Tuesday 17 July 2007

Ideologia e política


Não podemos comparar a palavra ideologia com outras que possuem o mesmo sufixo. Compará-la com palavras como biologia por exemplo, é fazer com que o seu significado crie uma exatidão tal que acabe por desconstituí-la e tornando-a sem expressão e sem os mistérios que a cercam.
No século XIX, Destutt de Tracy, tentou aplicar um sentido exato à palavra ideologia quando a classificou como sendo um "subtítulo da zoologia" e que a mesma seria o estudo das idéias, relacionada com a natureza, os organismos vivos e o meio ambiente. Segundo Lowy, "é por esse caminho que segue a análise, de um cientificismo materialista e vulgar, bastante estreito, que caracteriza essa obra de Desttut de Tracy".
Por conseguinte, tem-se para esse trabalho o conceito de ideologia proposto por Stoppino, onde ideologia "é um programa adaptado para a ação de massa, derivado de determinados assuntos doutrinais sobre a natureza geral da dinâmica da realidade social e que combina certos assertos sobre a inadequação do passado e/ou presente com certas tendências explícitas de ação para melhorar a situação e certas noções sobre o estado final e desejado das coisas."
A definição acima exposta proporciona, em última análise, uma visão não estanque da sociedade, ou seja, que a mesma sofre contínuas transformações. Nesse sentido, nas sociedades modernas percebe-se através dos discursos e ações um processo de acatamento e de submissão a uma ordem pré-estabelecida e os processos de ações para a melhoria das condições de vida limitam-se às anteparas de escritórios e repartições públicas.
Nesse sentido, os discursos e as ações propostas nas sociedades modernas são direcionadas ao que podemos denominar de ideologia passiva, onde a transformação da sociedade e a luta pela melhoria das condições de vida são propostas sem sobressaltos de radicalização.
A ideologia passiva contemporânea possui como grande trunfo a falsa idéia de realidade. A ideologia passiva baseia-se em um movimento não retilíneo e uniforme da história, apresenta aspectos de fantasias e ilusões que alteram o comportamento individual e influencia de forma latente o comportamento das massas colaborando para o desencadeamento do processo de alienação.
A ideologia que vem conduzindo o processo de manipulação da história nas sociedades modernas encontra respaldo na definição de ideologia fraca, proposta por Bobbio e citada por Stopino ou seja, "ideologia designa o "genus", ou a species diversamente definida, dos sistemas de crenças políticas: um conjunto de idéias e de valores respeitantes à ordem pública e tendo como função orientar os comportamentos políticos coletivos".
Nas sociedades democráticas, os agentes que possuem a responsabilidade de elaborar propostas de governo são os partidos políticos. As posições adotadas pelos partidos políticos seja de direita, de centro ou esquerda não se fundamentam em posições contrárias ou de caráter extremista, mas sobretudo se estabelecem através do mesmo pano de fundo, ou seja, a manutenção da democracia e a estabilização da economia. A finalidade dos partidos políticos é de transmitir "o que nos livros de sociologia e de política se chama de "questionamento político" da sociedade e que, através dos partidos, as massas, participem no processo de formação das decisões políticas."
O desenvolvimento clássico das desigualdades entre os partidos de direita, centro e esquerda encontra-se sobretudo nas composições internas dos mesmos, ou seja, nas respectivas bases sociais. De acordo com Lipset " a esquerda socialista deriva sua força dos trabalhadores manuais e dos estratos rurais mais pobres; a direita conservadora é sustentada pelos elementos provavelmente abastados – donos de grandes indústrias e fazendas, o estrato gerencial e as profissões liberais... o centro democrático é apoiado pelas classes médias , especialmente os pequenos negociantes, os empregados de gravata e os setores anticlericais das classes profissionais".
A luta por igualdade das condições de vida na sociedade moderna está estabelecida e centralizada sobre as condições econômicas. Tal fato afasta de forma veemente a imprescindibilidade das relações políticas e transmiti à sociedade o espírito do "homem empreendedor", aquele capaz de conseguir tudo na vida, somente na base da vontade.
