Thursday 30 July 2015

Resenha - O mito do progresso

“O mito do progresso ou o progresso com ideologia” (Unesp, 2012, 331 p.) do  Engenheiro de Produção Gilberto Dupas traz um conjunto de idéias críticas sobre o progresso e seu consequente processo de evolução. O progresso é visto como um processo, como um caminho que levará a humanidade rumo à prosperidade e  bonança.
Esse avanço do progresso está calcado em dois pilares fundamentais: o acúmulo de conhecimento científico e tecnológico e à melhoria moral e espiritual do homem – esses pilares propostos por Dupas convergem com a proposta de Celso Furtado para quem o desenvolvimento é a evolução de um sistema social de produção mediante a acumulação e o progresso das técnicas.
No entanto, o conceito de progresso, tanto em Dupas quanto em Furtado está atrelado ao desenvolvimento da ciência – ela vai ser a mola propulsora que irá desenvolver as ações para a construção do futuro.
Futuro esse permeado pela racionalidade e pelo agir pensativo, mas a partir do século XVIII outras nuances foram se incorporando ao conceito de progresso - o bem estar social, a igualdade e a soberania popular através do desenvolvimento do sistema democrático.
Dupas aponta para o sentido negativo do conceito de racionalidade e resgata a idéia de Max Weber para quem o destino do nosso tempo que se caracteriza pela racionalização e pela intelectualização nos conduz ao processo de “desencantamento do mundo”, banindo dos aspectos coletivos os valores supremos e mais sublimes.
Nesse contexto, a liberdade se transformou em condição sine qua non para a conquista do progresso, mas nem só de liberdade se caracteriza o progresso, tendo em vista que de uma forma geral, os homens não são bons, os homens são maus por natureza, por isso que a liberdade por si só, não seria capaz de levar os homens a um mundo de felicidade – há a necessidade de atuação de um Estado, o Estado citado por Thomas Hobbes na obra “O Leviatã” que se coloca acima dos homens para evitar a guerra de todos contra todos.
Sem liberdade na acepção liberal do termo não há condições de se propor ideais de progresso – nesse ponto compete destacar que o progresso pode ser considerado tanto o lado social, quanto o desenvolvimento material, uma vez que a ação do livre mercado é fundamental para a construção do futuro – por outro lado, na acepção socialista, o progresso e o desenvolvimento do homem encontra-se calcado sobre a construção de políticas por parte do Estado – essa é a visão dos socialistas.
O desenvolvimento técnico da sociedade não é capaz de conduzir a sociedade à felicidade ampla – ele carrega em seu bojo aspectos relacionados à exclusão social, pobreza e miséria.    Felicidade, paz e alegria são palavras que não combinam com o conceito de progresso estabelecido pela sociedade contemporânea. Não se pode estabelecer a relação entre consumo e felicidade, como se felicidade fosse um fetiche ou algo que se compra na esquina. A proposta de progresso na sociedade contemporânea pode ser vinculada ao conceito de reificação proposto por Karl Marx onde os objetos tomam significados à frente do sujeito, desenhando um cenário de alienação.
No contexto geral, o conceito de progresso contorna uma relação perigosa diante da sociedade – uma vez que leva sobretudo à destruição do mundo da política, onde os diálogos são interrompidos e se impõe as relações de lógica comercial e o determinismo implacável da realidade.
Dupas trabalha a construção do  conhecimento como verdade. Nesse ponto, um aspecto interessante se impõe na medida em que o homem se coloca como Deus, sendo assim, capaz de prever as ações futuras, tendo como base a ação racional – dessa forma, as ações com base na ciência eliminam as influências de crenças e também a intensidade do medo.
Dentro da concepção de progresso, conhecimento significa poder, na medida em que ele é capaz de propor transformações e construir novos objetos de consumo. Nesse contexto, o mercado se torna indiferente às pessoas, na medida em que tudo pode ser descartável e ter valor de troca, desvalorizando as relações humanas e estabelecendo medidas para a construção de um novo conceito de cidadania – que pode ser denominada de cidadania mercadológica ou seja, aquela que se contrapõe ao conceito clássico de cidadania, onde a base são as relações humanas e sociais.
Outro aspecto salientado por Dupas e que merece destaque é o fenômeno da globalização, que dominou as relações políticas e econômicas com mais afinco a partir dos anos 90 do século passado – aponta o autor que esse fenômeno desencadeou ainda mais o individualismo na sociedade, dificultando a criação de vínculos mais humanos e acirrando a competição, onde quem se destaca são os donos do capital, uma vez que conseguem levar vantagem em tudo, acelerando a ampliação da miséria.
Nesse contexto, compete salientar e ressaltar o papel do Estado uma vez que a globalização nos impõe o Estado mínimo, ou seja, menor interferência sobre as relações econômicas, mas como destaca Sachs, os neoliberais defendem um Estado  mínimo e fraco, mas o desafio é o de reconstruir um Estado mais enxuto, mas também forte, guardião e promotor do interesse público, desempenhando um papel central na nova ordem social emergente, alicerçada na busca racional de órgãos coletivos.
