Wednesday, 23 April 2025

O Tim de muitos campos e espaços


O cigarro entre os dedos, a fala mansa e a magrela azul eram marcas indeléveis do Tim. Costumava chegar devagar ao campo do ACCO com sua magrela carregando um saco de uniforme, com camisas, meias e calções.

Tim era dono de dois times de futebol na cidade de Araraquara: o Fluminense e o Flamengo. Tim  costumava chamar "seus" garotos usando um assovio tradicional, esse artifício era muito comum nos anos setenta e oitenta, geralmente feito pelos pais quando queriam chamar seus filhos para alguma tarefa doméstica ou escolar.

Tim usava alguns campos da cidade para treinar os seus times. Um dos locais mais usados era o "campão", o rapadão, como a galera da época chamava. Reza a lenda que no campão não podia nascer grama, o campo ficava feio, tinha que ser do jeito que era, de terra batida e esburacado, assim era bem melhor. O campão ficava próximo à avenida trinta seis entre as ruas nove e onze. Aquele campo era esquisito, tinha vários buracos de erosão em seu meio e era todo torto, com suas traves de madeira maciça era o "point" do futebol amador de Araraquara.

Outro campo utilizado por Tim para treinar a molecada fica em frente ao estádio da Fonte Luminosa, na parte debaixo. O campo é torto, assim como o campão, mas ele ainda possui grama, mas como quase nunca cortam, geralmente está impróprio para a  prática do esporte bretão, a bola se esconde na grama e a molecada pena para jogar, mas enfim, era o que tinha para a época e ninguém reclamava, nem o Tim, embora na realidade, não tenha mudado muita coisa. 

O que a moçada queria mesmo era jogar futebol, não importava o campo em que jogava. Ganhar ou perder era uma questão de perspectiva, geralmente os times do Tim competiam, isso era o mais importante. 

Alguns jogadores de sucesso profissional passaram por seus times, entre eles "João Batista Lopes", o Abelha, ex goleiro da Ferroviária, São Paulo, Flamengo e São Bento de Sorocaba que revezava suas defesas entre os dois times do Tim.

Assim como Tota, Seu Armando Clemente, Zé Lemão, Tim colocou seu tijolinho na construção do esporte na cidade de Araraquara e deixou marcas sustentáveis nas gerações dos anos setenta e oitenta e ainda próximo do octogenário, ainda tenta deixar um legado para as novas gerações.










 

 


Wednesday, 19 March 2025

O Narciso, o portão e a maria mole


 

A molecada chegava cedo para a prática da educação física e se aglomerava no portão do Narciso da Silva Cesar que fica na rua quatorze, entre as avenidas Cristovão Colombo e Bandeirantes. O portão da escola velho e enferrujado que era unido por uma corrente cor laranja por causa da corrosão servia de gol enquanto o professor não chegava.

Em frente ao portão, tinha o boteco do Pedro cheio de cachaça na estante, uma gôndola de doces caseiros e de chicletes “Ploc” que fazia a alegria dos moleques. Pedro era um sujeito gordo, bonachão e austero, com cara de bravo e que sempre se negava a vender fiado para a molecada. O máximo que fazia era dar um copo d’água da torneira. A limpeza do copo era duvidosa, a água apresentava um aspecto turvo e às vezes, esverdeado, mas na ânsia de matar a sede, qualquer coisa estava certa. De vez em quando, os moleques entoavam o coro: “ei, Pedro, vtnc” para “homenageá-lo” e os gritos só paravam quando o portão se mexia, o professor havia chegado.

O professor era o Seu Carlos, ele usava barba longa e era calvo. Era um sujeito legal, com seu jeito calmo e fala mansa, conquistava a molecada. Ele ensinava com maestria, era detalhista nos movimentos dos esportes: um toque no vôlei, um arremesso no basquete, um chute a gol, tudo era meticulosamente ensinado e explicado, sua didática era fantástica, valia demais a sua aula.