Nesse sentido, a ideologia na sociedade moderna se constrói através do pensamento e da ação. A relação entre pensamento e ação precisa necessariamente estar estritamente vinculada com aspectos da vida real. Em uma reportagem sobre o caso de Timothy McVeigh, o terrorista de Oklahoma, Contardo Calligaris, elaborou a seguinte frase: "no mundo do qual fazemos parte, é inaceitável agir por idéias. Só se age por interesse ou por problemas psicológicos".
Nesse sentido, percebe-se de forma objetiva a relação de alijamento com os processos de cunho ideológico, seja de caráter direitista, esquerdista ou centrista, e um viés conformista e determinista que enfatiza a ideologia do interesse.
A ideologia do interesse se estabelece devido ao processo de ausência de identidade. Identidade em relação a uma causa, a uma classe, a uma proposta de governo. Por conseguinte, os responsáveis pela intermediação entre o Estado e a sociedade, ou seja, os partidos políticos possuem certamente uma parcela de culpa considerável sobre as mazelas da representação política na sociedade democrática.
Segundo Campilongo, a representação política não deve somente estar calcada sobre os aspectos do direito, preocupada apenas com a unicidade do voto de cada cidadão. A representação política deve estar centralizada e enfocada sobre os aspectos de input, output e feedback, para possuir credibilidade as ações políticas.
Especificamente no Brasil, o caráter da representação política apresenta aspectos de peculiaridade, uma vez que o país não possui tradição, no que diz respeito ä democracia. Em última análise, não há sistema de representação política sem democracia.
Por democracia tem-se um processo que "reduz racionalidade à maximização de interesses individuais em conflito". Por conseguinte, para se desenvolver a "democracia depende, não apenas daqueles processos que ocorrem no sistema político strictu senso – aglutinação da opinião pública em partidos, atividades parlamentares e eleições -, mas depende também dos processos de formação e renovação de uma cultura política democrática.
O que se torna ponto fulcral de discussão na sociedade contemporânea é a intermediação entre as políticas elaboradas pelo Estado e a inserção da sociedade civil. O desmantelamento do Estado e a consequente dispersão dos interesses da sociedade, proporcionaram um viés de pessimismo sobre as relações políticas e o fortalecimento assíduo do processo mercadológico. Por conseguinte, a relação entre Estado e sociedade civil adquiriu uma face em que se estampa os dois lados da irresponsabilidade. Em primeiro lugar tem-se um Estado que se exime da relação com a sociedade civil, mas não abre mão do processo exploratório, seja através de aumento dos impostos ou mesmo de legislar a favor de outras nações e a sociedade civil que não aceita a relação de intervenção do Estado, mas que solicita a todo instante proteção para os desígnios da sua própria vontade, com característica de cunho particular.
A crise do processo ideológico na sociedade contemporânea, está instalada e alicerçada sobre duas palavras chaves, público e privado. Por público tem-se o conceito clássico que serve ou é relativo a todos e privado relaciona-se com o que não é público, não possui caráter público, ou seja é pessoal, particular.
Em última análise, o processo de racionalidade do qual se imbuíram os Estados Nacionais e a relação intrínseca com os processo da administração moderna provocou o que denominamos de pensamento mercadológico na sociedade contemporânea. Princípios administrativos, como por exemplo maximização de lucros e minimização dos gastos passaram a ser não só expressões utilizadas corriqueiramente pelas autoridades de plantão, como acima de tudo direcionados no sentido político da questão, ou seja, adquiriram processos de atitudes. Verifica-se constantemente a luta pelo aumento da arrecadação por parte do Estado, mas os gastos são ínfimos com a sociedade e dessa forma a desculpa está relacionada com a saúde financeira do Estado.
