Wednesday 18 July 2007

Política: uma breve introdução


Em Política – uma brevíssima introdução, o autor inicia explicitando que a história encontra suas raízes no despotismo político, na impiedade dos monarcas, ao contrário da proposição marxista de que a história se baseia na luta de classes. De qualquer forma, não se estabelecerá juízo quanto à razão de um sobre o outro, trata-se somente de uma comparação entre diferentes olhares transmitidos à história.
Nesse contexto, nem só de reis e monarcas viveu a história, mas também de sátrapas, de plebe e principalmente de “amigos do rei”. Nesse sentido, delimitar a história como construção dos monarcas é em certo sentido, menosprezar a luta da plebe por melhores condições de existência e demonstrar equívoco com a própria construção da sociedade existente.
Não obstante, a definição de despotismo utilizada pelo autor, nos remete a uma fonte inesgotável de interpretações. De acordo com a visão do autor, “despotismo é uma categoria onde cabe toda sorte de trastes, com uma ampla variedade”[1]. Dessa forma, percebe-se nas palavras utilizadas pelo autor a ausência de um conteúdo substancial ao termo. Nesse sentido, a definição proposta por Noberto Bobbio, nos remete a uma delimitação do conceito apresentando ampliações significativas para uma dissertação sobre o tema. Segundo Bobbio, o “despotismo indica uma forma de Governo diferente das outras com que no discurso polemicamente genérico se confunde. Despotismo, ditadura, autocracia têm de comum serem formas de governo em que o detentor do poder o exerce sem limites de leis naturais, consuetudinárias, impostas por órgãos ad hoc., isto é detém um poder absoluto, ou legibus solutus, e arbitrário, ou exclusivamente dependente da própria vontade”.[2]
De certa forma, mesmo que se considere o despotismo como uma forma de governo que se caracteriza e se baseia na vontade de um monarca, ele não se aplica sobre o nada, sobre o vazio. Por conseguinte, há de se considerar a existência de Instituições do Estado, como por exemplo a Igreja que luta peremptoriamente pela hegemonia do poder de Estado.
A busca pela essência da palavra política remete o autor a uma visão elitista e parcial sobre o tema. Quando o autor afirma que “a política costumava referir-se meramente às ações de monarcas, parlamentos e ministros e às atividades dos engajados politicamente que ajudavam ou bloqueavam seu acesso à autoridade”[3] percebe-se uma inclinação para a visão de política relacionada com o poder, mas que sobretudo afasta a participação da sociedade. Nesse sentido, existem várias formas de poder do homem sobre o homem e a política é somente uma delas. O que se pode argumentar é que as relações de poder não são sentidas somente nos palácios imperiais, mas no cotidiano das pessoas mais humildes.
Não obstante, o autor bebe na fonte das águas gregas para estabelecer comparação entre o passado e o presente da política. Com muita argúcia e perspicácia retrata através da história as principais façanhas do povo grego. Pode-se citar como exemplo, a introdução da democracia a sociabilidade produzida pela natureza, o homem como animal político, a racionalidade nas relações humanas.
Outra fonte de inspiração de Minogue foi a política desenhada pelos romanos. Mesmo não estabelecendo comparação ipsis literis entre as civilizações grega e romana, os aspectos abordados são de relevante importância para o entendimento do assunto. Nesse sentido, aspectos positivos e muito importantes para a compreensão do desenvolvimento da política foram relembrados como a introdução do direito na sociedade, a delimitação de funções, a criação de instituições pelo Estado que de forma veemente foram condição sine qua non para o desenvolvimento da política.
Dentre os aspectos históricos mencionados pelo autor e que ocasionou maior impacto nas relações humanas e que certamente não poderia ficar de fora de uma obra que trata dos avanços e retrocessos da palavra política é o tema da religião, ou mais especificamente a ascensão do cristianismo e a sua interferência nas relações de poder.
Nesse sentido, há de se mencionar a importância das religiões devido à noção de liberdade e de responsabilidade que vão proporcionar à ação histórica que irão reativar. Segundo Chatelet, o “monoteísmo opõe uma concepção do homem como criatura que mantém com seu criador relações pessoais espirituais e uma concepção da comunidade como sendo fundada num projeto ético-político, não numa relação jurídica, mas numa aliança religiosa”[4].
Apresentando aspectos da evolução política, Minogue trata com devida fidedignidade a proposta de Maquiavel, assim como apresenta com objetividade as idiossincrasias da política. É absolutamente perceptível a transformação do Estado na exposição do autor, ou seja, a política se retira dos caprichos pessoais do monarca e é genuinamente substituída pela política como atividade constitutiva da existência coletiva. Dessa forma, percebe-se que há regras que presidem o governo e que tem a mesma natureza das leis que governam o movimento das estações e nada tem a ver com qualquer tipo de dever moral.
