Wednesday, 19 March 2025

O Narciso, o portão e a maria mole


 

A molecada chegava cedo para a prática da educação física e se aglomerava no portão do Narciso da Silva Cesar que fica na rua quatorze, entre as avenidas Cristovão Colombo e Bandeirantes. O portão da escola velho e enferrujado que era unido por uma corrente cor laranja por causa da corrosão servia de gol enquanto o professor não chegava.

Em frente ao portão, tinha o boteco do Pedro cheio de cachaça na estante, uma gôndola de doces caseiros e de chicletes “Ploc” que fazia a alegria dos moleques. Pedro era um sujeito gordo, bonachão e austero, com cara de bravo e que sempre se negava a vender fiado para a molecada. O máximo que fazia era dar um copo d’água da torneira. A limpeza do copo era duvidosa, a água apresentava um aspecto turvo e às vezes, esverdeado, mas na ânsia de matar a sede, qualquer coisa estava certa. De vez em quando, os moleques entoavam o coro: “ei, Pedro, vtnc” para “homenageá-lo” e os gritos só paravam quando o portão se mexia, o professor havia chegado.

O professor era o Seu Carlos, ele usava barba longa e era calvo. Era um sujeito legal, com seu jeito calmo e fala mansa, conquistava a molecada. Ele ensinava com maestria, era detalhista nos movimentos dos esportes: um toque no vôlei, um arremesso no basquete, um chute a gol, tudo era meticulosamente ensinado e explicado, sua didática era fantástica, valia demais a sua aula.

A molecada gostava mesmo era de jogar futebol. O vôlei, o basquete e o handebol eram deixados de lado, portanto, jogar futebol era fundamental na educação física. Seu Carlos ficava em apuros, dizia que o futebol não precisava ser explicado e insistia nos treinos de vôlei, o que parecia ser seu esporte preferido. A molecada ficava brava, mas ninguém se indispunha com o professor, ele era gente boa demais.

Quando a educação física acabava, a molecada corria para o bar da Santa Izildinha que ficava na esquina da rua treze e meio para comer maria mole e tomar tubaína, muitos iam na sorveteria do Cidão que ficava do outro lado da esquina, tomar aquele sorvete de origem estranha, mas que era tão bom quanto a um Kibon e custava bem menos.

Nenhum dos moleques tinha dinheiro, tudo era resolvido na conversa, as vezes na porrada mesmo, vire e mexe uma briguinha básica para sair da rotina, mas a alegria era contagiante e no dia seguinte, tudo estava bem e dentro dos conformes.

Friday, 17 January 2025

Sergio Bergantim: a antítese da alegria

 


Eu vi um homem correndo pela avenida central da cidade, eu vi o tempo. O tempo passou entre luvas e defesas, entre os gols e as traves. Ele era capaz de parar a alegria, suas defesas monumentais impediam a felicidade de Pelé e sua turma, seu nome: Sérgio Bergantim, ex-goleiro da Associação Ferroviária de Esportes.

O homem que corria pela cidade criou um hiato no tempo e no espaço. O espaço entre as traves era apenas um hiato no contexto do futebol, onde permitir a felicidade máxima do futebol era resumidamente proibida.

O grito de hulll da torcida era a motivação para as suas atuações. Sergio Bergantim era a antítese do gol, a antítese da alegria e o prenúncio do quase. O quase era perfeito, Sérgio Bergantim aliava a sorte e a competência, as traves eram parceiras monstruosas das jornadas épicas do futebol dos anos 70.

O futebol dos anos 70 era diferente, técnico e com jogadores fenomenais. Ser goleiro naquele contexto era muito difícil, mesmo assim, Sergio Bergantim se destacava embaixo das traves defendendo as cores da Ferroviária.

Suas defesas fantásticas contra o Santos de Pelé o fizeram chegar à meta da Sociedade Esportiva Palmeiras, mesmo sendo suplente de Emerson Leão, um dos melhores goleiros do futebol brasileiro, conseguiu se manter seu nome no topo dos goleiros nacionais.