De acordo com Avritzer " com a institucionalização legal do meio monetário, a ação orientada para o sucesso e guiada pelas considerações egoístas do cálculo da utilidade perde a sua conexão com a ação orientada para o entendimento mútuo." O processo desencadeado pela financeirização do Estado Nacional provoca sobretudo uma crise proporcionada pela igualização no que diz respeito aos papéis encenados na sociedade, não possuindo uma relação entre
segmentos distintos mas sobretudo entre iguais. Quando o Estado está sujeito a trabalhar, a funcionar como uma empresa privada, ele está sobretudo se igualando nas relações mercantis e perdendo estritamente no campo das relações políticas e proporcionando uma relação de racionalização na sociedade. Racionalização essa concatenada com o processo de desenvolvimento econômico, vinculada com o mercado.
O processo de racionalização constituído provoca a crise da individualização fomentada pela sede constante de consumo, retirando de forma veemente o poder de grupos. " O fato de que o mercado, ao isolar as decisões dos indivíduos das suas interconexões com os outros indivíduos, cria uma arena na qual o indivíduo pode tomar as decisões independentemente dos demais indivíduos".
Nesse sentido, a história do Brasil republicano divide-se em várias fases e se caracteriza sobretudo pelo processo ditatorial e pelas concessões políticas: de 1889 a 1930, a República Velha, se caracteriza pela supremacia das oligarquias no comando do país, de 1930 a 1945, o período da ditadura Vargas, de 1945 a 1964, um breve período de abertura democrática, 1964 a 1985 período marcado pela Ditadura Militar e 1985 até os dias atuais, reabertura do processo democrático.
Analisando o desenvolvimento republicano brasileiro, percebe-se um extenso período de ditadura, seja de cunho personalista ou militar em detrimento de um processo democrático mais extenso. Em última análise, o processo de desenvolvimento político e o consequente amadurecimento das relações democráticas no Brasil, está sendo estabelecido, não por uma conquista do povo brasileiro, mas sim pelas concessões manipuladas pelo Estado.
Na sociedade contemporânea é necessário levar em consideração não somente as políticas formuladas pelo Estado em detrimento dos interesses da sociedade. Um terceiro elemento se faz presente nas relações do processo democrático, o mercado. "As sociedades modernas passaram a diferenciar a condição de membro político da comunidade da condição de agente econômico na sociedade civil".
Nesse sentido, "a política na sociedade burguesa é inefetiva porque a participação do ser-genérico na política enquanto indivíduo auto-interessado retira da política a capacidade de discutir os interesses gerais da comunidade" e transfere para o setor econômico os possíveis interesses de caráter geral e particular. A separação de interesses entre a particularidade e a universalidade se estabelece tornando prescindível as relações políticas.
As relações proporcionadas na política pela introdução e ênfase do fator econômico nas relações sociais ocasionou um estremecimento das ideologias ditas clássicas, socialismo, anarquismo, conservadorismo e muitas outras, estabelecendo a crise dos paradigmas.
Em última análise, o processo de desenvolvimento das sociedades democráticas perpassa o aspecto moral que condiciona a democracia e estabelece de forma contínua a árdua luta para coibir através de legislação as vontades próprias de cada indivíduo, ou seja, impor limites de atuação para os cidadãos.
Mas, como estabelecer limites sem parâmetros de coletividade?. O ponto fulcral para os partidos políticos se estabelece sobre esse ponto.
O caminho a ser seguido por este trabalho, segue os passos da teoria marxista, uma vez que a mesma apresenta aspectos relevantes para o desenvolvimento do tema. Aspectos como as diferenças sociais ocasionada pela desigualdade econômica, necessariamente precisam ser relacionado quando se discute o conteúdo da palavra ideologia. Em última análise, não podemos ater-se somente à concepção marxista para pensarmos e darmos volume ao trabalho, é necessário olhar a ideologia como nos propõe Eagleton, ou seja, precisamos olhar que a palavra legitima o poder de uma classe sobre outra. De acordo com Eagleton " para terem êxito , as ideologias devem ser mais do que ilusões impostas e, a despeito de todas as suas inconsistências, devem comunicar a seus sujeitos uma versão da realidade social que seja real e reconhecível o bastante para não ser peremptoriamente rejeitada".
Nesse sentido, Eagleton rejeita a idéia proposta por Mannheim, quando discute a influência da falsa consciência na atuação do indivíduo no cotidiano. De acordo com a idéia de Eagleton, a ideologia precisa fincar raízes no cotidiano para se prevalecer entre os homens, ou seja, o autor estabelece raízes com a realidade e assume a face conformista dos pós-modernistas.
