Friday 4 October 2013

O Welfare State e a política social

A política social no período entre o final do século XIX e nas primeiras décadas do século XX bem como o Estado foram marcados por um padrão autoritário e paternalista que respondeu ao processo de transformações e mudanças estruturais produzidas pelo conjunto das relações econômicas, políticas e sociais no seio desta sociedade em mutação. A eclosão da questão social e suas manifestações expressaram a luta de classes e as condições de opressão e desigualdades vividas pela classe trabalhadora que demandaram a intervenção estatal através da mediação legal e política. Se por um lado o processo de industrialização foi visto como condição para a modernidade, como progresso técnico e democracia por outro se constituiu como um mecanismo de empobrecimento, de subalternidade e de desumanização. A partir do momento que a classe trabalhadora coloca esse contexto em questão, problematizando-o e se fortalece politicamente é que no século XIX se criam as condições favoráveis para a construção de um sistema de proteção social. No entanto se as características das políticas sociais no século XIX eram orientadas pela lógica punitiva e coercitiva, de moralização da questão social e responsabilização do indivíduo pela sua condição de pobreza, é possível perceber que no final desse mesmo século já se inicia um processo de ampliação da intervenção estatal para além da moralização da questão social. Pierson (1991) detecta três fatores que se inter-relacionam para explicar as origens deste Estado: a introdução do seguro social; a extensão da cidadania e o crescimento do gasto social. Compreendemos, portanto que essa ampliação se deve se deve tanto pelas pressões que o Estado vinha sofrendo frente à questão social e o desenvolvimento do capitalismo quanto também pela extensão dos direitos de cidadania. É importante destacar que essa ampliação não ocorre de uma forma homogênea entre os países. As respostas que cada país vai dar para esse contexto são variáveis e obedecem às suas particularidades, à capacidade de resistência e organização da classe trabalhadora. Alguns países já começam a organizar o sistema de proteção social de forma ampliada no final do século XIX como, por exemplo , os países da Europa Ocidental e outros, como o Brasil, apenas no século XX. Assim o final do século XIX constituiu “um manancial de promissoras conquistas sociais e políticas, mesmo no âmbito de um Estado restrito, o que autorizou vários estudiosos a falar na formação do Welfare State naquela época” (POTYARA, 2008, p. 43). Embora alguns autores façam uma associação direta entre política social e Estado de Bem-Estar, Potyara (2008) entende que não é possível estabelecer tal relação. Os dois não são a mesma coisa, embora tenham se encontrado num momento histórico específico. No entanto é a partir da Segunda Guerra Mundial que o sistema de proteção social se consolida. Esse momento conhecido como “era dourada” significou, nas palavras de Esping Andersen muito mais do que um simples incremento das políticas sociais no mundo industrial desenvolvido, mas representou um esforço de reconstrução econômica, moral e política. As crises econômicas mundiais vivenciadas nas primeiras décadas do Século XX, com destaque para a crise de 1929, provaram que a economia capitalista livre de qualquer controle ou regulação geravam o acirramento das desigualdades sociais podendo colocar em xeque a estabilidade política do sistema. Aliado as crises somam-se as ameaças comunista e fascista que levaram muitos países a se auto-proclamarem Welfare States não tanto pelo interesse em ampliar os gastos com as políticas sociais, mas pela busca da integração social nacional. O Welfare State como ficou conhecido, embora alguns países se refiram também ao Estado Social ou Estado Providência, se consolidou nos marcos do capitalismo monopolista entre 1940 e 1970. As principais características desse modelo são: o crescimento econômico sem inflação, através da ampliação do mercado de trabalho e de consumo crescente e o pleno emprego baseado principalmente no trabalho assalariado. Keynes, na Inglaterra, ao procurar encontrar respostas para a crise propôs uma mudança na relação do Estado com o sistema produtivo, rompendo com os princípios do liberalismo. Assim, segundo a análise Keynesiana, a