Sua passagem meteórica pelo Palmeiras do ano de 1974, o levou a ser pretendido por muitos outros times de expressão nacional: Corinthians, Santos, Portuguesa de Desportos, mas Sergio não deixou se levar pela fama e preferiu se manter com as cores grená do Estádio da Fonte Luminosa e nos ensinamentos da Educação Física escolar.

Sérgio Bergantim sempre foi sinônimo de esporte, uma vida dedicada a levar qualidade de vida e ensinamentos às crianças e adolescentes do Colégio Progresso da cidade de Araraquara – áurea de professor, Sérgio Bergantim de muitas pontes, defesas e fama infinita nos limites da cidade.

 

Wednesday, 8 January 2025

Eusebio Bonifácio: simplicidade e alegria nos anos 50

Braços abertos e um sorriso estampado no rosto, foi assim que Eusebio Bonifácio nos recebeu em sua casa na Vila Xavier. Com um gesto simples e voz humilde nos convidou para um cafezinho e para nos sentarmos embaixo de uma cobertura, onde a sombra nos proporcionava uma brisa agradável na manhã de quarta-feira.

Com voz rápida e confusa tendo em vista os problemas na dicção, nos fez voltar no tempo, num tempo em que o futebol era puro romantismo e alegria. Nos contou com desenvoltura e de forma muito detalhada o lance do gol na estreia dos refletores do estádio da Fonte Luminosa, momento épico em sua curta carreira.

Embora a idade e os problemas de saúde se apresentem de forma acentuada e que dificulta um pouco o andar e as dores renitentes, Eusebio nos lembrou com detalhes impressionantes a excursão da Ferroviária no mundo europeu, o encontro com o jogador Didi, astro da seleção brasileira – os jogos nos países da África e as peripécias dos jogadores em terras estrangeiras. O seu relato é sensacional.

Seus olhos lacrimejaram e as mãos ficaram trêmulas quando lembrou do tempo que atuava como gandula atrás dos gols da Ferroviária ainda menino e das caças que fazia com a molecada utilizando bodoque, costume dos meninos da época, onde os passarinhos não tinham muito sossego, pois precisavam desviar das pedras que passavam em alta velocidade e possuíam tamanhos variados.

A lesão no joelho quando jogava na Francana ainda no início da carreira, atrapalhou demais o seu desenvolvimento como jogador e depois que ganhou o passe livre da Ferroviária passou por vários times, encerrando a carreira no time de Taquaritinga.

O ponto alto da conversa foi a bolachinha com café servidos pela irmã com muito amor de carinho e assim se fez a manhã, entre sorrisos e abraços a lembrança de mais um ídolo da Associação Ferroviária de Esportes.

Thursday, 2 January 2025

Agostinho Brandi: o tempo sempre será o senhor da razão

 

Pereira Lima e Agostinho Brandi (1951)

 

Um olhar, uma luz, sinal dos tempos estampado no rosto, voz firme e mãos certeiras. Um senhor fala com a gente encostado a um portão, indicando o local exato onde estacionar o carro.

Prazer, sou Agostinho Brandi! Nos disse com voz forte e dissonante.

Impressionante como Shakespeare é muito contemporâneo quando dizia “que o tempo é o senhor da razão”. Agostinho Brandi é a contextualização exata da frase, mesmo com a idade em estágio avançado e aparentando uma solidão sublime se exprime de maneira muito racional e lúcida, apontando caminhos e ideias, típica dos homens formadores de opinião.

Sentado a uma mesa no melhor estilo retrô e apartamento com decoração dos anos oitenta, trouxe uma visão familiar ao contexto e levou a uma alegria inenarrável e contagiante a todos.

