Era manhã cedo quando Sabugo, um
nome que mais parecia saído de uma história de aventura, começava seu dia. A
barba longa e desgrenhada, que lhe valera o apelido, era sua marca registrada.
Ele a cultivava com um certo orgulho, embora não houvesse muito que pudesse
fazer para domá-la.
Sabugo era catador de papelão. Seu
carrinho, um veículo improvisado para transportar seus achados, rangia e gemia
a cada movimento, como se estivesse contando histórias de suas próprias
batalhas diárias. Juntos, eles deslizavam pelas ruas da cidade, uma dupla inseparável
no ritmo frenético de Araraquara.
Ao meio-dia, Sabugo fazia uma
pausa. Sentado na beira da calçada, geralmente na esquina da rua três com a
avenida Osório, embaixo da marquise onde os taxis ficavam estacionados, abria
um embrulho de papel que guardava os restos de comida que conseguira recolher.
Para muitos, aquilo poderia parecer pouco, mas para Sabugo, era o suficiente
para matar a fome e seguir adiante.
Com sua caneca em mãos, ele
observava o vai e vem das pessoas, cada uma com sua pressa e preocupações.
Sabugo, no entanto, tinha um outro tempo. O tempo dos que vivem à margem, dos
que enxergam o mundo por outra perspectiva.
Sabugo era um observador. Enquanto
mastigava lentamente, seus olhos acompanhavam o movimento ao seu redor. Via a
cidade acordar e adormecer, os rostos que passavam, as histórias que se
cruzavam sem jamais se tocarem.
Ele sabia que sua vida era simples
e humilde. Sabia que muitos o olhavam com desdém ou pena. Mas ele não se
importava. Sabugo tinha a liberdade dos que não têm nada a perder, a sabedoria
dos que aprenderam a encontrar beleza nas pequenas coisas.
Com a caneca na mão, Sabugo
refletia sobre a vida. Pensava em como, apesar de tudo, ele tinha sorte. Sorte
por ter saúde para continuar empurrando seu carrinho, por encontrar sempre
algum alimento, por poder ver o mundo de uma maneira que poucos se permitiam.
Para Sabugo, a vida era isso: um
dia após o outro, um passo de cada vez. E, no final do dia, era o sorriso que
ele lançava ao carrinho, seu fiel companheiro, que dizia tudo sobre sua
jornada. Em sua simplicidade, Sabugo encontrava uma paz que muitos ainda
buscavam. E, quem sabe, essa fosse a verdadeira riqueza da vida.