Sunday 14 April 2024

A sangue frio de Truman Capote

 


Capote, Truman. A sangue frio. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.

Resenha

Truman Streckfus Persons, o Truman Capote foi um brilhante jornalista americano, nasceu em Nova Orleans em 1924. Construiu uma extensa bibliografia, entre romances, peças de teatros e perfis jornalísticos, são mais de dez obras. Capote foi o responsável por escrever essa obra maravilhosa da literatura americana que é “A sangue frio”.

Digo maravilhosa pois ele deu letras às primeiras páginas da literatura de não ficção, novo gênero literário, fruto de seu trabalho jornalístico frente ao assassinato da família Clutter no ano de 1959, no Estado do Kansas, nos Estados Unidos.

Capote ficou impressionado com a violência empregada pelos assassinos: Perry Smiths e Dick Hickcok e que resultou na morte brutal da família Clutter. Capote, para escrevê-lo, fez amizades com pessoas ligadas à dupla, depois, acompanhou o julgamento, pediu permissão para ir ao presídio conversar com os assassinos, e criou laços muito forte com ambos, além de ter ido “assistir” a morte de Perry Smiths que foi condenado à forca no ano de 1965.

Capote, como era conhecido, escreveu de forma detalhada o assassinato, sua narrativa foi capaz de influenciar a escrita jornalística. Nada escapou ao olhar do jornalista frente ao crime brutal: o cotidiano da comunidade, os momentos de pavor das vítimas diante dos criminosos e até mesmo o solo árido do Kansas não passou despercebido, tal a perspicácia de Capote frente aos fatos.

O livro foi lançado no ano de 1965 na revista The York Times em quatro partes e levou fama e prestígio à Capote.

O livro se tornou imortal quando foi parar nas telas do cinema através do Diretor Bennet Miller e com a atuação memorável de Philip Seymour Hoffman no ano de 2005, interpretando Truman Capote, no filme denominado “Capote”.

O filme é um drama biográfico da vida de Truman Capote, apresenta detalhes da sua vida, as festas que frequentava, as amizades influentes que faziam parte do seu cotidiano e trata de forma fidedigna toda a organização do livro “A sangue frio”, as visitas à prisão, os detalhes da sua relação afetuosa com os assassinos.

Ler o livro e depois assistir o filme é um presente para todos aqueles que se interessam por essa obra memorável da literatura americana, mais do que a relação criada pelo autor em torno do assassinato, a sua narrativa prende pela dramaticidade e emoção colocada na obra, coisas que só os gênios da literatura conseguem fazer.


Wednesday 3 April 2024

Pão com bife, jogo bom e muito frio no Couto Pereira

 


Inverno de 1998. Curitiba, sábado a tarde, os termômetros marcavam menos um grau. Um frio insano para quem havia saído do interior paulista com temperatura de no mínimo vinte e cinco, trinta graus. Era outro universo, um frio de bater o queixo, como fala o povo de Araraquara.

O Coritiba iria enfrentar a Ponte Preta às dezesseis horas no estádio Couto Pereira e, mesmo com o frio soberbo, resolveu ir conhecer um dos estádios mais tradicionais do Brasil, afinal, havia se mudado para Curitiba recentemente e seria muito legal assistir o primeiro jogo de futebol na cidade.

Lendo o jornal pela manhã, viu a ficha técnica da partida, percebeu que Edinho, filho do Rei Pelé, estaria em campo junto com um centroavante chamado Regis Pitbull, a sensação do campeonato. O Coritiba tinha alguns jogadores proeminentes: João Santos, Yan, Macedo, ex-jogador do São Paulo, do Santos e tantos outros times. O jogo prometia ser bom.

Chegou ao estádio cedo, pegou o ônibus no bairro do Campo Comprido, foi até a Estação do Campina do Siqueira e depois até o centro histórico de Curitiba, de lá foi a pé até o Estádio, cruzou o bosque do Passeio Público e subiu a ladeira “gelada” que vai até o Alto da Glória, bairro em que fica o estádio Couto Pereira.

Quando entrou no estádio teve uma surpresa: deu de cara com Sicupira, com seu icônico bigodinho, ídolo do maior rival Athletico. Ele já conhecia Sicupira das figurinhas do futebol cards dos anos oitenta, ficou feliz em vê-lo. De relance, visualizou a imagem, Sicupira em vermelho preto, cabeludo com seu bigodão espesso e longo, coisas da juventude dos anos setenta.