Na conversa, nos fez relembrar da sua carreira como jogador de futebol, o nascimento do América Futebol Clube de São José do Rio Preto e da Associação Ferroviária de Esportes e a incrível luta de Pereira Lima para fundá-los e torná-los duas potências do futebol do interior paulista.

Com uma memória fantástica, Brandi nos conta os bastidores do primeiro treino da Associação Ferroviária de Esportes numa fazenda localizada próxima ao bairro Igaçaba no ano de 1951, e com detalhes nos lembra da conversa com o treinador, narrando com muita propriedade como se tornou o primeiro goleiro a entrar em campo em um jogo oficial pela Ferroviária.

O ponto alto do bate papo foi quando Brandi nos contou detalhes do jogo de estreia do Estádio da Fonte Luminosa – jogo em que a Ferroviária fez contra o Vasco da Gama no ano de 1951. O Vasco da Gama era a base da seleção brasileira e o placar de 5 x 1 para o Vasco, segundo Brandi não refletiu o que foi o jogo, pois a Ferroviária perdeu muitos gols, mas Ademir Menezes, centroavante do Vasco era um jogador fantástico.

A intelectualidade de Agostinho Brandi não podia ficar de fora do bate papo – ele mostrou seu gosto por partituras e falou sobre os livros que pretende lançar. A sua influência política na cidade de São José do Rio Preto está estampada e marcada no tempo e no espaço, uma vez que existe uma escola com seu nome, uma justa homenagem para quem fez tanto pela cidade, seja como professor ou mesmo como secretário na administração pública.

E ainda sobrou tempo para nos levar para almoçar com direito a pagar a conta e tudo o mais e dar uma “corridinha” ao banco para resolver problemas pessoais.

 

Saturday, 7 December 2024

A molecada do bairro

 

1979. A molecada soltava pipa na esquina da Imaculada Conceição com a Cristovão Colombo em frente ao bar do Seu João. O ceguinho que vendia sardinha fazia seu anúncio acompanhado da sua esposa fiel e escudeira. A Cidinha de uma perna só, subia a Cristovão Colombo agarrada à sua muleta falando palavrão e xingando à todos, geralmente alcoolizada, cheirando à cachaça. O Seu Zé da Carne batia de casa em casa vendendo miúdos em sua carroça, geralmente o fígado do boi ou as tripas das vacas que o pessoal chama literalmente de "dobradinha", ele mostrava com elegância sua balança tipo gancho que usava para pesar os seus produtos, ele tinha bigode espesso e cabelo alinhado, mas era um senhor elegante de fala mansa e calma.

A molecada fazia alvoroço com a dança das pipas. O Nenão, o Serginho e o Nico sempre faziam as melhores pipas, geralmente as maiores, mais coloridas e de rabos mais compridos. Todos os meninos do bairro queriam fazer pipas iguais a eles, mas poucos tinham talento para isso, portanto, restava comprar as  que eles faziam.

O horário de mais movimento da esquina era perto das onze da manhã, o sol de Araraquara estalando na cara e um calor danado, restava apenas pedir água no bar do Seu João, os que tinham mais recursos, tomavam aquele guaraná Ciomino gelado, geralmente dividiam com o copo americano ensebado e sujo, ele rodava nas mãos da molecada.

A Maria, vizinha da esquina, nesse horário passava água na calçada e a molecada aproveitava para jogar uma água no lombo para espantar o calor, afinal, ninguém era de ferro e era necessário se refrescar. De vez em quando, o senhor Paulo subia a Cristovão com seu isopor de sorvete, a sua gaita denunciava de forma fácil a sua chegada, a molecada gostava do sorvete de groselha e logo formava uma roda em torno de dele à procura do mais gostoso. 

Os irmãos Barão vendiam biju, vez ou outra eles apareciam na esquina com o latão de alumínio batendo a matraca e falavam: "olha o biju", anunciavam a plenos pulmões para todo o bairro ouvir. 