A molecada gostava mesmo era de jogar futebol. O vôlei, o basquete e o handebol eram deixados de lado, portanto, jogar futebol era fundamental na educação física. Seu Carlos ficava em apuros, dizia que o futebol não precisava ser explicado e insistia nos treinos de vôlei, o que parecia ser seu esporte preferido. A molecada ficava brava, mas ninguém se indispunha com o professor, ele era gente boa demais.

Quando a educação física acabava, a molecada corria para o bar da Santa Izildinha que ficava na esquina da rua treze e meio para comer maria mole e tomar tubaína, muitos iam na sorveteria do Cidão que ficava do outro lado da esquina, tomar aquele sorvete de origem estranha, mas que era tão bom quanto a um Kibon e custava bem menos.

Nenhum dos moleques tinha dinheiro, tudo era resolvido na conversa, as vezes na porrada mesmo, vire e mexe uma briguinha básica para sair da rotina, mas a alegria era contagiante e no dia seguinte, tudo estava bem e dentro dos conformes.

Friday, 17 January 2025

Sergio Bergantim: a antítese da alegria

 


Eu vi um homem correndo pela avenida central da cidade, eu vi o tempo. O tempo passou entre luvas e defesas, entre os gols e as traves. Ele era capaz de parar a alegria, suas defesas monumentais impediam a felicidade de Pelé e sua turma, seu nome: Sérgio Bergantim, ex-goleiro da Associação Ferroviária de Esportes.

O homem que corria pela cidade criou um hiato no tempo e no espaço. O espaço entre as traves era apenas um hiato no contexto do futebol, onde permitir a felicidade máxima do futebol era resumidamente proibida.

O grito de hulll da torcida era a motivação para as suas atuações. Sergio Bergantim era a antítese do gol, a antítese da alegria e o prenúncio do quase. O quase era perfeito, Sérgio Bergantim aliava a sorte e a competência, as traves eram parceiras monstruosas das jornadas épicas do futebol dos anos 70.

O futebol dos anos 70 era diferente, técnico e com jogadores fenomenais. Ser goleiro naquele contexto era muito difícil, mesmo assim, Sergio Bergantim se destacava embaixo das traves defendendo as cores da Ferroviária.

Suas defesas fantásticas contra o Santos de Pelé o fizeram chegar à meta da Sociedade Esportiva Palmeiras, mesmo sendo suplente de Emerson Leão, um dos melhores goleiros do futebol brasileiro, conseguiu se manter seu nome no topo dos goleiros nacionais.

Sua passagem meteórica pelo Palmeiras do ano de 1974, o levou a ser pretendido por muitos outros times de expressão nacional: Corinthians, Santos, Portuguesa de Desportos, mas Sergio não deixou se levar pela fama e preferiu se manter com as cores grená do Estádio da Fonte Luminosa e nos ensinamentos da Educação Física escolar.

Sérgio Bergantim sempre foi sinônimo de esporte, uma vida dedicada a levar qualidade de vida e ensinamentos às crianças e adolescentes do Colégio Progresso da cidade de Araraquara – áurea de professor, Sérgio Bergantim de muitas pontes, defesas e fama infinita nos limites da cidade.

 

Wednesday, 8 January 2025

Eusebio Bonifácio: simplicidade e alegria nos anos 50

Braços abertos e um sorriso estampado no rosto, foi assim que Eusebio Bonifácio nos recebeu em sua casa na Vila Xavier. Com um gesto simples e voz humilde nos convidou para um cafezinho e para nos sentarmos embaixo de uma cobertura, onde a sombra nos proporcionava uma brisa agradável na manhã de quarta-feira.

Com voz rápida e confusa tendo em vista os problemas na dicção, nos fez voltar no tempo, num tempo em que o futebol era puro romantismo e alegria. Nos contou com desenvoltura e de forma muito detalhada o lance do gol na estreia dos refletores do estádio da Fonte Luminosa, momento épico em sua curta carreira.