O relógio apontava quase quatro da tarde, a fome bateu forte e em conversa com alguns torcedores, descobriu que o pão com bife era tradicional no Estádio e foi atrás. Quando sentiu o cheiro da carne na chapa...huuum, que delícia, pensou falando em voz alta! pediu logo dois para adiantar a xepa e chegou à conclusão que o sanduíche era muito bom, até achou estranho o bife ser molinho e não doer os dentes, estava acostumado com os “churrasquinhos de gato” na porta dos estádios, mas  aquilo o deixou aliviado, poderia comer mais um antes de ir embora, pois em casa a geladeira era “oceano”,  só havia água nas garrafas e nada mais.

Quando subiu a arquibancada, percebeu que alguns ambulantes eram carismáticos e a torcida tinha um carinho especial. Um vendedor de pipoca tinha um jargão engraçado: “quem não pediu que pida”, ele assassinava o português, mas atingia o objetivo, vendia tudo muito rápido. O outro era um senhor de idade, cujo óculos era torto, assim como seu boné azul, ele vendia sorvete e arrastava um abacaxiiiiii engraçado e, mesmo com o frio absurdo, conseguia sucesso nas vendas, o rosto daquele homem jamais sairia de sua mente.

Quando o árbitro apitou o início da partida, uma garoa fina começou a cair e junto com ela um vento gelado soprava, por um segundo achou que fosse congelar, se encolheu na arquibancada e cruzou os braços para se proteger e passou a questionar a sua presença ali, naquele jogo de futebol, sob aquele frio intenso. Não seria melhor estar em casa embaixo do cobertor, ouvindo o jogo pelo radinho de pilha? O que o fez ir àquele jogo sob aquelas condições?

Chegou à conclusão de que o futebol realmente é maldito e que alguma mão invisível o empurra para o estádio, mesmo que esteja sozinho, mesmo que o time perca vários jogos seguidos, mesmo que o goleiro tome aquele frango no jogo ou mesmo que o centroavante perca o gol embaixo da trave, não adianta, faça frio ou faça sol, e mesmo que não seja o seu time de coração que jogue, ele, sendo fanático por futebol, estará lá, o futebol deve ter uma psicologia própria que por si só é impossível explicar.

Sunday 31 March 2024

O assassinato do Bode


Llosa, Mario Vargas. A Festa do Bode. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009.

Resenha

O assassinato do Bode

Mario Vargas Llosa é escritor peruano, possui vasta bibliografia e possui participação ativa na política peruana, foi candidato a presidente da República do Peru nos anos 90, acabou perdendo a eleição para Alberto Fujimori, mas nunca escondeu sua preocupação com a política latino-americana.

A obra de Mario Vargas Llosa, A Festa do Bode é uma obra política, narra a história do então ditador Rafael Trujillo da República Dominicana, assassinado durante os anos 60. A obra de Llosa já começa interessante pelo título, pois o bode pode representar para o dominicano a imagem do diabo, pois a política sempre é capaz de apresentar o Deus e o Diabo diante dos eleitores, a política da América Latina é mestre em colocar em alta essa dualidade e nunca houve limites para a construção dos mitos políticos.

Unir literatura e história não é uma missão fácil para qualquer um que tente se aventurar nesse terreno, a história possui as suas verdades, a literatura não é acostumada a ter limites, nesse sentido, o que é história? E o que é literatura na obra de Llosa? Não sei se é essa a missão de Llosa, mas quem lê a obra acha que a narração é verídica, isso é a capacidade do grande escritor, e Llosa está na primeira prateleira da literatura da América Latina, junto a Sergio Buarque de Hollanda, a Gabriel Garcia Marquez e tantos outros.

Nesse sentido, escrever sobre as ditaduras que assolaram a América Latina nos últimos cinquenta anos, pode não ser novidade para ninguém, uma vez que esse tema possui cadeira cativa na literatura latino-americana e sua bibliografia é extensa e todas as obras caem no lugar comum das críticas mais vultuosas, não é o que acontece com a obra de Vargas Llosa, A Festa do Bode pode ser considerada um marco e por isso, merece um lugar de destaque na estante dos livros de literatura da região.