Viver ali era uma festa. Tinha um pessoal que morava na quadra acima, mais próximo da rua onze, eles gostavam de jogar futebol na rua - tinham até uns golzinhos feitos de madeira e redinha, era caprichado o negócio. As peleias geralmente aconteciam na parte da tarde, perto das quatro. O Mirão, o Jacaré, o Paulinho, o Betinho e mais alguns eram os reis do pedaço, eles escalavam o time e eram os donos da bola. O Tilim era o mais chato e quando aparecia a molecada se esquivava, ninguém queria escalar ele em seu time, geralmente ficava na reserva e de tanto demorar para entrar no jogo, pega as suas coisas e saia de fininho.

O seu Nestor português andava com o seu cigarro de palha fedorento nas mãos, usando seu chapéu de aba larga, o seu bigodinho "código de barra" engraçado era sensacional, ele falava meio enrolado e sempre apostava no jogo de bicho e logo cedo a molecada perguntava: e aí, Nestor, que bicho vai dar hoje? Capivara?. e ele respondia prontamente:

- Capivara é a sua mãe, filho da puta! Pois não existe capivara no jogo de bicho e a molecada se partia de rir na esquina.


Wednesday, 27 November 2024

Wilson Carrasco: força e talento nos gramados brasileiros

 

Cabeça erguida, passe certeiro e o desfile em campo, era assim o futebol de Wilson Carrasco, o “carrasco” dos gramados. Foi jogador polivante, com grande força física, conseguia aliar marcação com o jogar futebol.

O toque refinado na bola era a sua característica mais marcante. Tinha muita habilidade em bater faltas de média e longa distância, tantos foram os seus gols de bola parada.

Menino criado na cidade de Américo Brasiliense, despontou tarde para o futebol quando se propôs a disputar o futebol amador de Araraquara e região.

Foi jogando nas fazendas que o seu talento tardio foi descoberto. Carrasco foi dos campos de várzea direto para o gramado do Estádio da Fonte Luminosa, vestir as cores grená e branco da Associação Ferroviária de Esportes.

Depois de se destacar no Campeonato Paulista, foi contratado pela Portuguesa de Desportos, sua carreira ganharia destaque no gramado do Canindé, onde encontrou o parceiro, “Príncipe Eneas”, jogador de pernas longas, de muita força e técnica, que jogava um futebol refinado, fez grande parceria ganhando experiência e fama.

Especulado em grandes times do futebol brasileiro, foi jogar no Santa Cruz do Recife, onde encontrou outros grandes jogadores e fez boas parcerias com:  Pio, Givanildo, o centroavante Nunes e muitos outros.

Tempos depois, voltou ao Recife para jogar no rival do Santa Cruz, o Sport Recife, foram anos de bom futebol e títulos, estava coroada a carreira de Wilson Carrasco, camisa dez clássico, que carregava e batia na bola como os grandes magos do futebol brasileiro o fizeram.

Wilson Carrasco, “rodou” por muitos times do Brasil desfilando seu futebol fino e elegante até se aposentar dos gramados e ir se sentar no banco de reservas como treinador para ensinar e orientar os novos talentos.

 

 

Wednesday, 20 November 2024

Carta de Araraquara ao sol


O sol em Araraquara não "brinca", ele queima mesmo. Radiante e quente o sol se impõe sobre as árvores abundantes da cidade e não há sombra que resista, todos os lugares são quentes.

Araraquara é inimiga da chuva pois tem a certeza que é a Morada do Sol. O sol é permanente, imponente, a chuva é sazonal e o frio nunca tem vez e quase desaparece no decorrer do ano.

Araraquara tem uma estação definida, o verão, o restante é escassez, só o outono consegue mostrar um pouco a sua cara, tendo em vista que é a estação das folhas secas e as árvores costumam a ficar mais "peladas".

O olhar de longe sobre o asfalto reflete uma visão turva e embaçada tal a disposição do sol em se impor. Se o calor é dantesco, Araraquara é um protótipo do inferno, pois tudo queima, literalmente.