operação da mão invisível do mercado não necessariamente produziria a harmonia entre o interesse egoísta dos agentes econômicos e o bem-estar global, como o demonstraram a grande depressão e a guerra. As escolhas individuais entre investir ou entesourar, por parte do empresariado, ou entre comprar ou poupar, por parte dos consumidores e assalariados poderiam gerar situações de crise, em que haveria insuficiência de demanda efetiva e ociosidade de homens e máquinas( desemprego). A demanda efetiva, segundo Keynes, é aquela que reúne bens e serviços para os quais já a capacidade de pagamento. Quando há insuficiência de demanda efetiva, isso significa que não existem meios de pagamento suficientes em circulação, o que pode levar à crise. Nesse sentido, o Estado deve intervir, evitando tal insuficiência. (BEHRING E BOSCHETTI, 2007, p.85) A proposta se consolidou em um programa fundado em dois pilares: pleno emprego e maior igualdade social que poderia ser alcançado se a ação estatal usasse duas vias: gerar emprego dos fatores de produção via produção de serviços públicos, além da produção privada e aumentar a renda e promover maior igualdade, por meio da instituição de serviços públicos, dentre eles as políticas sociais. As economias políticas contemporâneas combinam estruturas do estado de bem-estar e estruturas econômicas; as duas estão essencialmente encadeadas e provêem traços definidores das democracias industriais avançadas. Enquanto o Estado do século XIX, como observou Marx, podia ser significativamente distinguido da economia de mercado característica daquelas sociedades, a economia política do pós-1945 impede esta fácil distinção. Mudanças nos padrões de emprego — do mercado para o setor público — e, conseqüentemente, nas fontes de renda, bem como no tamanho do setor público implicam uma unidade entre estado de bem-estar e economia no período contemporâneo. Em alguns países o emprego público e, por conseguinte, as fontes de renda pública ou salário social constituem mais de 50% do emprego e da renda. Esta é uma mudança notável com implicações sobre a atividade política, a cultura política e a experiência social. (KING, 1988, p.54) Com o Welfare State, a partir da proposta do pleno emprego, há a universalização das políticas sociais, principalmente da educação e da saúde, e, consequentemente a melhoria dos padrões de vida dos cidadãos que passam a se sentir mais protegidos através do acesso a serviços e benefícios tais como: seguro social obrigatório, leis de proteção do trabalho, salários mínimos, programas de habitação subsidiados ( POTYARA, 2008). Ao keynesianismo também agregou-se o pacto fordista da produção em massa para o consumo de massa. Essa aliança foi marcada pela onda longa expansiva: “os anos de ouro” do capital. Nesse período foi visível a melhoria das condições de vida dos trabalhadores com acesso a serviços que antes inexistiam o que levou a diminuição das lutas levando os trabalhadores a crerem na possibilidade da combinação entre acumulação capitalista e proteção social. Emergem também nesse contexto as políticas beveridgianas que passam a conviver com algumas políticas bismarckianas (contributivas). O Sistema de Seguridade Social de Beveridge, nos anos de 1940, inovou por ser nacional e unificado e conter um eixo distributivo, seguindo uma lógica do direito social e não mais só do seguro social. As políticas sociais e o Estado de Bem-estar não são heterogêneos e uniformes. Como já assinalado cada país implementa o conjunto de políticas sociais a partir de alguns determinantes podendo ser mais ou menos generosos. Assim, destaca-se os estudos de Titmuss(1981) que apresenta três modelos de políticas sociais dos Estados de Bem-Estar. São eles: o residual; o industrial e o institucional redistributivo. Para ao autor, citado por Potyara, o residual é baseado na premissa de que há duas instituições naturais ( ou socialmente dadas) mediante as quais as necessidades dos indivíduos são adequadamente atendidas: o mercado e a família. Somente quando essas duas instituições falham é que o Estado deverá interferir e, mesmo assim, temporariamente pra não competir com as formas espontâneas e mais dignas de auto-ajuda”(2008, p. 186). Nesse caso as políticas sociais precisam ser mínimas ou escassas onde o Estado é visto como árbitro e onde há a individualização