Saturday 20 September 2008

Democracia e planejamento urbano: algumas questões de interesse

1. Democracia e planejamento urbano


Na visão de BOBBIO (2000) existem dois tipos de democracia: a democracia dos antigos e a democracia dos modernos. A democracia dos antigos se caracteriza pela participação direta dos cidadãos nas tomadas de decisão. A democracia dos modernos permite que o posicionamento político seja elaborado por um representante.
Na democracia dos antigos, ou mais especificamente na democracia direta, os cidadãos podiam decidir sobre os fins da atividade política. A política nesse tipo de democracia era compreendida como direito de todos e não permitia a existência do político profissional. Existia na democracia dos antigos o fenômeno da delegação, o que não pode ser comparado com a representação da democracia dos modernos. A delegação não estava acompanhada do direito de decidir, seria apenas para enviar um porta voz sem poder de decisão plena.
Na democracia dos modernos, o cidadão aliena seu poder de decisão a outrem. Através da prática do sufrágio os cidadãos elegem seus representantes. Nesse sentido, alguns problemas da democracia dos modernos foram mapeados por SOUZA (2000), entre eles, os seguintes: a administração e o planejamento racionais que pregam sobretudo a otimização dos meios e a presunção dos fins (questão relacionada à manutenção e aprimoramento do status quo), a razão universalista serve de pretexto para a ampliação da exclusão social e à opressão; o Estado não é uma figura neutra.
De acordo com BOBBIO (2000, p. 30) democracia “...é um conjunto de regras (primária e fundamentais) que estabelecem quem está autorizado a tomar decisões coletivas e com quais procedimentos”. Para que uma determinada decisão seja aceita como decisão coletiva faz-se necessário que a mesma seja colocada sobre regras e que as mesmas estabeleçam quais os indivíduos estão autorizados a tomar decisão.
Segundo BOBBIO (2000, p. 31), “...a regra fundamental da democracia é a regra da maioria, ou seja, a regra à base da qual são consideradas decisões coletivas – e portanto, vinculadas para todo o grupo – as decisões aprovadas ao menos pela maioria daqueles a quem compete tomar a decisão”.
A democracia dos modernos está relacionada com o fenômeno da representação política. Por conseguinte, essa representação política apresenta três aspectos que são importantes para um bom funcionamento do processo democrático: o input, o output e o feedback. O input está relacionado com as demandas da sociedade. O output está relacionado com as respostas dos governos em relação às demandas da sociedade. O feedback é a reciprocidade existente entre governo e sociedade na busca de soluções para os problemas existentes. Quando um desses itens não apresenta mecanismos de eficácia a democracia apresenta um sintoma de inoperância sendo capaz até de colocar em dúvida a governabilidade. Governabilidade de acordo com o relatório da OEA (2001, p. 1) significa “...estabilidade política e institucional e eficácia decisória e administrativa”.
De acordo com a visão de BOBBIO (2000) apresenta três argumentos que dão sustentabilidade à sua tese: o primeiro deles está relacionado com a complexidade que revestiu a economia nos últimos anos, aumentando os problemas políticos que exigem o conhecimento de uma determinada técnica. De acordo com o pensador italiano

...tecnocracia e democracia são antitéticas: se o protagonista da sociedade industrial é o especialista, impossível que venha a ser o cidadão qualquer. A democracia sustenta-se sobre a hipótese de que todos os cidadãos podem decidir a respeito de tudo. A tecnocracia, ao contrário pretende que sejam convocados para decidir apenas aqueles poucos que detêm conhecimentos específicos (BOBBIO, 2000, p. 36).