O refugio do sol pode estar nas piscinas, mesmo assim é relativo, pois a agua é quente e o mormaço é voraz. Haja calor!

O ar condicionado só funciona em Araraquara na temperatura mínima e olhe lá, usá-lo não é saudável economicamente, a conta chega cara no final do mês. O ventilador é uma opção relativa, se o ar está quente, vai permanecer - é a lei.

Araraquara é a morada do sol, o calor diz tudo!


Friday, 1 November 2024

O hall da U.T.I. e a esperança relativa

No hall da Unidade de Terapia Intensiva - U.T.I. todos são iguais em desgraça, em maior ou menor escala, todos se igualam. A esperança relativa é sempre a mãe de todas as incertezas.

O sorriso no hall  sempre é contido - ele não cabe dentro de si mesmo e muitas vezes vem mascarado de nervosismo e tensão que só o café é capaz de "acalmar".

Os olhos vermelhos e a cabeça baixa é uma constância daqueles que esperam o horário de visita no hall, comportamento típico de aflição, pânico e esperança quase perdida, os dias se fazem assim.

Não existe calor no hall, os dias são frios, seja porque o ar condicionado sempre está na pressão ou mesmo porque é um lugar capaz de transformar um abraço num gesto menos caloroso e abrasivo, num momento de desespero e afago.

O olhar sempre está perdido no tempo e no espaço, ele geralmente é cansado e longo, as pálpebras  estão baixas e inchadas, vítimas contumazes da ausência do sono e da noite perturbada.

As noites no hall são longas e as poltronas são curtas - elas são incompatíveis entre si. Dormir todo torto nas cadeiras para muitos não se trata da melhor opção, mas da necessidade de ficar mais próximo das vidas incertas e amadas que possuem.

A luz mortiça e amarela que alumia o hall o torna misterioso e infinito, ela é incapaz de iluminar as mini certezas que cada ser carrega dentro de si.

O hall é um lugar para saber amar e ficar esperando,  um lugar onde a vida e a morte são dois lados da mesma moeda.

Wednesday, 30 October 2024

O eu Hospital


As noites no hospital não são fáceis. Os aparelhos apitam a todo instante, as trocas de remédios e as intercorrências fazem com que elas sejam longas e com intervalos pequenos entre um sono e outro - as radiografias de pulmão as quatro da manhã, realmente deixam a gente sem fôlego até mesmo para acordar e sair do box, tal a "delicadeza" no fino trato.

Pela manhã, a troca de turno dos técnicos de enfermagem e dos enfermeiros é de fazer inveja às maritacas que pairam sobre as árvores no final das tardes, é um fala fala sem fim, causando irritação profunda, a ponto de vez ou outra me fazer pedir a um deles uma pequena dose de "precedex" para diminuir o fluxo sanguíneo e impedir a minha capacidade de mandar todos eles ficarem quietos.

Os médicos chegam logo pela manhã. Alguns ao nascer do sol e praticamente pegam a gente acordando, com o pensamento disforme e abstrato, com o cabelo desgrenhado e bocejando, tornando difícil o entendimento do que foi dito, tendo em vista o alto grau das expressões usadas cheias de abreviaturas e o "mediquês" fluente.

No hospital, tomar banho para quem fica como acompanhante na UTI é uma missão - é preciso marcar hora - se perder o horário, já era, só no dia seguinte. O engraçado é que existem funcionários cuja missão é exclusivamente acompanhar o "acompanhante" ao banho - mais estranho ainda é quando a funcionária chega no box e diz o seguinte: 

_ E aí, vamos tomar um banho? Para quem ouve isso e não entende o contexto, acha que existe alguma coisa fora da ordem!

Tomar café da manhã no hospital é uma lástima, pois as opções não são saudáveis para quem tem falta de grana, tudo é muito caro e enjoativo, sempre tem as mesmas coisas para comer, o que os tornam monótonos e nada convidativos com o passar do tempo.