A obra de Llosa é significativa por vários motivos, um deles é a narrativa sensacional que cria em torno da personagem Urania, filha de um amigo e ex-general de Rafael Trujillo. A tortura psicológica em que a personagem coloca o pai já doente e enfermo na condição de “refém”, fazendo com que ele confesse os crimes cometidos durante o governo de Trujillo é sensacional do ponto de vista de literatura e da construção da história, afinal, quem está na “guerra”, tem que se sujeitar as suas regras. Urania teve que viver muitos anos fora da República Dominicana por conta da ditadura de Trujillo e se achava no direito de “tirar” as verdades do pai, mesmo ele estando em situação enferma.

Os assassinatos, as tramas organizadas por Trujillo contra os seus opositores e narradas no livro “fazem inveja” aos assassinatos e as emboscadas organizadas no filme “O Poderoso Chefão” onde Marlon Brando desfilava seu talento na pessoa de Don Corleone, o “modus operandi” se assemelhava ao da máfia de Nova York, salvo quando Rafael Trujillo mandava jogar seus adversários políticos do despenhadeiro para serem devorados pelos tubarões, criando terror na população de forma geral.

O terror vai ser a forma de tomar conta do universo político por parte de Rafael Trujillo e com isso ele foi capaz de construir o ódio em torno de sua pessoa e do seu governo, a forma como utilizava os generais do exército para conquistar seus objetivos era aliciadora, Trujillo jogava um contra o outro, dava liderança e tirava ao mesmo tempo, ao menor sinal de traição, tramava a morte de forma pérfida e cruel, não à toa as emboscadas para assassiná-lo até que em 1961, veio o golpe fatal e assim A Festa do Bode se fez presente.

Friday 8 March 2024

A crônica de um torcedor em desalento

     

         

Fevereiro de 2024. Amanheceu feliz naquele dia. Era dia de ir assistir seu time de futebol jogar no estádio novo pela primeira vez. Fez um café reforçado com ovos mexidos e bacon, falou que assim estaria fortalecido para a jornada que se apresentava – era necessário sair cedo de casa, pois o estádio fica afastado, era preciso pegar três ônibus com trajetos longos para chegar – dizia que o estádio antigo era mais perto, dava até para ir a pé, mas agora ficou mais desajeitado e fora de mão, mas tudo bem, era o preço a ser pago para ver o seu time de coração.

Depois de quase duas horas dentro do ônibus e caminhar mais de vinte minutos, chegou eufórico com a camisa do time e uma pequena bandeira feita de plástico e tecido vagabundo. Descobriu in loco que o ingresso só podia ser comprado pela internet por meio de aplicativo e que não podia entrar no estádio com a bandeira.  Ficou frustrado e sem entender nada, afinal era apenas um jogo de futebol.

Quando conseguiu adentrar o estádio, avistou um quiosque de cachorro-quente, sentiu vontade, mas quando olhou o preço, deu meia volta, seguiu para a arquibancada e pensou: “o futebol já foi mais barato”. Ficou maravilhado com a nova arquitetura do estádio, tudo novinho, mas também, pelo preço do ingresso e da comida, estava tudo certo, tudo compatível, ele pensou.

Percebeu que ao sentar-se, a torcida adversária não estava no estádio. Em conversa com um senhor ao seu lado, descobriu que aquele jogo seria com torcida única, ficou chateado, afinal, futebol deveria ser emoção e alegria e o adversário faz parte do “espetáculo”, e tinha dever de participar, mas percebeu que as pessoas que estavam ali eram diferentes,  chiques, bem vestidas, todo mundo com celular em mãos e “filmação” geral. Parecia um set de filmagem gigante. Em tom jocoso, falou em voz alta: “o ambiente do futebol mudou”.

Quando o jogo começou, ficou na expectativa de ver um “espetáculo” de futebol, com dez minutos de partida, percebeu que não havia nenhum talento em campo, só jogadores esforçados e que corriam demais, comentou com um torcedor ao lado:

- “O futebol hoje parece um jogo de xadrez, onde as peças se encaixam para barrar outras! Cadê os artistas do futebol? Não tem uma jogada individual, um drible diferente, nada, é só passe para lá, passe para cá, está difícil de assistir, viu!” E logo pensou na frase de Nelson Rodrigues: “muitas vezes é a falta de caráter e de disciplina que decide uma partida”, os jogadores de hoje são muito obedientes, não saem dos quadrados, parecem robôs jogando. Teve rapidamente a percepção que não só a torcida e o ambiente do futebol haviam mudado, mas também o jeito de jogar.