Do ponto de vista de DUPAS (2003, p. 17) “...o desenvolvimento de uma extraordinária competência do agir técnico acabou correspondendo ao crescimento paralelo de nossa impotência em resolver politicamente os problemas coletivos da humanidade, tais como a desigualdade, a miséria e a degradação do meio ambiente”.
O segundo ponto mencionado por BOBBIO (2000) está localizado no aparato burocrático do poder que está ordenado do vértice à base, e portanto de forma oposta ao sistema democrático. Na visão de BOBBIO (2000, p. 47) “...todos os Estados que se tornaram mais democráticos tornaram-se ao mesmo tempo mais burocráticos, pois o processo de burocratização foi em boa parte uma consequência do processo de democratização”.
O terceiro item mencionado pelo autor está relacionado com o baixo rendimento do sistema democrático. O liberalismo contribuiu de forma significativa para o não cumprimento das promessas da democracia. A democracia suscita sobretudo a participação do cidadão ampliando consequentemente a demanda por ação do Estado. Conforme expõe BOBBIO (2000, p. 48) “...o processo de emancipação fez com que a sociedade civil se tornasse cada vez mais uma inesgotável fonte de demandas dirigidas ao governo, ficando este, para bem desenvolver sua função, obrigado a dar respostas sempre adequadas”.
Na concepção de SOUZA (2000, p. 326) o Estado é uma “...condensação de uma relação de forças entre classes e frações de classe”. Por conseguinte, o Estado tende a favorecer os interesses dos grupos e das classes dominantes uma vez que os mesmos possuem maior poder de influência e sobretudo da capacidade técnica para a tomada de decisão. Esse fenômeno contrapõe o interesse da coletividade com o interesse daqueles que detêm o acesso mais fácil ao poder. Nesse sentido, “...a sociedade da qual o Estado é o supremo regulador não é natural, mas historicamente determinada, caracterizada por formas de produção e relações sociais. O Estado, comitê da classe dominante, afirma os interesses particularistas” (DUPAS, 2003, p. 35).

O poder do Estado vai sendo substituído pela influência direta das organizações instrumentais que perseguem a realização contextual de objetivos particulares. O Estado se fragmenta em múltiplas instâncias decisórias e deixa de desempenhar o papel de centro da coordenação capaz de induzir com legitimidade uma direção ao conjunto social ou uma finalidade comum entre os atores (DUPAS, 2003, p. 19).

Uma das questões levantada pela democracia dos modernos está relacionada com a participação do cidadão na elaboração de políticas. Esse fenômeno é a pedra angular do sistema democrático, pois é através da participação que o cidadão ampliará seu leque de direitos e também será uma arma para o mesmo fiscalizar as atividades dos seus representantes. “Ao participar de uma decisão, um cidadão se sente muito mais responsável pelo seu resultado – para o bem, caso a decisão se mostre acertada, e para o mal, caso a decisão se revele equivocada” (SOUZA, 2000, p. 332).
Muitos mecanismos estão sendo criados na democracia contemporânea para ampliar a participação da população nas tomadas de decisão do Estado. No caso específico do planejamento urbano, algumas medidas foram tomadas, como a elaboração do Estatuto da Cidade que prevê a participação do cidadão na elaboração do Plano Diretor, a criação dos orçamentos participativos onde se estabelece um mecanismo de democracia direta. No entanto, tais mecanismos ainda são insuficientes pois esbarram sobretudo no tecnicismo que reveste o tema.

