Friday 31 December 2010

Resenha: Os Conselhos Municipais e a democracia brasileira

A experiência dos Conselhos Municipais no Brasil coincide com o limiar da crise que aflige o sistema democrático em todo o mundo.

Mesclar a democracia representativa com a democracia direta foi a alternativa encontrada para diminuir os impactos causados pela inoperância do atual sistema. Se for levada em consideração a premissa levantada por Bobbio (1) de que a democracia não cumpriu as suas promessas e por isso necessita ser reinventada, os autores do presente livro apontam justamente para o ponto nevrálgico do sistema – os Conselhos Municipais. Surgem como um ponto de apoio para a democracia representativa, uma vez que se trata de um mecanismo de democracia direta inserido no contexto político brasileiro.
A experiência dos Conselhos Municipais no Brasil, levantam duas questões que trabalham no sentido de contribuir para a não operacionalização das atividades propostas pelos Conselhos, mas que convivem conjuntamente para proporcionar a fase inicial de um processo de transformação política – de um lado, encontra-se o sistema educacional brasileiro que não apresenta uma formação adequada aos cidadãos, o que dificulta a inserção dos mesmos nos canais de participação e efetivação do processo democrático, por outro lado, tem-se a formação do Estado brasileiro que possui em seu histórico tomadas de decisões com características verticais sem consulta às bases, fruto de mecanismos políticos autoritários.
Nesse contexto, ensaia-se uma transformação do processo político brasileiro calcada no exercício da cidadania política, mesmo possuindo pontos de adversidades para o sucesso da empreitada – trabalhando sob a anuência da Constituição Federal que proporciona respaldo e subsídio através do macro sistema político, os autores contemplam de forma significativa as criações políticas dos governos municipais e da sociedade civil das principais capitais brasileiras, uma vez que as mesmas fomentam o exercício da cidadania política, abrindo espaço para a criação de uma sociedade poliárquica (2) no sentido dahlsiniano.
Ora, isso não significa que o Brasil se transformará em uma ágora gigante, nem marca um regresso à democracia dos antigos, como expõe Bobbio, apenas trata-se de um processo de aperfeiçoamento da democracia – democracia marcada pela acelerada urbanização e pelo superpovoamento. A obra aponta caminhos para que a democracia torne a trilogia input, output e feedback fenômenos repetitivos e constantes no cenário contemporâneo.
Pretendendo estabelecer diretrizes para a inserção dos Conselhos Municipais no cotidiano político brasileiro, os autores trabalharam com muita perspicácia o conceito de governança democrática – “padrões de interação entre as instituições governamentais, agentes do mercado e atores sociais que realizam a coordenação e, simultaneamente promovam ações de inclusão social e assegurem e ampliem a mais ampla participação social nos processos decisórios em matéria de políticas públicas”.

Através do conceito exposto, percebe-se que os autores contrapõem o Estado, o mercado e a sociedade civil como atores principais do sistema democrático em voga, mas, será que os governos municipais são capazes de concatenar e aglutinar os interesses do poder público, do mercado e da sociedade civil em seu interior?
De acordo com os estudos referidos na presente obra 62% dos conselheiros possuem alto nível de escolaridade, desse total, 81% são conselheiros do setor governamental, representando assim o fenômeno da tutela e da elitização dos mecanismos democráticos, fomentadores da participação cidadã proposta por Gohn. Muito embora o quadro apresentado pelos Conselhos Municipais das principais capitais brasileiras demonstre a forte influência do governo local em suas composições é justo afirmar que os mesmos também são palcos da luta entre os movimentos sociais organizados e os grupos políticos locais que lutam de forma constante para a manutenção ou a ampliação dos seus poderes.
A obra apresentada por Santos Junior, Ribeiro e Azevedo merece ser vista como instigante e inovadora, uma vez que apresenta subsídios importantes para uma sociedade mais democrática e participativa além de nos convidar ao trabalho do pensamento para a construção de um novo modelo político.

Notas:

1. Na obra “O futuro da democracia”, Norberto Bobbio faz menção de que a democracia não cumpriu as suas promessas e por isso faz-se necessário reinventá-la.

2. O conceito de poliarquia é proposto por Robert Dahl na obra denominada “Poliarquia”, segundo o autor, “poliarquia são regimes que foram substancialmente popularizados e liberalizados, isto é, fortemente inclusivos e amplamente abertos à contestação pública” .

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