            Ficou apreensivo quando percebeu que ninguém respeita o juiz em campo, nem jogadores, nem torcida e muito menos os treinadores. Nunca acontece uma falta, o juiz não pode rever um lance, dar um cartão, pois logo é cercado pelos jogadores que ficam “buzinando” na cabeça do indivíduo, um verdadeiro transtorno, pois todo mundo tem razão o tempo todo. Percebeu que no futebol não pode haver autoridade, pois seja quem for, a princípio está errada e, não importa a situação, o torcedor não foi feito para perder, ele sempre tem que ganhar, a qualquer custo, com qualquer futebol e com qualquer placar, o que importa sempre é vencer. Chegou a conclusão que o futebol é feito somente pela vitória, o empate e a derrota não deveriam existir, pois ninguém compreende e aceita os resultados possíveis de uma partida.

            Como estava sentado próximo à imprensa, ficou prestando atenção nas falas dos comentaristas, lembrou logo do professor da disciplina de metodologia de pesquisa na universidade, tal a complexidade das palavras, uma verdadeira “filosofia” da arte de praticar futebol. Pensou que se vier em um próximo jogo vai consultar o dicionário e estudar os termos utilizados antes de entrar no estádio, o vocabulário do futebol contemporâneo é “fantástico”, e logo percebeu que o esporte foi intelectualizado por aqueles que nunca tiveram a competência de jogá-lo, mas que se julgam inteligentes o suficiente para fazê-lo ser “diferente”. – “Pobre dos Geraldinos”, pensou em voz alta.

            Em síntese, ele teve a rápida percepção de que o futebol ficou esquisito: caro, mal jogado, sem talentos, parcial e que o estádio de futebol não é mais lugar para diversão e entretenimento e que a pergunta a ser feita a partir de agora é: compensa ainda assistir jogo de futebol?


Tuesday 27 February 2024

A crônica de um Maracanã romantizado: o calor, o futebol e o chopinho gelado


Quando pequeno se acostumou a ver o estádio do Maracanã de forma romântica. Assistia aos filmes nos Cines Capri ou Veneza em Araraquara, nas telas as imagens projetadas em câmera lenta do Canal 100 protagonizavam um estádio recheado de “Geraldinos”, com esperanças sempre renovadas e terços em mãos, esperando um gol salvador e a explosão da alegria.

Depois, um pouco mais jovem, aprendeu nas crônicas de Nelson Rodrigues que o futebol carioca representava a síntese da malandragem brasileira, com a sua ginga e capacidade de improvisação. Esse era o Maracanã, palco de artistas, de quando ainda o futebol era técnica e pagava-se ingresso para assistir um verdadeiro show de bola.

Se emocionou quando percebeu que poderia ir ao Maracanã naquela tarde abrasiva de domingo, de fevereiro de 1991, Fluminense x Botafogo se enfrentariam pelo Campeonato Brasileiro, rapidamente passou em sua mente as telas dos cinemas e as crônicas do “Anjo pornográfico”, aquilo o emocionou e o deixou com um leve frio na espinha, que só os emotivos de corpo e alma sentem quando as memórias da infância lhe batem à porta.

Pegou o ônibus em Olaria, em direção à Quinta da Boa Vista, lugar mais próximo ao Maracanã – o restante do trajeto faria a pé mesmo, ele queria acompanhar a atmosfera da partida, sentir os botafoguenses e os tricolores chegando ao estádio com euforia. As cores das camisas proporcionavam alegria ao ambiente, embora a tensão sempre tenha sido constante devido ao alto índice de violência com as torcidas rivais e seus encontros fortuitos.

A pressão começou na fila dos ingressos, botafoguenses e fluminenses se provocavam sem constrangimento, mastros de bandeiras, repliques, tamborins, bumbo e outros instrumentos agitavam a galera em meio aos insultos e palavrões de todas as ordens, que dominavam o ambiente. Ficou com medo, era melhor pegar logo o ingresso, subir a rampa de acesso e ver o Maracanã em cores.

Quando subiu a rampa de acesso e avistou as torcidas, chorou copiosamente ao ver as bandeiras coloridas no estádio, de um lado, os tricolores, do outro, os botafoguenses. O seu sonho de conhecer o Maracanã havia se realizado, aquilo o deixou em êxtase e eufórico.