dos problemas sociais. No segundo modelo, baseado no desempenho e performance industrial, significa “que as necessidades sociais devem estar submetidas à lógica da rentabilidade econômica e, portanto, devem ser atendidas de acordo com o mérito do trabalhador- ou com a produtividade e resultados alcançados por este no seu posto de trabalho” (2008, p.186). E no modelo institucional redistributivo “elege o bem-estar social como o principal tipo de proteção, incumbindo o Estado o papel de regulador das leis de mercado e de provedor de bens e serviços universais baseado no critério das necessidades sociais” (2008, p. 186). Essa classificação, conforme Titmuss é apenas um recurso explicativo e não uma forma estanque de pensar a política social. Não são modelos excludentes e nem sugerem uma evolução, ou seja, não significa que se trata de etapas a serem ultrapassadas pelos países. Esping Andersen também construiu uma tipologia, três mundos de bem-estar capitalista ou regimes de bem-estar: o liberal; o conservador-corporativo e o social-democrata. No regime liberal o Welfare State é dominado pela lógica do mercado e os benefícios sociais são ínfimos, atendendo critérios de seletividade, ou seja, voltados pra os grupos de baixa renda; No regime conservador-corporativo predomina a subordinação dos direitos de cidadania ao status quo e não a mercadorização da política social. As políticas sociais são usadas como estratégia de desmobilizar a classe trabalhadora, como por exemplo, as políticas bismarckianas. Nesse regime há o apelo à subsidiaridade que segundo Peter Abrahamson (1995), citado por Potyara (2008),refere-se à prática de proteção em que a instância mais próxima do necessitado é que deve procurar auxiliá-lo, como a Igreja, o vizinho, a família, por exemplo.A atuação do Estado também é pequena e residual. E, finalmente, o regime social-democrata, onde o Estado é o principal agente da provisão social, oportunizando o acesso aos serviços sociais universais e zelando pelo pleno emprego. O bem-estar é visto como direito de cidadania e, portanto, desmercadorizado. Esse modelos e classificações nos ajudam a compreender, a partir dos anos de 1940, como os países -em diferentes partes do mundo capitalista- vem implementando suas políticas sociais seja usando um modelo isolado ou mesclando-os. A partir de uma leitura crítico-dialética entendemos que embora o Estado de Bem –Estar tenha representado uma mudança do padrão de proteção social e ganhos sociais e políticos para a classe trabalhadora ele não representou uma alteração na estrutura de dominação burguesa e nas relações de propriedade capitalistas. Sabe-se que o Welfare State com as suas políticas; seu aparato institucional, suas justificações teóricas e ideológicas e seu acervo técnico-profissional é parte integral do sistema capitalista. Isso quer dizer que ele, como um complexo moderno de proteção social, ancorado nos conceitos de seguridade e cidadania social, não surgiu, resgatando Frase, como um coelho da cartola de um mágico. (POTYARA, 2008, p. 87) A contradição presente no Welfare State pode ser compreendida no registro de Medeiros. Além de instrumento de política macroeconômica, o Welfare State é também um mecanismo de regulação política da sociedade. A partir do momento em que a negociação coletiva dos níveis salariais e das condições de trabalho se generaliza na sociedade, o processo de barganha entre capitalistas e trabalhadores passa a ser tratado como assunto público. Assim, o crescimento da organização política dos trabalhadores faz que o Estado passe a incluir na agenda política nacional os interesses dos trabalhadores organizados. Vacca (1991), por exemplo, aponta que o Welfare State surgiu como mecanismo de controle político das classes trabalhadoras pelas classes capitalistas: a intervenção no processo de barganha limita institucionalmente a capacidade de organização extra-estatal dos trabalhadores. (2001, p. 07) Se o surgimento do Welfate State está relacionado a demandas que pedem reconhecimento dos direitos sociais e maior igualdade também é uma demanda do capital para manter-se vivo, íntegro.

No comments:

Tubaína, mortadela e um jogo na Fonte Luminosa

  O ano, ele não se recorda de maneira exata, mas tem a certeza de que aquela partida de futebol entre a Ferroviária de Araraquara e Palmeir...