Embora a idade e os problemas de saúde se apresentem de forma acentuada e que dificulta um pouco o andar e as dores renitentes, Eusebio nos lembrou com detalhes impressionantes a excursão da Ferroviária no mundo europeu, o encontro com o jogador Didi, astro da seleção brasileira – os jogos nos países da África e as peripécias dos jogadores em terras estrangeiras. O seu relato é sensacional.

Seus olhos lacrimejaram e as mãos ficaram trêmulas quando lembrou do tempo que atuava como gandula atrás dos gols da Ferroviária ainda menino e das caças que fazia com a molecada utilizando bodoque, costume dos meninos da época, onde os passarinhos não tinham muito sossego, pois precisavam desviar das pedras que passavam em alta velocidade e possuíam tamanhos variados.

A lesão no joelho quando jogava na Francana ainda no início da carreira, atrapalhou demais o seu desenvolvimento como jogador e depois que ganhou o passe livre da Ferroviária passou por vários times, encerrando a carreira no time de Taquaritinga.

O ponto alto da conversa foi a bolachinha com café servidos pela irmã com muito amor de carinho e assim se fez a manhã, entre sorrisos e abraços a lembrança de mais um ídolo da Associação Ferroviária de Esportes.

Thursday, 2 January 2025

Agostinho Brandi: o tempo sempre será o senhor da razão

 

Pereira Lima e Agostinho Brandi (1951)

 

Um olhar, uma luz, sinal dos tempos estampado no rosto, voz firme e mãos certeiras. Um senhor fala com a gente encostado a um portão, indicando o local exato onde estacionar o carro.

Prazer, sou Agostinho Brandi! Nos disse com voz forte e dissonante.

Impressionante como Shakespeare é muito contemporâneo quando dizia “que o tempo é o senhor da razão”. Agostinho Brandi é a contextualização exata da frase, mesmo com a idade em estágio avançado e aparentando uma solidão sublime se exprime de maneira muito racional e lúcida, apontando caminhos e ideias, típica dos homens formadores de opinião.

Sentado a uma mesa no melhor estilo retrô e apartamento com decoração dos anos oitenta, trouxe uma visão familiar ao contexto e levou a uma alegria inenarrável e contagiante a todos.

Na conversa, nos fez relembrar da sua carreira como jogador de futebol, o nascimento do América Futebol Clube de São José do Rio Preto e da Associação Ferroviária de Esportes e a incrível luta de Pereira Lima para fundá-los e torná-los duas potências do futebol do interior paulista.

Com uma memória fantástica, Brandi nos conta os bastidores do primeiro treino da Associação Ferroviária de Esportes numa fazenda localizada próxima ao bairro Igaçaba no ano de 1951, e com detalhes nos lembra da conversa com o treinador, narrando com muita propriedade como se tornou o primeiro goleiro a entrar em campo em um jogo oficial pela Ferroviária.

O ponto alto do bate papo foi quando Brandi nos contou detalhes do jogo de estreia do Estádio da Fonte Luminosa – jogo em que a Ferroviária fez contra o Vasco da Gama no ano de 1951. O Vasco da Gama era a base da seleção brasileira e o placar de 5 x 1 para o Vasco, segundo Brandi não refletiu o que foi o jogo, pois a Ferroviária perdeu muitos gols, mas Ademir Menezes, centroavante do Vasco era um jogador fantástico.

A intelectualidade de Agostinho Brandi não podia ficar de fora do bate papo – ele mostrou seu gosto por partituras e falou sobre os livros que pretende lançar. A sua influência política na cidade de São José do Rio Preto está estampada e marcada no tempo e no espaço, uma vez que existe uma escola com seu nome, uma justa homenagem para quem fez tanto pela cidade, seja como professor ou mesmo como secretário na administração pública.

E ainda sobrou tempo para nos levar para almoçar com direito a pagar a conta e tudo o mais e dar uma “corridinha” ao banco para resolver problemas pessoais.