Seria melancólico assistir ao primeiro jogo no Maracanã e não ver gols, afinal, o que vale no futebol é bola na rede e, em pouco tempo, o Fluminense abriu o placar e a massa tricolor se levantou em alegria e explosão. O seu sonho já estava completo. Ele voltaria para casa feliz da vida, mas quando o jogo caminhava para o final, o Botafogo em um lance de falta empatou a partida, a metade botafoguense fez a festa, pronto, resultado mais que justo pelo futebol praticado pelas equipes, felicidade plena e nada melhor que ter tomado um chopinho gelado no final do jogo no boteco em frente ao Maracanã.

 

Friday 9 February 2024

Uma aventura no Estádio Azteca

 



Novembro de 1996. O dia amanheceu frio na Cidade do México e ele acordou animado. Mesmo com o nariz sangrando por causa da altitude, não deu importância, era dia de jogo de Eliminatórias da Copa do Mundo de Futebol de 1998. México e Honduras se enfrentariam naquele final de tarde no Estádio Azteca - estádio onde o Brasil se sagrou tricampeão de futebol. Ele estava emocionado e eufórico.

Um de seus maiores sonhos na vida era assistir um jogo entre seleções num estádio, não importava nem qual e nem aonde. No Brasil isso era quase impossível,  ingressos caros, lugares longínquos e a dificuldade de locomoção eram os impeditivos centrais.

Ele reclamou durante o café da manhã no Hotel Plaza Madrid com o garçom sobre a dificuldade de conseguir ingresso para o jogo. Os cambistas mexicanos são piores que os brasileiros, descobriu isso in loco e chegou à conclusão que isso deveria ocorrer no mundo todo. Não era um problema peculiar do comportamento nefasto do brasileiro, mesmo assim, acabou comprando a entrada por um preço para lá de bom, tendo em vista o valor da moeda local.

Não poderia perder a chance, tinha que aproveitar a oportunidade, havia viajado para o México para um Congresso de Linguística, fruto de um trabalho científico na universidade, ficaria uns dez dias na cidade, tinha tempo o suficiente para o turismo nas pirâmides de Teotiuacan.

Passou o dia ouvindo os Mariachis com a camisa do Puma num bar em frente ao Hotel, regado a cerveja Corona, pisco e taco. Falando de futebol com os mexicanos, descobriu que Pelé realmente foi o maior de todos e a reverência ao futebol brasileiro não tem limites.

Chamou o táxi perto das quatro da tarde e percebeu que todo fusca verde sem o banco da frente era um carro em potencial para levá-lo ao Azteca. Aquilo o assustou, mas não deu outra, um desses parou, ele entrou ressabiado e praticamente atravessou a Cidade do México para chegar ao Estádio, aproximadamente uma hora e meia dentro do carro, uma verdadeira epopeia, tendo em vista o trânsito caótico, a velocidade sem limites e a segurança quase zerada.

Quando desceu, percebeu que os mexicanos quando vão ao estádio levam cornetas nas cores verde, vermelha e branca e tocam sem parar, um barulho ensurdecedor, difícil era encontrar alguém sem a camisa do México, o fanatismo pela seleção estava estampado em cada rosto na fila quilométrica para entrar.

Andou quase um quilômetro para chegar ao seu lugar no Estádio e quando avistou Jorge Campos, o goleiro mexicano baixinho e folclórico com roupas de fazer inveja a vagalume, ficou perplexo e feliz, lembrou de suas defesas na Copa do Mundo de 1994, alguém que tantas vezes tinha visto pela televisão em jogos memoráveis e defesas incríveis mesmo com a sua baixa estatura, um verdadeiro mito do futebol mexicano.

O jogo mal havia começado e Hermosilla, o camisa oito da seleção mexicana, fez um a zero. A explosão da torcida ficou em sua memória, os alambrados balançavam sem parar, as cornetas soavam no estádio todo e um medo coletivo se apropriou em sua mente, nunca havia visto nada igual no futebol brasileiro, uma verdadeira “loucurada” feliz tomou conta do ambiente, inacreditável, ficou parado, olhando as bandeiras mexicanas tremulando e a torcida gritando. Estava eminentemente feliz e temeroso ao mesmo tempo.