A citação que o autor faz de Thomas Hobbes está diretamente relacionada com a construção de um Estado que coíba a guerra de todos contra todos, ou seja, estabelece-se um ser superior entre os homens para que os mesmos não entrem em conflito.
De acordo com o autor “o que nos interessa é o fato de que essas associações (Estado, Sociedade, Economia e a Cultura) criaram o cenário para os dramas do conflito político moderno”[5]. Com essa frase, o autor explica de forma extremamente didática o seu pensamento sobre a sociedade moderna e como ir buscar subsídios para a análise da sociedade contemporânea.
Utilizando pensadores como Hegel, Marx e Hobbes o autor fundamenta com muita propriedade a visão de como o conflito pertence à sua concepção de política. De certa forma, sem conflito não há relação política existente ou que se faça justiça ao termo.
Para explicar as relações de equilíbrio de poder, o autor nos remete a assuntos que fizeram a história, principalmente as relacionadas ao século XX, temas como guerra e poder econômico concentram as fundamentações e argumentações expostas.
No entanto, sobre o tema guerra percebe-se que o autor o relaciona com a demonstração de poder que está fundamentado no argumento sobre o conflito político de Hobbes como sendo “o “estado natural” qualquer situação em que os homens não reconhecessem um superior comum e sua tese era de que um estado natural é sempre um estado de guerra, no qual a vida do homem seria “rude, pobre, solitária, estúpida e curta”[6].
Na proposição sobre o equilíbrio do poder entre os Estados, Minogue expõe a dominação econômica com ligeiro traço de conformismo, isto fica evidente nas palavras que seguem “numa economia moderna, que é um jogo positivo, todo mundo enriquece. Alguns ficam, sem dúvida, muito mais ricos que outros, mas todos passam a desfrutar água mais pura, mais comida, melhor assistência médica e outros benefícios[7]”. Dessa forma, a relação de dependência dos países subdesenvolvidos não foi sequer abordada pelo autor, sendo assim, como tratar o equilíbrio de poder? Tema que de um ponto de vista mais crítico o autor deixou a desejar.
Quando o assunto está relacionado aos partidos políticos, o autor utiliza uma definição pragmática e que está intrinsecamente relacionada com o fato de ganhar eleições. De acordo com Bobbio, “Partido Político é uma associação... que visa a um fim deliberado, seja ele, ‘objetivo’ como a realização de um plano com intuitos materiais ou ideais, seja ‘pessoal’, isto é, destinado a obter benefícios, poder e, conseqüentemente, glória para os chefes e sequazes, ou então voltado para todos esses objetivos conjuntamente”[8]. Não obstante, a definição sistemática sobre os partidos políticos apresenta-se como ponto fundamental devido ao fato do autor abordar temas como ideologia, doutrina, assim como socialismo, liberalismo e conservadorismo.
Sobre muitos aspectos o autor apresenta-se com uma visão demasiadamente determinista, não só do ponto de vista histórico, mas principalmente em relação às coisas da sociedade. Segundo Minogue, “uma sociedade plenamente justa, seja o que for isso, não precisaria de política séria; seria um daqueles projetos de perfeição que chamaremos de ideologias...E é isso o que normalmente significa o termo socialista[9]”. Nesse sentido, a proposição de ideologia utilizada pelo autor está relacionada com o conceito proposto por Napoleão Bonaparte aos ideólogos comandados por Destutt de Tracy, ou seja, uma visão de mundo através de um universo paralelo e idiotizado, que não utiliza os pés no chão para formular propostas de governos, propostas estas que sejam condizentes com os aspectos da realidade mórbida vivida. Ainda que o autor pense na realidade contemporânea a sua visão sobre a ideologia finca raízes em um passado longínquo, distante, necessitando assim, de certa lapidação para a contextualização da realidade.
A democracia para Minogue é residência da justiça e da liberdade. Nesse sentido, apresentando somente estes aspectos sobre a visão de democracia, o autor acaba por inviabilizar um estudo mais detalhado sobre a experiência política, uma vez que pensamentos esparsos e sem nexo dominam a narrativa.
Analisar a justiça, a liberdade e a democracia como ideais dos partidos políticos é analisar uma sociedade “perfeita”. Os partidos políticos possuem como ideal os interesses do cotidiano, ou seja, algo existente, material que proporcione suporte para a manutenção do poder. A democracia só é possível devido ao seu caráter personalista, do caráter unitário das relações humanas, pois, com essas características a exploração do homem pelo homem torna-se renitente e se estabelecem em todos os sentidos. De certa forma, a abordagem proporcionada pelo autor peca por ser tão brevíssima e afastando possíveis pontos de análise fundamentais da questão política.