É certo que não podemos caracterizar toda discussão como sendo pontos de vista ideológico. Uma briga entre irmãos por exemplo, não podemos caracterizar como sendo uma questão ideológica. O ponto a ser ressaltado por essa pesquisa, é que será considerado ideológico, somente aquilo que diz respeito a uma transformação no sentido social da realidade em que vivemos. Nesse sentido, o ponto fulcral da pesquisa sobre o termo ideologia está concentrado na luta entre as classes sociais e a luta pela manutenção do poder existente.
A palavra ideologia é revestida de representações, idéias e conceitos que o indivíduo tem sobre a sua condição material de vida. Quando um indivíduo aponta uma condição crítica sobre esses aspectos, está sobretudo obtendo um ponto de vista ideológico.
Segundo Marx, "a maneira como os indivíduos manifestam sua vida reflete exatamente o que eles são. O que eles são coincide, pois, com sua produção, isto é, tanto com o que eles produzem quanto com a maneira como produzem. O que os indivíduos são depende, portanto, das condições materiais da sua produção."
Analisando a relação ideológica sobre o ponto de vista marxista, mas contextualizando-a com a realidade contemporânea, percebemos que existem outros fatores que contribuem para o processo de alienação do indivíduo, além de sua longa jornada de trabalho. Um fator preponderante que atua no cotidiano das pessoas e exerce grande influência, são os meio de comunicação. Lógico que não podemos pensar que a mídia existe somente para a preservação do mal. Quando ela trabalha aspectos que leva o indivíduo a refletir sobre determinados aspectos da vida, ela está colaborando significativamente para a fermentação do processo ideológico do indivíduo. O que se percebe é que esses momentos proporcionados pelos meios de comunicação são mínimos, se fizermos uma comparação com a quantidade de assuntos banais apresentados pelos mesmos. O grande número de comerciais apelativos, a banalidade do cotidiano nas grandes novelas, a perpetuação de costumes e a implementação de novos hábitos, considerados como "modernos", são alguns dos aspectos a serem mencionados sobre a influência na grande massa e que na verdade, acabam contribuindo com a perpetuação da ideologia do poder existente no cenário nacional e mundial.
No entanto, aquilo que os homens são depende não somente das condições materiais de sua produção, mas também daquilo que aparece em seu mundo como representações, como idéias previamente estabelecidas. Essas idéias são trabalhadas pelos meios de comunicação de uma forma que não podem ser contestadas, que são verdades absolutas e que qualquer coisa que distorça aquilo apresentado pode ser caracterizado como ideológico, ou seja, como algo surrealista e fora dos padrões estabelecidos e "verdadeiros".
A ideologia é um processo que desce do céu para a terra, ou seja, ela é imposta por uma minoria sobre uma maioria, assim como também designou a teoria das elites de Mosca. Nesse sentido, pensar que um indivíduo que faz um discurso na rua solitariamente contra o governo, está estabelecendo uma relação ideológica é tautologia. Pois ideologia, em determinado sentido, significa pensar e propor ação para que aquele determinado pensamento passe a ser realidade. Lenin em seu livro "O trabalho do partido entre as massas", trabalha com muita propriedade a construção da ponte entre a ideologia e a ação para a modificação do quadro social russo daquele momento. Em certo sentido, o discurso do homem solitário só faz sentido se ele conseguir aglutinar, reunir adeptos e séquitos para a consecução dos seus ideais.
A concepção weberiana de que o Estado se fundamenta na força, já demonstra todo o poder da manutenção do processo ideológico existente e a sua renitente e contínua perpetuação. Através dos instrumentos estatais, o governo possui condições e legitimidade para trabalhar o que para ele se estabelece como "verdade". Um senador que viola o painel de votação do senado e assume o "crime" é considerado como um "grande homem" por parte do governo. Mas, que grande homem é esse? Como isso se caracteriza para a sociedade? Qual a opinião da sociedade sobre esse fato?. São perguntas que o governo não faz questão de responder, ou mesmo não demonstra a mínima preocupação se há na verdade um processo de corrupção instalado no país e sobre a lente de seus óculos. No entanto, percebemos nas palavras e nas atitudes do governo a implantação da ideologia da aceitação, ou seja, de que o processo de corrupção instalado faz parte da natureza humana e que contra ela não há remédio que faça efeito.
