir a respeito de tudo e nesse contexto, ela se choca abertamente com a tecnocracia, pois esta pretende que as decisões sejam tomadas pelos que detém conhecimentos especializados e estariam preparados para neutralizar as paixões e os interesses. A política para Nogueira é um espaço humano por excelência e não tecnológico como querem fazer parecer.

No capítulo intitulado Falhas e determinações, Nogueira aponta a principal função da política: a capacidade de tornar autoconsciente uma determinada comunidade e diz que se a política falha nessa função, ela se torna inútil e desinteressante. O argumento usado pelo autor nesse sentido é de que a política geralmente utilizada, é a política do poder, com pouco diálogo e ao mesmo tempo, com a ausência da política..e isso nos leva a um ambiente de dificuldade, uma vez que existe um processo de verticalização da política e uma certa dose de autoritarismo. Na verdade, existe um processo de demonização da política na estrutura social, na medida em que tudo pode ser considerado político...e esse conceito do político é de certa forma discriminado, sem sentido, inócuo e com a ideia de defesa de interesses de determinados grupos.

Para melhorar as falhas do sistema político, Nogueira aponta a necessidade de se organizar uma reforma política, mas de forma crítica aponta que não pode haver reforma política sem reformar os políticos e o sistema de uma certa forma, já que o sistema não funciona de forma adequada. É necessário colocar a política e a vida no mesmo patamar...na visão do autor, a política está acima das condições na vida, na medida em que é usada como instrumento de perpetuação do poder...A política não pode ser vista como instrumento de poder, mas sim de diálogo para que possa ter uma melhor resolução das questões da vida.

No ensaio intitulado “As três políticas”, Nogueira aponta a existência da Política dos políticos, a Política dos cidadãos, e a Política dos Técnicos.

Sobre a política dos políticos, o autor aponta que se trata da política com pouca política. Essa política está atrelada às questões da realidade, com aquilo que é possível abrindo caminho para a politicagem dos oportunistas de plantão.

A política dos cidadãos, a política que busca o bem comum, no aproveitamento civilizado do conflito e da diferença, no valor dado ao diálogo, do consenso e da comunicação. É a política com muita política.

A política dos técnicos, essa política é a não política, ela se apóia na valorização da técnica, da gestão, da administração sobre o governar, o articular. Para a política dos técnicos “onde há política ou poder, há corrupção”.

No capítulo denominado “A globalização da política”, Nogueira traça um lugar comum dentro do tema, onde suas críticas já são conhecidas do imenso público, mas o ponto fundamental está atrelado à desmontagem do processo de representação política e a imersão de sociedades complexas e desterritorializadas, desenvolvendo o ciberespaço.

Segundo Nogueira, a globalização da política produz crise porque é capaz de desconstruir o espaço de mediação política, ela coloca em xeque a capacidade societal de produzir símbolos unificadores e de relacionamentos.

No capítulo Cidadania travada, Nogueira aponta a luta pela extensão da cidadania, pela transformação de todos em cidadãos e faz parte do conflito social da época. A luta pela cidadania é uma constante dentro do processo político moderno. Na visão do  autor, a extensão da cidadania vincula-se à dinâmica democrática e vai depender sobretudo da instauração de regimes representativos e do fortalecimento dos mecanismos de participação no interior do diferentes Estados: da dissolução das diversas formas de poder concentrado, de uma maior socialização da política, da conciliação da ideia de que o poder pode ser limitado.

No ensaio “Governar”, o autor aponta que a Política tem no ato de governar um de seus atributos mais importantes, complexos e sofisticados. A associação do político ao governante é muito comum na sociedade moderna. A interação entre boas leis e os homens precisa ser uma constante no sentido de construir uma boa relação. A tomada de decisão é fundamental nesse sentido, pois nem sempre atende ao interesse de todos os cidadãos.

Diz Nogueira, governar é antes de tudo, agir sobre recursos e pessoas. Governamos espaços, territórios, fronteiras e recursos materiais, assim como governamos paixões, interesses, emoções, grupos e indivíduos.

Uma questão importante e que é trabalhada por Nogueira é a organização do e-government. Trata-se de uma exigência da sociedade contemporânea...mas o autor expõe uma visão crítica do processo uma vez que a sociedade não é eletrônica..de qualquer forma, existe a necessidade de se adaptar a essa nova exigência. De qualquer forma, fica difícil o avanço tecnológico sem a retomada da política. O diálogo e a negociação, vem antes do avanço tecnológico.

No ensaio chamado Ruídos democráticos, Nogueira aponta que existe um desinteresse significativo sobre as questões políticas..a supremacia das questões econômicas..a existência de um grande mercado e pouco Estado. A questão política atrelada somente ao voto...isso desgastou o cenário da política. A questão sofrida da representação política..e pouca participação direta da população nas tomadas de decisões...mas de qualquer forma, existe uma luz no fim no túnel, já que o desenvolvimento pode acelerar a participação política direta do cidadão nas tomadas de decisão do Estado.

Para Nogueira, só existe saída para a retomada da política pela Esquerda...De acordo com o autor, a defesa da política fica assim suspensa, à espera da plena reposição da esquerda como força de governo, crítica e contestação.

 

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