Por conseguinte, segundo Minogue “A democracia ilustra de forma suprema o modo como os ideais políticos no mundo moderno se expandiram para além da arena do Estado e se tornaram critérios de valor nos outros tipos de associação que constituem a vida moderna”[10]. Apesar da constatação de que a democracia não pertence somente ao Estado, não se deve permitir o erro de analisar através dos discursos ufanistas dos democratas mais fanáticos. A democracia não existe, ela se materializa, ela se fundamenta nas atitudes das pessoas que agem através de sistemas de manipulação, seja através da classe dominante, ou mesmo dos meios de comunicação existentes.
Estudar a política como ciência exata, é dessa forma que Minogue apresenta os seus argumentos no capítulo que disserta sobre a ciência da política. Muitos estudiosos de outras áreas discriminam os estudos sobre a política sem na verdade apresentarem argumentos suficientes para tal. Muito embora, os resultados das pesquisas na política somente apresentarem apontamentos sobre os fatos, eles se direcionam através de métodos de pesquisa, que se constitui na mola mestra da caracterização da ciência.
De acordo com Minogue, a política se apresenta como uma ” idéia de um sistema, isto é, um conjunto de componentes mecânicos com relações fixas entre si, é essencial à concepção científica da política”[11]. Não obstante, não as idéias fixas estabelecidas são inexistentes quando o assunto discutido ou estudado se refere a política. Na política tudo se transforma, se altera rapidamente, assim como as relações humanas.
As causas do que acontece em política podem ser encontradas na economia, nas relações sociais ou mesmo na cultura, então a “política é meramente um conjunto de efeitos”, mas esses efeitos são medidos e avaliados de acordo com o método da ciência. Sendo assim, o autor apresenta certa contradição em subestimar o caráter científico, basta analisar a frase “não haveria nada em política para uma ciência estudar”. Não obstante, se tal proposição apresentasse característica de verdade, logo o processo da metodologia científica e a própria ciência não existiria razão de vida.
Muito embora, o aspecto da ideologia no trabalho de Minogue tenha sido abordado em outro momento no texto. Percebe-se que o autor elabora um sistema de avanço e retrocesso na construção tanto do pensamento exposto, como de certa forma, tenta impor uma lapidação sobre os assuntos tratados. No que se refere ao aspecto da ideologia, Minogue expõe que a “ideologia é comumente marcada pela presença de uma tríplice estrutura teórica. O primeiro estágio revela-nos que o passado é a história da opressão de alguma classe, abstrata de pessoas. Ocupa-se dos trabalhadores como classe, não dos trabalhadores num tempo e lugar dados; ou das mulheres em geral ou dessa ou daquela raça”[12]. (pág. 127)
No entanto, a utilização dessas palavras, demonstra uma Minogue fundamentado nas concepções de mundo com viés marxista. Nesse sentido, durante toda a obra, Minogue apresenta momentos de avanços e retrocessos, não só na construção do seu pensamento, mas fundamentalmente na sua argumentação, podendo as vezes cair na malhas do relativismo abismal ou mesmo apresentando um conceito racional e longínquo sobre um determinado tema.






[1] Minogue, Keneth. Política – uma brevíssima introdução. Rio de Janeiro: Zahar, 1998. pág. 10
[2] Bobbio, Norberto, Mateucci, Nicola, Pasquino, Gianfranco. Dicionário de Política. Brasília: UNB, 1991. Pág. 340.
[3] Minogue, Keneth. Política – uma brevíssima introdução. Op. Cit. Pág. 16.
[4] Chatelet, François et al. História das idéias políticas. Rio de Janeiro: Zahar, 1997. Pág. 28.
[5] Minogue, Keneth. Política – uma brevíssima introdução. Op. Cit. Pág. 63.
[6] Minogue, Keneth. Política – uma brevíssima introdução. Op. Cit. Pág. 70.
[7] Minogue, Keneth. Política – uma brevíssima introdução. Op. Cit. Pág. 72
[8] Bobbio, Norberto et al. Dicionario de política. Brasilia: UNB, 1991. Pág. 898.
[9] Minogue, Keneth. Política – uma brevíssima introdução. Op. Cit. Pág. 99.
[10] Minogue, Kenneth. Política – brevíssima introdução. Op. Cit. pág. 108.
[11] Minogue, Kenneth. Política – brevíssima introdução. Op. Cit. pág. 111.
[12] Minogue, keneeth.

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