De acordo com Moraes, "Adam Smith sustentou que haveria uma mão invisível que conduziria os grandes senhores das atividades econômicas, malgrado sempre cuidarem de aumentar os seus lucros, levando-as a agir em benefício da sociedade em geral"
Em última análise, percebe-se que a ideologia é um processo imortal e que não há tempo que a desgaste. Adam Smith escreveu a sua teoria em meados do século XVIII e percebemos que ela continua muito viva e com muito mais vigor do que em tempos atrás. Lógico que esse processo passou por várias transformações até chegar no estágio em que se encontra. Ouve um processo de lapidação da teoria, até a sua imposição de forma voraz e incontestável.
A incontestabilidade do processo de globalização, levou autores como Fukuyama a admitir que chegamos no fim da história. Apesar de seu forte poder de argumentação, não podemos acreditar que a teoria marxista esteja morta e sim que também esteja sofrendo um processo de lapidação. Por conseguinte, não podemos ignorar a observação de Shakespeare de que os sonhos são as matérias de que a vida é feita.
De acordo com Macridis, "a ideologia proporciona um veículo para expressar nossos desejos, nossos interesses e esperanças, a até mesmo nossos impulsos e ansiedades pessoais". Nesse sentido, há a preocupação dos homens em criar organizações, ou seja, entidades em que todos compartilham os mesmos desejos e interesses e lutem para o mesmo bem comum. Podemos citar como exemplo clássico dessas organizações, os partidos políticos, os conselhos das indústrias e um clube social. A ideologia existente proporciona um objetivo comum que os estimulam a executar as tarefas previamente traçadas.
Segundo a teoria marxista, o processo econômico se prevalece sobre os outros fatores que determinam as condições da sociedade. Em última análise, a atuação dos grandes grupos econômicos fortalecem cada vez mais o processo de descentralização do capital, a ausência do papel do Estado na sociedade e consequentemente a explosão da exclusão social. Concomitante a esses fatos proporcionados pela ideologia do poder em voga, esse processo que atingi milhões de pessoas em todo mundo, é legitimado através de um discurso que possui características invisíveis a "olho nú" e é revestido de um simbolismo proporcionado não só pelas imagens das televisões, mas também por um processo psicológico de repetição do que é considerado como um conceito de verdade.
Para a compreensão da sociedade moderna, de acordo com a visão habermasiana é necessário estudar a sociedade, o Estado e concomitantemente, os efeitos proporcionados pelo mercado. O efeito da economia de mercado na sociedade proporcionou acima de tudo uma visão racional de mundo e a consequente homogeneização dos discursos.
Os processo de racionalização do mundo ocidental segundo Avritzer "partem, portanto, da necessidade das religiões mundiais de substituir a magia pelo domínio cognitivo da natureza e por uma explicação ética capaz de ser justificada".
Nesse sentido, o processo de racionalização da sociedade moderna é disseminado pelo sistema econômico. De certa forma, o sistema econômico tem a capacidade de gerar um processo de racionalidade, seja através da supressão de mão-de-obra, ou mesmo através da tomada de decisão com vistas nos problemas reais do cotidiano. "Com a institucionalização legal do meio monetário, a ação orientada para o sucesso e guiada pelas considerações egoístas do cálculo da utilidade perde a sua conexão com a ação orientada para o entendimento mútuo".
O processo de racionalização desencadeado pelo mercado centraliza-se na luta constante pelos recursos escassos existentes na sociedade. Sendo assim, ocorre a luta renitente para a maximização dos interesses individuais e afastando qualquer possibilidade de entendimento coletivo sobre um determinado assunto.