Com o tempo, a gente vai se tornando figura fácil no hospital e passa a conhecer todos os atendentes das portarias, alguns até me chamam pela abreviatura, tal a intimidade que se cria, a ponto do garçom me ver e me perguntar:

_ E aí? O de sempre? 

O pessoal da portaria todas as manhãs me indagam:

_ E aí? qual a hora do banho? Se tornar morador de hospital é isso aí e mesmo que esteja chateado e cabisbaixo, a simpatia precisa imperar, afinal, a gente precisa dos funcionários  no decorrer do tempo e estabelecer relações saudáveis é fundamental para que se possa ter "facilidades" durante a trajetória "hospitaleira".






Douglas Onça: o menino da Vila Xavier



 

A carreira no futebol de Douglas Onça, o menino da Vila Xavier não seria possível sem o incentivo de seu pai: Oswaldo Lima Onça, ele o incentivava a pular o muro de casa para jogar futebol no campo da Atlética.   

Quando montaram o time de dente de leite da Atlética o chamaram para jogar e assim, ele disputou o primeiro campeonato e logo no primeiro jogo, começou no banco, entrou no segundo tempo e fez um golaço de peixinho, começava ali, a trajetória talentosa nos gramados.

Depois do primeiro campeonato, Douglas Onça jogou no time do Atlas, cujo treinador era o seu Armando Clemente e com dezesseis anos foi para o Palmeirinha da Vila Xavier, onde encontrou o seu Sebastiãozinho que era o treinador e diretor do time de futebol.

Posteriormente, seu Sebastiãozinho foi convidado para ser diretor da Associação Ferroviária de Esportes e na sequência levou Douglas Onça para compor o time. Quando chegou na Ferroviária, Douglas encontrou Olivério Bazani Filho, cujos ensinamentos passados o fizeram lapidar seu futebol de muita técnica e habilidade.

Douglas Onça estudava Agrimensura no Colégio Logatti e ficou na Ferroviária até estourar a idade para jogar nos juniores, depois disso, foi efetivado no time profissional da Ferroviária. O começo da vida profissional como jogador não foi fácil, Douglas jogava dez, quinze minutos por jogo ou muitas vezes, nem entrava em campo. Sua primeira partida como profissional foi contra a Francana na Fonte Luminosa no ano de 1979, num jogo que a Ferroviária ganhou por 1 x 0. No jogo seguinte na Fonte Luminosa, fez dois gols contra o Velo Clube de Rio Claro e em Campinas contra a Ponte Preta fez o gol da vitória por 1 x 0 e foi se firmando como time titular da equipe sob o olhar atento e carinhoso do treinador Sergio Clerice.

A partir de 1982, se firmou como titular da equipe, disputando um bom Campeonato Paulista, conseguindo vaga para a disputa da Taça de Ouro de 1983, sob a batuta de Sebastião Lapola e Roberto Brida. Na disputa da Taça de Ouro, Douglas Onça brilhou junto com Vica, Abelha, Claudinho Macalé e companhia onde a Ferroviária se destacou, fazendo uma campanha maravilhosa. O ponto mais alto da carreira de Douglas Onça foi num jogo da Taça de Ouro contra o Grêmio no Estádio Olímpico, onde fez um gol sensacional, numa vitória épica da Ferroviária sobre o time até então, Campeão Mundial.

            Douglas Onça ficou na Ferroviária até o ano de 1984, quando foi emprestado ao Coritiba, ficou pouco tempo, depois voltou para a Ferroviária. Em 1985, foi emprestado ao Sport Recife, depois voltou para a Ferroviária novamente, posteriormente foi emprestado ao Avai de Santa Catarina e ao Atletico Goianiense e encerrou a carreira no Marcílio Dias de Santa Catarina.

