Dreifuss, René Armand. As
transformações. In: A Época das perplexidades. Petrópolis: Vozes, 1996. p.
133-177.
No século XX a
internacionalização foi sustentada por atores empresariais que atuavam com
agentes centrais da produção, mas também como atores políticos junto a
sindicatos e partidos políticos.
Os motores da
internacionalização foram as empresas domésticas que visavam o mercado nacional
como campo de atuação e as empresas exportadoras que se lançavam ao mercado
externo.
As empresas multinacionais que
marcaram os anos 60 e 80 buscaram diversos tipos de vantagens comparativas:
matéria-prima abundante ou exclusiva, salários baixos, proximidade de mercado
consumidor e trabalharam com produtos de destaque individual.
Para enfrentar os novos desafios as empresas multinacionais reformularam as
suas premissas organizacionais, redesenharam o mercado, buscando alongar a base
social, ultrapassando os limites nacionais.
As empresas multinacionais
dinamizaram três grandes processos de transformação: mundialização de estilos,
usos e costumes, de globalização tecnológica, produtiva e comercial; e de
planetarização da gestão.
Esses processos permitem
vislumbrar movimentos diferentes e potencializadores: o nascimento de um
tecnoeconomia global, rede de sociedades e comunidades ciber-espaciais e a
configuração de um esboço político planetário que condicionam as rearticulações
político estratégicos.
Mundialização de usos e costumes
A mundialização compreende a
generalização e uniformização de produtos, instrumentos, informação e meios à
disposição de importantes parcelas da população mundial.
A mundialização trabalha com a população mundial a despeito das suas diferenças
históricas (culturais, sociais, nacionais religiosas) e das distâncias físicas
– consome e reconhece como “seus” os mais diversos objetos e procedimentos.
Neste sentido, a mundialização lida com a massificação e homogeneização
cultural, que se explicita nos hamburguers, pizzas, sorvetes. Mas a
mundialização também incorpora as particularidades locais , regionais,
nacionais. A mundialização é portanto é desdobramento da economia e da
política. Refere-se a valores e referências, a produtos e métodos desejados e
passíveis de utilização, nos mais diversos países sem ater-se à sua origem
nacional ou cultural.
A mundialização tem como eixo de
consituição – ao invés dos produtos mecânicos e dos instrumentos-objeto – os
produtos “inteligentes” – os instrumentos sistema (computadores, telefones,
tevês, fax , controladores) que fundem num só, os instrumentos-conhecimento e
os serviços-sistema baseados na indústria da informação – aos quais são
inerentes uma série de insumos e apoios múltiplos para a sua produção e
manutenção.
A mundialização se realiza também por vias de macrossistemas infotelecom
permitindo a difusão instantânea da informação (atuação transnacional da mídia
visual e transmissão e disseminação cultural transfronteiras em tempo real),
potencializada pelas diversas redes de serviços on-line, que inauguraram novas
modalidades de compras, consultas, notícias, entretenimento, intercâmbio social
e acadêmico.
A mundialização também se
organiza e se faz a partir de megaespaços urbanos, diferenciados por sua
localização física e sua história. Esses espaços-cidades concentram e agregam
funções financeiras, industriais, científicas, tecnológicas, culturais e políticas
– que se articulam e se inter-relacionam “por sistemas de formação que fornecem
os quadros e os dirigentes das empresas e dos Estados”.
Globalização Tecnoprodutiva
A globalização é alavancada num novo tripé financeiro: o sistema bancário, que
está assentado sobre muitos bilhões de dólares dos vinte maiores bancos do
planeta, e da enormes quantias depositadas que chegam a mais de 6 trilhões de
dólares; os fundos mútuos de ação; e as seguradoras.
A globalização traz consigo a concentração de capitais, reforçada por processos
de associação e incorporação de diversos tipos (fusões de iguais, absorções
hostis) e outras variadas razões: adição de valor às posições dos acionistas,
redução de custos, ganhos de escala, tomada de posição em novos mercados,
penetração regional ou nacional alcance multinacional, aumento da
produtividade.
A globalização financeira, num mercado mundial inter-relacionado de capitais e
serviços, escapa ao controle dos Estados e de seus bancos centrais, mesmo das
instituições financeiras internacionais e multilaterais, graças aos recursos da
teleinfocomputrônica e das novas tecnologias financeiras.
A globalização também se refere
a uma multiplicidade de processos interativos (sinergias, coalizões, alianças,
redes) preconizados por “produtores” e “gestores” transnacionais, que formulam
diretrizes num universo sistêmico de decisões, refletindo uma interação
seletiva e excludente das corporações estratégicas, centradas no espaço
triádico.
Outro aspecto importante da globalização produtiva e de mercados se assenta na
padronização de produtos, e por sua vez,é sustentada pela comunidade de
consumo. A padronização é induzida pelos “fabricantes globais”. Ela traz
consigo, num ritmo intenso, a globalização do varejo, principalmente através de
empresas poderosas norte-americanas.
A globalização econômica exige a padronização de serviços e produtos , mas
precisa lidar com a variedade de sociedades dos diferentes países. Nesse
sentido, Estados e sociedades nacionais não podem ser padronizados por
decretos, indução ou constrangimento. No entanto, a globalização coexiste,
portanto, com realidades singulares e com processos de afirmação de
particularidades que antecedem( ou se apresentam como reação ao fenômeno da
mundialização).
A diversidade cultural também
orientará o processo de globalização econômica, embora – num aparente paradoxo
– passe a a introduzir novas formas de atividades, singularmente
territorializadas: produção localizada baseada em recursos locais e até normas
locais.
Segundo Dreifuss, a globalização
e um termo que expressa a dualidade do fenômeno – o customizing (ajuste ao
sabor local) e a harmonização (global) do produto e do produtor, dos
procedimentos e das percepções – operando dentro de um mesmo processo de globalização.
Estimula-se a diversidade estrutural e recusa-se a padronização para combinar e
fazer convergir as demandas específicas. Esta será a marca da primeira década
do século XXI: o preparo do terreno para a nova mundialização de consumo e
conjunção de singularidades , para a consolidação da globalização
tecnoprodutiva e para a nova mentalidade planetária de gestão e percepção de si
próprio na gaia da terra.
Planetarização político-estratégica
Os processos de mundialização e
globalização se desdobram em diversas “horizontalizações” sistêmicas e
espaciais: econômicas, políticas e societárias. Este conjunto de mutações em
processo é coroado e sintetizado na noção de planetarização.
A planetarização trata de vínculos expressos na trama de organizações
transnacionais e de instituições supranacionais que fazem parte de um novo
tecido político e de gestão, e dá outro significado à noção de pertencer ,
resignificando a multiplicidade de inserções sociais e nacionais.
A planetarização envolve os
perímetros intangíveis de infomação e a colossal influência cultural
multicruzada – abrindo o capítulo das relações intersocietais. Nesse sentido, a
planetarização lida com conflitos e contenciosos transnacionais e transfronteiriços.
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