Dessa forma, a ideologia dos partidos políticos se pulveriza sobre as plantações da política econômica, não exterminando as possíveis pragas existentes no cerne da sociedade e nem conseguindo elaborar antídotos que contenham o avanço da doença.
Em última análise, as justificativas na sociedade contemporânea está sobretudo centralizada nos discursos da ciência. O fato da ciência explicar o mundo a partir do que ele é, ou seja, aplicar uma relação racional com base no cotidiano garante a plausibilidade das suas conclusões.
Nesse sentido, percebe-se um discurso ideológico que banaliza o que é a ciência. Através de métodos não muito bem explicitados de pesquisa e de posições antagônicas sobre o mesmo assunto desfaz-se toda a credibilidade que a ciência conquistou nesses últimos anos. Quando uma revista publica que o colesterol faz bem à saúde, e a outra publica que ele faz mal à saúde e que tais estudos foram feitos por uma determinada Universidade americana, coloca-se em questão se há algum problema metodológico de pesquisa, ou se há alguma empresa multinacional de fast-food financiando tal publicação, com vistas a aumentar ainda mais a sua fatia de mercado. Segundo Harvey, "a transitoriedade das coisas dificulta a preservação de todo sentido de continuidade histórica".
Por conseguinte, a história nos mostra alguns momentos específicos de uso e manipulação do termo, seja através de Instituições como a Igreja Católica ou o Estado, ou mesmo através dos meios de comunicação. O que propicia a luta do homem em seu cotidiano é a constante busca pela verdade absoluta, seja das suas idéias ou das suas atitudes.
A disseminação da "verdade" entre as massas relaciona-se com o aspecto da manutenção de poder e a consequente ojeriza de processos de modificações bruscas nos modos de pensamento e comportamento, o que de certa forma determina incertezas do processo que se coaduna com o futuro e estabelece conexão com a formação e o enraizamento da tradição na sociedade.
O processo de desenvolvimento histórico e o consequente posicionamento de classe adotado assume aspecto variável quando se estabelece o fenômeno da mobilização social para o indivíduo. Nesse contexto, o enraizamento da falsa consciência se faz presente e uma sublime movimentação da história se contextualiza.
A rotulação, o enquandramento do indivíduo em determinadas formas de atuação, conservador, progressista, socialista nada mais é do que o estancamento do processo do pensamento histórico pré-estabelecido. Em última análise, apesar do discurso do representante popular estar atrelado ao pensamento de classe o que prevalece é opinião pessoal e a independência sobre os fatores da vida real.
Nesse sentido, o limite estabelecido entre a realidade e o cotidiano no pensamento contemporâneo está entre a concepção de ciência que previamente é dirigido pelo pensamento positivista legitimado e os aspectos filosóficos e contemplativos da indagação que é de forma veemente exposto como uma visão de mundo inoperante e sem parâmetros. A importância do aspecto acima mencionado, é que o posicionamento político contemporâneo adotado por determinados representantes encontra-se baseado no processo de dominação do desenvolvimento histórico, ou seja, é imposto para a sociedade como sendo uma verdade absoluta sobre um determinado fato. Ora, a história não é construída com certezas, seus valores são mutantes e transformam-se constantemente. De acordo com Mannheim " encontrar pessoas em nossos dias tentando disseminar pelo mundo e recomendando aos outros algum elixir do absoluto, que apregoam haver descoberto, não passa de um indício da perda e da certeza intelectual e moral, e da necessidade dela, sentidas por amplos setores da população, incapazes de encarar a vida de frente".
Um dos aspectos que permeiam a sociedade contemporânea é a constante luta pela ascensão social. Nesse sentido, a mobilidade social está alicerçada sobre os padrões de consumo estabelecido pela classe dominante e não em um processo de construção de independência intelectual, não possui bases sobre uma vida de contemplação e elaboração do pensamento. Segundo Bordieu " o que separa as classes populares das outras classes é menos ( e, sem dúvida, cada vez menos) a intenção objetiva de seu estilo que os meios econômicos e culturais que elas podem colocar em ação para realizá-las. Esse desapossamento da capacidade de formular seus próprios fins ( e a imposição correlativa de necessidades artificiais) é sem dúvida, a forma mais sutil de alienação".
