Sunday 20 January 2019

Norberto Bobbio - Resenha do capítulo "O futuro da democracia"


BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia. In: O futuro da democracia. 7 ed. São Paulo: Paz e Terra, 2000.


Será que não existe algum critério capaz de distinguir o interesse geral do interesse particular?”


Resenha do Capítulo 1
“O futuro da democracia”


Em O futuro da democracia escrito nos anos 90, Norberto Bobbio tenta esboçar através de uma análise perspicaz dos modelos democráticos existentes como seria a democracia que estava por vir.
No primeiro capítulo do livro chamado “O futuro da democracia”, o autor inicia pontuando de forma objetiva que democracia trata-se de um “conjunto de regras (primárias ou fundamentais) que estabelecem quem está autorizado a tomar as decisões coletivas e com quais procedimentos”.
Nesse contexto, Bobbio salienta as diferenças entre a democracia dos antigos e a democracia dos modernos para falar sobre o processo de transformação pelo qual passou o sistema democrático nos últimos anos.
A democracia dos antigos possuía uma participação mais direta da população nas tomadas de decisão. A democracia dos modernos trata a participação da população em processos eleitorais, viabilizando o sistema de representação política.
O autor salienta a diferença entre a democracia real e a democracia ideal – a relação entre o que foi prometido e o que realmente ela entrega. Bobbio salienta de forma objetiva que a sociedade política é o produto artificial da vontade dos indivíduos – e o que realmente a democracia entrega é a vontade dos grupos, das grandes corporações, que “brigam” a todo instante para influenciar decisões políticas e se beneficiar de alguma forma através das políticas organizadas pelo Estado.
A relação da representação política na democracia moderna estabelece o vínculo entre o todo e as partes, a representação política na sua forma tradicional deveria atender o interesse em geral da população, mas esse princípio é o oposto sobre o qual se funda a representação dos interesses, uma vez que o representante deverá perseguir os interesses particulares – é o que Bobbio denomina de mandato vinculado.
De forma objetiva, os grandes grupos financiam as campanhas políticas de vereadores, deputados, senadores etc e os políticos ficam “comprometidos” com esses grupos.
Por conseguinte, Bobbio indaga: será que não existe algum critério capaz de distinguir o interesse geral do interesse particular?
A baixa participação política que ocorre no modelo atual de democracia e os poucos espaços existentes para participar são motivos que preocupam o autor, tendo em vista que esses fenômenos juntos podem levar o modelo à exaustão, pois existirá a pequena capacidade de propor a alternância de poder.
Bobbio denomina de “poder invisível” alguns grupos que tentam influenciar as políticas de Estado – como exemplo de poder invisível o autor cita a máfia e os serviços secretos. A não eliminação desses grupos por parte do sistema democrático é capaz de fazer sucumbir o modelo, tendo em vista o poder de força criado e a concorrência do poder do Estado – nesse contexto, vale salientar o conceito weberiano de que só o Estado deveria utilizar o monopólio da força – esses grupos são capazes de criar um poder paralelo.
Outro ponto importante e que a democracia não foi capaz de desenvolver foi a educação para a cidadania – o modelo democrático vigente trabalhou no sentido de criar cidadão passivos e não cidadãos ativos para usar a linguagem de Bobbio – nesse contexto, quanto mais um cidadão é exigente e crítico com a realidade social, maior a capacidade do sistema se desenvolver. A existência de cidadãos passivos pode levar o modelo a um sistema amorfo e de baixa capacidade de respostas dos problemas dos cidadãos.
Embora o texto possa nos direcionar a uma relação pessimista do modelo democrático, o autor nos tranquiliza apontando que o projeto político democrático e que está em vigor não foi idealizado para uma sociedade complexa como a de hoje, por isso a sensação de que a democracia “não cumpriu suas promessas”
 As promessas apontadas não foram cumpridas por causa de obstáculos que não estavam previstos e que surgiram no bojo das “transformações” da sociedade civil.
Bobbio apresenta três “transformações” como principais:
      Ampliação dos problemas políticos que requerem soluções técnicas;
A tecnocracia e a democracia são termos antitéticos: o protagonista da sociedade industrial é um técnico e não um cidadão comum;
      A burocracia
O Estado democrático e Estado burocrático estão interligados;
      Rendimento do sistema democrático como um todo;
A sociedade civil é uma fonte inesgotável de demandas que são enviadas aos governos e estes por sua vez apresentam lentidão para tomar decisões e apresentar respostas e é sobre esse contexto que o Poder Executivo concentra poderes, na medida em que estabelecer discussões com mais de quinhentos deputados para a tomada de decisão é muito mais desgastante e que requer tempo, tempo que a política não dá, não permite, sendo necessário a criação e o desenvolvimento de novos instrumentos legais de atuação dentro do sistema democrático, como por exemplo, o uso de lei, medida provisória e assim por diante.
Embora o texto de Norberto Bobbio tenha sido organizado no começo dos anos 90 do século passado os questionamentos apresentados são sempre atuais, tendo em vista que o sistema embora tenha sofrido algumas modificações, ainda não foi capaz de dar uma resposta adequada à sociedade, colocando em dúvidas o próprio futuro da democracia.



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