2. Planejamento urbano e interesses

O desenvolvimento tecnológico contribuiu e muito para o processo de exclusão social que assola não somente o Brasil, mas todos os países que possuem uma economia com status de emergente, Segundo TEIXEIRA (2001, p. 34) “...o desenvolvimento tecnológico tornou mais complexas as questões submetidas às decisões, exigindo maior competência técnica e ampliando o poder dos que detêm o conhecimento científico”.
Uma tentativa de coordenar o planejamento urbano no âmbito federal foi desencadeada no Brasil a partir dos anos 70, quando o país era governado pelas mãos-de-ferro do Regime Militar, uma vez que o Brasil somava à sua história um processo de crescente urbanização.
A fragmentação e a descoordenação no âmbito federal atuaram como fator de desestímulo ao planejamento local. A criação da Cohab que possuía atuação local e os eu relacionamento com o BNH que possuía uma atuação federal é um dos exemplos que podem ser citados, no entanto, mesmo o Poder Federal atuando de forma assídua na elaboração da política urbana brasileira, não ocorreu o êxito desejado. Na visão de OLIVEIRA (2000, p. 32) isso ocorreu porque “...o que restava era a execução de uma profusão de políticas isoladas por setores. Assim, a instauração de políticas permanentes e consistentes de planejamento urbano não teria podido valer-se do valioso auxílio das pressões e determinações federais”.
A política de planejamento urbano cabe hoje aos municípios. Essa responsabilidade se estabeleceu por causa de três fatores: a municipalização que se caracterizou pela transferência para os municípios de recursos provindos da União dos Estados, a descoordenação entre o governo federal e o governo local através da extinção de órgãos como o BNH e a desativação do Sistema Financeiro da Habitação e por último a reforma urbana que encontra-se delineada pela Constituição Federal, que garante o uso do solo como função social.
Tanto o zoneamento urbano quanto a legislação do uso do solo que competem ao município afetam determinados interesses de setores importantes.
Na visão de CORREA (2002, p. 12) existem “...determinados grupos sociais que fazem e refazem a cidade: os proprietários dos meios de produção, sobretudo os grandes industriais, os proprietários fundiários, os promotores imobiliários, o Estado e os grupos sociais excluídos”.
Os proprietários fundiários estão interessados, segundo CORRÊA (2002, p. 16) “...na conversão da terra rural em terra urbana, ou seja, tem interesse na expansão do espaço da cidade na medida em que a terra urbana é mais valorizada que a rural”.
Os promotores imobiliários são agentes que desempenham algumas funções, de acordo com CORRÊA (2002, p. 20) eles são responsáveis pela:

...incorporação, que é a operação-chave da promoção imobiliária; o incorporador realiza a gestão do capital-dinheiro na fase de sua transformação em mercadoria, em imóvel; a localização, o tamanho das unidades e a qualidade do prédio a ser construído são definidos na incorporação, assim como a decisão de quem vai construí-lo, a propaganda e a venda das unidades.

No que se refere a construção das obras, os promotores imobiliários elaboram planos de habitações com características sofisticadas e com alta tecnologia demonstrando um desinteresse acentuado pelas construções populares.
Na visão de CORREA (2002, p. 22) “...numa sociedade onde parte ponderável da população não tem acesso à casa própria ou mesmo não tem condições de pagar aluguel, a estratégia dos promotores imobiliários é basicamente a seguinte: (a) dirigir-se, em primeiro lugar, à produção de residências para satisfazer a demanda solvável; e (b) obter ajuda do Estado no sentido de tornar solvável a produção de residências para satisfazer a demanda não-solvável”.
Para que as casas da população de baixa renda sejam construídas estabelece-se como estratégia a ação contínua do Estado. O Estado se insere nessa relação como agente propulsor e com missões definidas. Criar créditos para os promotores imobiliários e autorizar desapropriações são algumas das missões do Estado. Outro aspecto a ser mencionado está na relação de emprego a ser gerado. A construção civil é uma grande concentradora de mão de obra, e em tempos de desemprego recorde, tal política surge sempre em boa hora para a amortização das crises que se estabelecem e que muitas vezes em tempo indeterminado.
O Estado atua diretamente sobre o espaço urbano, apresentando pontos de influência sobre a construção urbana. “O Estado atua diretamente como grande industrial, consumidor de espaço e localização específicas, proprietários fundiários e promotores imobiliários sem deixar de ser também um agente de regulação do uso do solo e o alvo dos chamados movimentos sociais urbanos” (CORRÊA, 2002, p. 24). O Estado não possui uma posição neutra sobre o espaço urbano, “...sua ação é marcada pelos conflitos de interesses de diferentes membros da sociedade de classes, bem como das alianças entre eles. Tende a privilegiar os interesses daqueles segmentos ou segmentos da classe dominante que, a cada momento estão no poder” (CORRÊA<>

1 comment:

Edson Lariucci said...

Muito Bom o seu Blog!!! Esses assuntos e os debates dos pensamentos desses autores é de suma importância para a construção de novos valores e entendimento dos nossos velhos problemas!
Voltarei!

Escrevo sobre Política tbm!

Abraços!

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