No entanto, a relação do homem com a verdade foi estabelecida não com uma visão racional e científica, mas sim com aspectos do sobrenatural permeado com a insensatez cristã. O indivíduo da Idade Média era obrigado a aceitar a imposição da verdade católica sob ameaça de queimar no fogo do inferno, uma vez que contestasse uma "verdade" que sob a égide da Igreja fosse de caráter absoluto.
A principal característica da filosofia da Idade Média era colocar o homem em uma situação apreensiva, onde a liberdade de sentimento e expressão eram extremamente vigiada sob risco de sofrer punição de um Deus onipresente e onipotente. Segundo Chauí, "quando a interiorização não ocorre, isto é, quando o Sujeito não se reconhece como produtor das obras e como sujeito da história, mas toma as obras e a história como forças estranhas, exteriores, alheias a ele e que o dominam e perseguem, temos o que Hegel designa como alienação". Esse processo retrai o indivíduo interior devido a ausência de objetivos pragmáticos, significativos de vida causando um imobilismo social sem precedentes.
Nesse sentido, a construção do conhecimento não apresenta aspectos sólidos, uma vez que reprime o pensamento individual do sujeito. Dessa forma, passa a ser privilegiado a construção do pensamento coletivo através da falsidade de proposições que vão nortear a vida do indivíduo "eternamente" durante toda a sua existência.
No entanto, quando o indivíduo passa a ser mais reflexivo, um novo modo de pensar passa a ser permeado pela sociedade. Através do movimento iluminista do século XVIII, o homem descobre na razão, uma nova maneira de olhar para Deus e buscar explicações racionais para a existência das coisas. Nesse contexto, o indivíduo passou a ser o sujeito da sua própria história, mas como nos propõe Marx, não a constrói segundo a sua própria vontade.
O homem passou a buscar o significado das coisas, mas não somente o significado exterior, mas sim o que se encontra por trás de determinadas coisas ou fatos. Por conseguinte, a ciência sofreu um processo revolucionário nunca visto antes e de certa forma passou a influenciar de maneira latente as transformações das condições de vida e a propor novas "verdades" para o conjunto da sociedade.
As "verdades" proporcionadas pelo avanço da ciência e o discurso mecanicista encampado pela sociedade estão em simetria com a tecnicização da sociedade e o processo racional assumido. Segundo Morin, "a ciência deve reatar com a reflexão filosófica, como a filosofia, cujos moinhos giram vazios por não moer os grãos dos conhecimentos empíricos, deve reatar com as ciências. A ciência deve reatar com a consciência política e ética.".
Em certo aspecto, dois tipos de processos precisam ser devidamente enfatizados, quando o que se estuda são as formas de relações sociais contemporâneas e o processo ideológico desencadeado. O primeiro ponto a ser traçado e discutido refere-se ao processo de desenvolvimento da ciência e o conseqüente processo de racionalidade trazido para o seio da sociedade. Em segundo lugar, a proposta individualista imposta pelo discurso do capital.
Nesse sentido, a perpetuação do capitalismo centraliza-se na lógica aristotélica da teoria do movimento. Por conseguinte, tal caracterização apresenta fundamento no processo dinâmico proporcionado não somente pelo capitalismo, mas no "desenvolvimento" desencadeado pela ciência. Não obstante, o caráter dinâmico imposto pelo capital encontra-se centralizado no desenvolvimento do processo científico. O desencadeamento do desenvolvimento científico encontra-se monopolizado por quem detém o poder econômico nas relações sociais. Portanto, a não estagnação do pensamento na sociedade hodierna, colabora de forma veemente para o estabelecimento e enraizamento de verdades mutantes. A mutação das verdades na sociedade proporciona um aspecto unilateral de relações quando este provoca a dominação política e consequentemente colabora para a manutenção do poder.