O sucateamento dos Estados nacionais, a flexibilidade das relações de trabalho, a ampliação do desemprego, estabeleceu uma crise constante do sistema através do acréscimo da pobreza e a ambição proporcionada pelo consumo – nesse contexto, como conciliar consumo e desemprego?
Com o quadro social de miséria se ampliando, é necessário colocar um freio na escalada do progresso, uma vez que de acordo com os relatórios ambientais, a Terra não está sendo capaz de fornecer matéria prima para a escalada do desenvolvimento pretendido, gerando uma crise ambiental sem precedentes na história da humanidade– nesse contexto, o desenvolvimento de atitudes permeadas pela ética é necessária, tendo em vista a melhoria das relações humanas, sociais e principalmente mercadológicas.
O capitalismo nas bases atuais atua como promotor da ciência, sucateando produtos em curto espaço de tempo, propondo inovações constantes na tentativa de  criar  novos hábitos de consumo – nesse contexto, cabe a pergunta: até onde irá esse modelo de desenvolvimento sendo que a Terra apresenta sinais de desgaste? Dupas estabelece de forma categórica uma análise crítica desse processo como um todo, os seus argumentos apontam para o falecimento do modelo de desenvolvimento pretendido.
Outro aspecto mencionado pelo autor em seu livro e estabelecido com muita competência é a influência do modelo de desenvolvimento nos aspectos relacionados à saúde – a produção em larga escala, o uso abusivo de conservantes, a utilização desenfreada de agrotóxicos nos alimentos, a fragilidade dos planos de saúde, a “produção” de seres humanos in vitro, assim como a consequente ampliação dos casos de câncer, dos problemas psicológicos denominados de doenças modernas. Esses são pontos importantes discutidos por Dupas tendo em vista que são expostos como as consequências do modelo de desenvolvimento imposto.
Como desdobramento da obra, Dupas aponta a degradação do meio ambiente como grande ameaça à vida na Terra. O autor cita a corrosão da biodiversidade, a devastação florestal, a  mudança climática com o consequente aquecimento global. Um ponto interessante abordado na obra diz respeito ao processo de urbanização desencadeado nos últimos trinta anos – de acordo com esse processo, a maioria das pessoas na Terra passaram a viver em centros urbanos, inflando as cidades, contribuindo para o acréscimo do consumo, assim como com a ampliação da pobreza e a degradação dos modos de vida: aculturação, zonas de pobreza e drogadição.
Como medidas para combater o aumento da poluição e a diminuição dos efeitos do gás estufa, as nações não conseguem chegar a um denominador comum, enquanto alguns tentam impor discussões e assinar Tratados para combater os problemas contemporâneos, outras se desviam do foco, saem do centro de discussão e faz jogo de empurra para não cumprir, como exemplo, pode ser citado o Protocolo de Kyoto, onde quem não assinou foram os Estados Unidos, mesmo com pressão da comunidade internacional.
De uma forma geral, o cenário mundial não se caracteriza como nada animador. A tese de que a ciência seria capaz de resolver todos os  problemas da humanidade, de acordo com Dupas, caiu por terra, uma vez que a crise se tornou permanente. Palavras como liberdade e felicidade tornaram o homem escravo – escravo da insatisfação, do anseio por consumo, do querer sempre mais. O determinismo econômico dá as cartas do jogo e amplia a pobreza existente e os Estados nacionais não conseguem trabalhar para diminuir as diferenças sociais.
Tanto a felicidade quanto a liberdade são conceitos que precisam ser trabalhados, pois seus conteúdos estão vazios – é necessário sobretudo qualifica-los. A virtude do conceito de progresso está centralizado sobre a liberdade – nesse contexto, Dupas expõe a dificuldade do conceito de liberdade se expor, tendo em vista que as condições colocadas pela realidade é desigual. Como conciliar liberdade e desigualdade social? Se liberdade está atrelada à concepção de luta ou seja, do esforço do indivíduo para conquistar determinada posição social ou para conseguir ser um “cidadão moderno”, como analisar o processo educacional? Se é a educação que dá a capacidade do indivíduo de tomar as rédeas do próprio destino – compete salientar, esse sistema educacional perpetrado pelo conceito de progresso trabalha para que as diferenças sociais diminuam e o indivíduo tenha a capacidade de outorgar a sua própria liberdade?
Dupas é pessimista quanto ao modelo de educação vigente e estabelece que é necessário organizar reformas quanto à sua forma e conteúdo, tendo em vista que trabalha apenas para perpetuar as diferenças de classes sociais na perspectiva de treinar mão de obra para o mercado emergente e ampliar o exército proletariado de reserva.
Tendo em vista a criticidade que permeia a obra de Dupas, sua obra é de leitura obrigatória para todos aqueles que estão devidamente preocupados com o destino da humanidade. O mito do progresso, não é uma obra restrita apenas aos estudantes de ciências humana, ela possui um alcance científico infindável.
Embora a sua leitura possa ser um pouco cansativa e suas críticas ao modelo possa ser deveras ácidas, a sua leitura é devidamente recomendável.








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