
BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia. In: O futuro da democracia. 7 ed. São
Paulo: Paz e Terra, 2000.
“Será
que não existe algum critério capaz de distinguir o interesse geral do
interesse particular?”
Resenha do Capítulo 1
“O futuro da democracia”
Em O futuro da
democracia escrito nos anos 90, Norberto Bobbio tenta esboçar através de uma
análise perspicaz dos modelos democráticos existentes como seria a democracia
que estava por vir.
No primeiro capítulo
do livro chamado “O futuro da democracia”, o autor inicia pontuando de forma
objetiva que democracia trata-se de um “conjunto de regras (primárias ou
fundamentais) que estabelecem quem está autorizado a tomar as decisões
coletivas e com quais procedimentos”.
Nesse contexto,
Bobbio salienta as diferenças entre a democracia dos antigos e a democracia dos
modernos para falar sobre o processo de transformação pelo qual passou o
sistema democrático nos últimos anos.
A democracia dos
antigos possuía uma participação mais direta da população nas tomadas de
decisão. A democracia dos modernos trata a participação da população em
processos eleitorais, viabilizando o sistema de representação política.
O autor salienta a
diferença entre a democracia real e a democracia ideal – a relação entre o que
foi prometido e o que realmente ela entrega. Bobbio salienta de forma objetiva
que a sociedade política é o produto artificial da vontade dos indivíduos – e o
que realmente a democracia entrega é a vontade dos grupos, das grandes
corporações, que “brigam” a todo instante para influenciar decisões políticas e
se beneficiar de alguma forma através das políticas organizadas pelo Estado.
A
relação da representação política na democracia moderna estabelece o vínculo
entre o todo e as partes, a representação política na sua forma tradicional
deveria atender o interesse em geral da população, mas esse princípio é o
oposto sobre o qual se funda a representação dos interesses, uma vez que o
representante deverá perseguir os interesses particulares – é o que Bobbio
denomina de mandato vinculado.
De
forma objetiva, os grandes grupos financiam as campanhas políticas de
vereadores, deputados, senadores etc e os políticos ficam “comprometidos” com
esses grupos.
Por
conseguinte, Bobbio indaga: será que não existe algum critério capaz de
distinguir o interesse geral do interesse particular?
A
baixa participação política que ocorre no modelo atual de democracia e os
poucos espaços existentes para participar são motivos que preocupam o autor,
tendo em vista que esses fenômenos juntos podem levar o modelo à exaustão, pois
existirá a pequena capacidade de propor a alternância de poder.
Bobbio
denomina de “poder invisível” alguns grupos que tentam influenciar as políticas
de Estado – como exemplo de poder invisível o autor cita a máfia e os serviços
secretos. A não eliminação desses grupos por parte do sistema democrático é
capaz de fazer sucumbir o modelo, tendo em vista o poder de força criado e a
concorrência do poder do Estado – nesse contexto, vale salientar o conceito
weberiano de que só o Estado deveria utilizar o monopólio da força – esses
grupos são capazes de criar um poder paralelo.
Outro
ponto importante e que a democracia não foi capaz de desenvolver foi a educação
para a cidadania – o modelo democrático vigente trabalhou no sentido de criar
cidadão passivos e não cidadãos ativos para usar a linguagem de Bobbio – nesse contexto,
quanto mais um cidadão é exigente e crítico com a realidade social, maior a
capacidade do sistema se desenvolver. A existência de cidadãos passivos pode
levar o modelo a um sistema amorfo e de baixa capacidade de respostas dos
problemas dos cidadãos.
Embora
o texto possa nos direcionar a uma relação pessimista do modelo democrático, o
autor nos tranquiliza apontando que o projeto político democrático e que está
em vigor não foi idealizado para uma sociedade complexa como a de hoje, por
isso a sensação de que a democracia “não cumpriu suas promessas”
As promessas apontadas não foram cumpridas por
causa de obstáculos que não estavam previstos e que surgiram no bojo das
“transformações” da sociedade civil.
Bobbio
apresenta três “transformações” como principais:
• Ampliação
dos problemas políticos que requerem soluções técnicas;
A
tecnocracia e a democracia são termos antitéticos: o protagonista da sociedade
industrial é um técnico e não um cidadão comum;
• A
burocracia
O
Estado democrático e Estado burocrático estão interligados;
• Rendimento
do sistema democrático como um todo;
A
sociedade civil é uma fonte inesgotável de demandas que são enviadas aos
governos e estes por sua vez apresentam lentidão para tomar decisões e
apresentar respostas e é sobre esse contexto que o Poder Executivo concentra poderes, na medida em que estabelecer discussões com mais de quinhentos deputados para a tomada de decisão é muito mais desgastante e que requer tempo, tempo que a política não dá, não permite, sendo necessário a criação e o desenvolvimento de novos instrumentos legais de atuação dentro do sistema democrático, como por exemplo, o uso de lei, medida provisória e assim por diante.
Embora
o texto de Norberto Bobbio tenha sido organizado no começo dos anos 90 do
século passado os questionamentos apresentados são sempre atuais, tendo em
vista que o sistema embora tenha sofrido algumas modificações, ainda não foi
capaz de dar uma resposta adequada à sociedade, colocando em dúvidas o próprio
futuro da democracia.
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