 


Monday, 14 October 2024

Sábado, cerveja e título do Coxa

 


Julho de 1999. O Coritiba fazia o jogo da final do Campeonato Paranaense de Futebol contra o Paraná Clube no Estádio do Pinheirão em Curitiba. – Fazia muito tempo que o time Coxa não ganhava um campeonato paranaense e a expectativa era imensa.

No primeiro jogo da final, o Coritiba ganhou por 1 x 0 no Estádio Couto Pereira e jogava a segunda partida pelo empate na casa do adversário. – O Pinheirão é um estádio enorme, a arquibancada fica longe do gramado, a pista de atletismo em volta ao campo deixa a visão longínqua, para assistir bem ao jogo é difícil, e naquele dia fazia muito frio em Curitiba e a névoa mesmo a tarde tornava assistir à partida um desafio.

O ônibus saiu do Campina do Siqueira em direção ao bairro do Tarumã. A gente dizia que o Tarumã era longe demais, do outro lado da cidade. Ao chegarmos ao estádio, a fila estava imensa, os torcedores do Coritiba tomaram as avenidas, a longa fila de carro se impunha e o barulho das buzinas ensurdeciam a vizinhança, tal era a expectativa pelo título.

Era impossível assistir à partida sem os acessórios: toca, luva e camisa de manga comprida tal o frio que assolava a tarde de sábado. A cerveja podia ser tomada na temperatura ambiente, já estava gelada o suficiente.

As cores branco, azul, vermelho e verde coloriam o estádio, as torcidas dividiam meio a meio a arquibancada do Pinheirão e faziam um bonito espetáculo. - O time do Paraná era muito técnico e bom. Lucio Flavio dava o toque refinado no meio-campo, desfilava seu futebol com garbo e elegância, jogava de cabeça erguida e um mestre em colocar a bola onde queria. Washington era certeiro, seus chutes dificilmente erravam o gol, nos lances de cabeça era um mestre e a referência que todo lateral gostaria de ter, se o cruzamento fosse certo, era gol. Ilan, um centroavante rápido e fazia muitos gols, depois, fez muito sucesso no Lyon da França, onde jogou com Juninho Pernambucano. Cleber Arado era um bom camisa dez, jogador técnico e que fazia muitos gols, o jogo prometia, o que tornava a final emocionante.

Com quinze minutos de jogo, o placar já estava dois a zero para o Paraná. Washington Coração Valente estava jogando demais e só dava o Paraná no ataque. – Antes de acabar o primeiro tempo, o Coritiba descontou numa cobrança de falta do falecido Cleber Arado, camisa dez dos bons, jogador muito técnico e finalizador – O segundo tempo começou com o Paraná atacando, mas no final do jogo, uma falta cobrada pelo veterano Darcy, ex Santos, Palmeiras e outros clubes do futebol brasileiro empatou a partida.

A torcida do Coritiba foi à loucura, as arquibancadas do Pinheirão ficaram pequenas para tanta festa, as faixas verde e branco desciam das arquibancadas, os sinalizadores foram acesos e o foguetório imenso – Ao término da partida, a torcida invadiu o campo, levaram o técnico Abelão nos ombros, alguns “levavam” as redes dos gols, outros atravessaram o campo ajoelhados tal era a importância do título.

Após o jogo, o título foi comemorado com muita cerveja e pagode no Bar Parada Obrigatória no bairro do Centro Cívico.

Saturday, 5 October 2024

O box 19



No box 19 tem vida, lá, tem máquinas também. Máquinas de todos os tipos e gostos a fim de salvar vidas e deixar outras aflitas, mas enfim, esse é o box 19. Lá tem esperança, tem Deus de todas as religiões, tem orações e preces, tem fé e divindade.

No box 19 tem sorrisos também, pode parecer uma contradição, mas o sorriso faz a vida e desperta a esperança, muitas vezes é onde se pode ver a presença divina, mas tem lágrimas também, onde se expressa a dor, o vazio da ausência e a incerteza do futuro. A vida e a morte estão lado a lado e são concorrentes.