O jogo acabou em 3 x 1 para a seleção mexicana. Zaguinho, o brasileiro naturalizado mexicano, fez o gol final. Os mexicanos estavam radiantes pelo placar da partida, a qualidade do jogo poderia ser discutível, tendo em vista a fragilidade da seleção hondurenha, mesmo assim a alegria da torcida era contagiante. A preocupação depois era voltar para o Plaza Madrid, mas nada como uma Corona com limão bem gelada para ajudar na missão, afinal, andar de táxi na Cidade do México não é para os fracos.

 

Thursday 11 January 2024

Um domingo em preto e branco

 


O domingo começou com meu pai e eu pegando o ônibus para ir ao centro da cidade, geralmente os domingos começavam indo à missa do Padre Armando Salgado na Igreja do São Geraldo aonde eu ia religiosamente, algumas vezes para rezar, outras para comer as geleias de laranja que o Padre escondia em um pote atrás da Sacristia.

Aquele domingo seria diferente, nada de Igreja, pois a Ferroviária, o time de futebol da cidade iria jogar contra o Corinthians, tudo bem que meu pai e eu sempre fomos palmeirenses, mas não sei por que, meu pai resolveu me levar para ver a chegada do time no Hotel Eldorado. O Hotel Eldorado era o grande hotel da cidade, chique por natureza, muitos diziam que era o único capaz de receber as celebridades da época.

Os jogadores do Corinthians daquela época eram celebridades: Sócrates, Zenon, Casagrande e companhia limitada eram astros do futebol e os meninos sabiam quem era quem, pois eles apareciam nos chicletes do futebol cards – o futebol cards era um chiclete grande e fino, de tutti-frutti adocicado, tinha um gosto ácido e fazia a alegria da criançada, ele vinha acompanhado com um cartão com a foto do jogador, nome e ficha completa, onde nasceu, times que jogou e muitas informações, era o sinônimo de felicidade da época para um menino do interior que gostava de futebol.


             Pegamos o troleibus bem cedinho e descemos em frente à Praça Matriz de São Bento, o troleibus era um ônibus confortável, mas acima de tudo, lento e ainda tinha a parada na Avenida São Geraldo quase esquina com a Rua dos Libaneses que demorava uma eternidade, pois o motorista dava um pulinho no bar que ficava na esquina, isso causava uma irritação imanente e a impaciência de uma criança nunca deve ser desafiada, tal a chatice que toma conta do ser.

Quando descemos do ônibus na Praça da Igreja Matriz começaram as lembranças mais corintianas da infância, me recordo do Biro-Biro, então camisa cinco do time mosqueteiro encostado com o pé na parede na esquina da Avenida São Paulo com a rua São Bento, ele fumava um cigarro e me parecia estar esperando alguém, tal seu comportamento ansioso, olhando para baixo com uma das mãos na cintura.

Em frente ao Hotel Eldorado havia uma dezena de torcedores e curiosos e vimos o então narrador de futebol da Rede Globo de Televisão, Galvão Bueno junto com Casagrande indo em direção à Praça da Matriz para se encontrar com o Biro-Biro do outro lado.

Permanecemos em frente ao Hotel Eldorado por um tempo e no hall de entrada vimos o então treinador e campeão mundial de 1970, Carlos Alberto Torres conversando com os repórteres, ele também fumava, usava uma jaqueta de couro de cor escura e explicava de maneira detalhada como o time iria se comportar naquela tarde.

Quando toda a delegação corintiana se recolheu ao Hotel, resolvemos ir embora e cruzamos a Praça da Matriz para dar uma volta pelo centro da cidade, afinal, não era sempre que saíamos para passear e quando tínhamos a oportunidade, não podíamos desperdiçar, e quando passávamos na rua São Bento com a Portugal avistamos o Zenon saindo do boteco que havia quase na esquina, fiquei pasmo, pois a lembrança que eu tinha do Zenon era quando ele jogava pelo Guarani na final do Campeonato Brasileiro de 1978 contra o Palmeiras, e para um menino palmeirense, ele era um vilão, pois o Palmeiras foi derrotado por 1 x 0 e o título ficou com o time do interior, mas estava tudo bem, pois se tratava de um grande jogador de futebol e a gente sabia aceitar esse por menor, mesmo que jogasse no time rival, estava tudo certo, a gente sabia acomodar as coisas, durante o jogo, um simples palavrão já resolvia a questão, tudo zerado e nada havia acontecido.

A sangue frio de Truman Capote

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