Nesse sentido, a sociologia do conhecimento nos aponta vários caminhos para o entendimento da realidade e a construção do eu. A proposta que viabiliza a construção da realidade para esse trabalho está estampada na obra de Mannheim "quem pensa não são os homens em geral, nem tampouco indivíduos isolados, mas os homens em certos grupos que tenham desenvolvido um estilo de pensamento particular em uma interminável série de respostas a certas situações típicas características de sua posição comum".
Os grupos manifestados por Mannheim estão relacionados de forma expressiva com o que Marx denomina de relações de produção. Nesse sentido, os homens se tornam unidos por algo que os torna comum nas relações sociais, ou seja, com o processo de transformação da matéria prima ou de uma forma mais contemporânea, relacionado com a prestação de serviços.
Por conseguinte, o que faz os homens se unirem não é o fato de possuírem as mesmas "idéias", mas sim a busca constante e renitente pela supremacia financeira, independente da classe social a que pertence. O processo de fusão de empresas, a diversificação dos serviços propostos, a multiplicidade de serviços prestados pelas empresas, contrastam com a defesa de interesses por segmentos. Os interesses se fundem na mesma proporção em que crescem as fusões e a diversificação do mercado gerando a guerra hobbesiana de todos contra todos na sociedade de mercado.
Em última análise, a defesa de determinados interesses estão diretamente relacionados com o processo ideológico nos grupos ou facções que atuam no mesmo ramo comercial e que de forma sorrateira, utilizam os meios políticos para obter vantagens no processo de competição no mercado.
O termo ideologia utilizado nesse trabalho, não possui correlação com a proposta napoleônica, ou seja, não está vinculado ao mundo das idéias, com o pensamento e as atitudes nas nuvens. A ideologia é um processo que desce do céu para a terra e está intrinsecamente relacionada com o mundo real. Não é nosso objetivo aqui procurar saber o que é a realidade, apesar desse trabalho estar procurando identificar algo existente. Mas não no sentido material, porque não podemos identificar o interesse como algo que se materializa. Em última análise, o interesse é um processo de atitude onde estão inseridos verdades e mentiras e a sua identificação só será possível nas entrelinhas de discursos e posições adotadas.
A visão da ideologia pela sociedade contemporânea está estritamente vinculada com a realidade prática pois é a única digna de confiança. Segundo Mannheim " a nova palavra sanciona a experiência específica do político com a realidade, e empresta sustentação à irracionalidade prática, que tem tão pouco apreço pelo pensamento como um instrumento para captar a realidade."
Identificar a diferença entre direita, centro e esquerda no quadro político brasileiro e especificamente no estado paranaense se constitui em uma tarefa demasiadamente árdua, para não dizer muito difícil. Segundo Latour, "tanto a esquerda quanto à direita, as finas redes traçadas pela pequena mão de Ariadne continuam a ser mais invisíveis do que aquelas tecidas pelas aranhas."
A ideologia na sociedade contemporânea,
Nesse sentido, a teoria marxista apesar da sua relevância para o entendimento do pensamento na sociedade, não comporta as transformações ocorridas nas relações sociais atuais. É necessário ressaltar que a realidade social complexa, não suporta grupos definidos de atuação, uma vez que seus interesses perpassaram os limites até então impostos e identificáveis.
É necessário enfatizar que o trabalho aqui proposto tem as suas atenções voltadas para a identificação de grupos de interesses, ou seja, aqueles grupos que lutam para manter o poder hegemônico sobre uma determinada área do setor econômico e que atuam de forma voraz no ambiente político, seja de um estado específico ou mesmo de um país. Obviamente, não pode ser interpretado, como grupos que pensam sobre religião, futebol ou sobre os mistérios sobrenaturais.
Os fatores psicológicos que levam a determinadas posições ideológicas, não serão objetos de análise do proposto trabalho. Por outro lado, faz-se necessário ressaltar que o objeto de estudo está centralizado em objetos materiais elaborados pela atuação política, ou seja, o trabalho possui um pé no pragmatismo e a cabeça na parede invisível dos discursos elaborados.
A atuação parlamentar no Brasil, possui caráter unitário. As posições adotadas no Parlamento muitas vezes possuem caráter individual. Leis e projetos partidários inúmeras vezes não são levados em consideração.

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