O sangue corre para todos os lados no box 19, sai do humano e vai para a máquina, mas também faz o caminho inverso. O sangue esquenta e esfria de acordo com a necessidade, o frio e o quente que se sente, filtrá-lo é essencial para a continuidade da vida, creio que pode ser chamada de máquina da vida para aqueles cujo sangue se torna um problema devido às impurezas que carrega - bendita seja a máquina.

O suporte suporta as necessidades: aminoácidos, antibióticos, soros, enfim, medicamentos de todos os tipos e leva consigo leveza às dores do mundo. Os medicamentos correm por uma serpentina e entram pela via sanguínea, o seu fluxo é direto e certeiro - eles se misturam ao sangue, corrigindo percursos e aliviando aflições.

Não existe silêncio no box 19, todas as máquinas se manifestam, cada uma em seu tempo e razão, cada uma carrega em si, números importantes. Descobri depois de longa data que os números refletem a saúde que temos - posso dizer que ter saúde é uma questão numérica, e os números traduzem os nossos hábitos, costumes e jeito de ser.

As noites no box 19 são longas, um entre e sai de gente o tempo todo. Coloca medicamento, tira medicamento. A cadeira para dormir não é tão ruim quanto se pensa, ela tem suas limitações, mas o que irrita mesmo é a luz acesa do corredor, ela é capaz de causar um transtorno mental, tal a sua luminosidade intensa e  impertinência – eu olho para ela, ela olha para mim e parece que me solta um sorriso sarcástico e filho da mãe, dizendo:

_ Vou te ferrar essa noite!! Kkkkkk.

E como dizia minha tia:

_ Eu xingo! Mas nada posso fazer, a não ser trocar o lado de dormir e ter a paciência para que o sono chegue depressa. O ar-condicionado costuma ficar sem controle. O frio toma conta do quarto. O cobertor ralo e de tom amarelo do Hospital não dá conta, outros são necessários, além de ter que dormir de calça, camiseta e meias nos pés, um desconforto geral. O “sono” termina quando o Doutor entra para dar notícias que nem sempre são boas, mas são esperadas como nunca e assim, o dia se faz presente.


Sunday, 22 September 2024

Caca

 


As noites que passamos durante a pandemia foram as melhores, você pintava quadros enquanto eu dormia em frente à televisão, as vezes eu assistia um filme de Natal que passava no canal Studio. Entre uma tinta e outra, você me mostrava ansioso o quadro em esboço, geralmente não estava ruim, mas as vezes a perspectiva não estava muito boa, era necessário fazer alguns reparos.

Não me esqueço das vezes em que você pegava os seus quadros e fazia uma pequena exposição na sala, em frente à televisão, todo orgulhoso, tentando achar qual deles era o melhor. Eu dava meus pitacos, achava que assim, seria importante, afinal, aquilo tudo era significativo e fazia sentido.

Quando passava das dez da noite, você fazia um lanchinho com presunto e queijo para a gente comer. Sempre dava uma fominha especial. Você colocava no "quentinho" para fazer um lanche mais saboroso, tudo era muito gostoso.

Quando o mês de maio de dois mil e vinte chegou, a vida mudou bastante. Logo no começo do mês, a Coty chegou. Tudo tinha que ser infantil, afinal, a criança chegou e a alegria veio junto, embora alegria fosse um sentimento que não faltasse, por mais problemas que houvesse, a gente sempre carregava com leveza e sapiência.

A Coty dormia cedo, então, dava tempo de fazer a pintura de todo dia, enquanto a gente ficava trancado em casa. Você colocava a Coty na cama e depois ia arrumar o "circo" para a pintura, pegava as mesas, o estojo de pintura, colocava próxima ao sofá e a gente ia conversando a paisagem da vez, enquanto o cheiro das tintas recendia a nossa casa.