Tuesday 17 July 2007

Sociedade hodierna: política e poder em questão


A queda do muro de Berlim representou um marco na história da humanidade. Muito mais do que um ato simbólico, a queda representou o fracasso de um processo civilizatório. As certezas de um mundo permeado pela intervenção maciça do Estado, tanto sobre as questões políticas, quanto nos assuntos relacionados à economia foram colocada em posição de xeque-mate. A queda do muro proporcionou uma visão de que o Estado devia servir apenas como um mediador dos problemas da sociedade, assumindo um papel de gerente e não de agente de transformação social. Mesmo o mundo possuindo alguns países que ainda adotam uma política com características socialistas, o que prevalece é a política adotada pelos países capitalistas através da hegemonia não somente do sistema democrático, mas sobretudo das economias de mercado.
A revolução ocasionada pelo fim do socialismo no início dos anos 1990 apresentou a fragilidade do Estado-nação e colocou em dúvida a soberania dos países. Muito embora o exemplo americano, apresentado na II Guerra do Golfo reforce a retomada do poderio do Estado, não quer dizer que o exemplo sirva para todos os países do mundo. Os EUA se caracterizam como um país que exerce a liderança sobre as coisas do mundo, ou seja, exercem um papel de liderança política e econômica e a guerra serve não somente para a manutenção do seu poderio, mas sobretudo para a ampliação do processo de liderança mundial.
O desenvolvimento fulminante das tecnologias, a internacionalização da produção e a globalização das transações financeiras, foram determinantes para o enfraquecimento do papel do Estado e sobretudo pela ampliação dos poderes dos países economicamente mais ricos sobre os países mais pobres.
O desenvolvimento da tecnologia foi o instrumento utilizado pelos países hegemônicos para a ampliação dos poderes. Por países hegemônicos, entende-se os EUA, Japão, França, Alemanha, Canadá, Inglaterra e Itália. Através dos investimentos em tecnologias foi possível adotar a política assumida pelo mercado que previa o desmantelamento do Estado para a implementação de seus interesses.
A internacionalização da produção e a globalização das transações financeiras estão atrelados ao desenvolvimento da tecnologia. O desenvolvimento da tecnologia, permite a relação entre os países de forma direta, não respeitando fronteiras e sobretudo às questões relacionadas a enorme burocracia estatal. Por desenvolvimento da tecnologia, entende-se a implementação da Rede Mundial de Computadores (Internet), que permite a existência do que Manuel Castells denomina de "Sociedade em Rede".
As transformações ocasionadas pela marcha da globalização solaparam a proteção que o Estado proporcionava à economia. Como conseqüência do processo de evolução do sistema capitalista, os Estados ficaram vulneráveis e suscetíveis aos desígnios da política econômica internacional. Faz-se necessário esclarecer que determinados países são mais suscetíveis à política de mercado. Os países economicamente mais frágeis são subservientes pois não possuem instrumentos de lutas contra a política de mercado. Os países hegemônicos possuem instrumentos para exercer a liderança e concomitantemente ficarem excluídos das leis do mercado. Como exemplo, pode-se citar a política protecionista que os EUA apresenta para o mundo como salva guarda dos próprios interesses.
O mundo proporcionado pelo advento da globalização apresenta modelos contínuos de transformação, conceitos sofrem mutações profundas e envelhecem com muita rapidez, o mundo move-se com extrema agilidade, essas são características da sociedade global.
A ampliação do processo de globalização permitiu que se intensificasse a relação entre os países, proporcionando a existência de blocos econômicos. O Bloco da União Européia é um grande exemplo de como a globalização interferiu sobre todos as frentes dos Estados-nação. A unificação monetária, a quebra das fronteiras, a elaboração das constituições, são alguns dos itens que estão em pauta quando o assunto está relacionado à globalização e a formação dos blocos econômicos.
A debilitação dos Estados-nação e consequentemente da soberania provocaram uma certa hegemonia das empresas multinacionais e das organizações multilaterais. As empresas com características mundiais apresentam aos governos uma série de questionamentos que fazem estes se adequarem e se curvarem diante das suas propostas.
De acordo com IANNI (1992 p. 42) "...em uma época de preocupações acerca de comércio e competitividade, quais são os bons elementos e quais são os maus elementos? Faz alguma diferença qual a nacionalidade da empresa, se ela cria emprego? Que nação controla a tecnologia desenvolvida por empresas mundiais? Que obrigações elas têm para aderir às regras estabelecidas por Washington, Paris ou Tóquio em suas operações internacionais?"
O processo de globalização apresenta outras instâncias de poder. O Estado não é mais o portador único das incumbências de poder como pensavam os marxistas mais ortodoxos, o mercado passou a ser um agente que determina em inúmeros casos as suas ações. As declarações dos atuais dirigentes sobre a economia fazem com que o risco país suba ou desça. Os pontos, para cima ou para baixo indica o risco que os investidores internacionais correm sobre as questões de investimentos. Quanto maior o risco país, mais vulnerável o país se encontra para investimentos e mais suscetíveis se encontram para a especulação financeira. O Estado perdeu totalmente o poder de intervenção sobre as questões do mercado permitindo que tanto organizações de caráter público quanto organizações de caráter privado influenciem sobre determinadas tomadas de decisão. Essa característica se adota principalmente aos países economicamente mais frágeis. Os países com características hegemônica ditam as regras a serem seguidas.
Diante da globalização, "...as economias devem se abrir à competição externa, retirar o Estado de atividades que podem ser exploradas pela iniciativa privada, eliminar subsídios e desativar os mecanismos de controle de preços. Precisam fazer tudo aquilo, enfim, que leve à desregulamentação. Em troca, essas economias contarão com a ajuda das agências internacionais de crédito", segundo IANNI (1992 p. 44).
A nova ordem mundial exposta pelo advento da globalização permitiu a existência de outros núcleos de poder, desmistificando e expondo o Estado para uma função mais de agente transmissor do que propriamente de agente regulador do processo social. Na obra "Microfísica do poder", Foucault trabalha a questão dos micro-poderes, ou seja, o poder é exercido em diferentes pontos da rede social esteja eles integrados ou não ao Estado. Com a exacerbação do processo de globalização, vários núcleos de poder foram criados para a regulamentação da vida. Entre eles pode-se citar o mercado. O mercado funciona como um agente externo ao Estado e que sobretudo o influencia em vários aspectos, principalmente nos assuntos relacionados à economia.
Dois fatores atuam de forma implacável contra o poder do Estado. Compete relacionar o poder político paralelo que retira do próprio Estado a capacidade de exercer e regular de forma profícua as suas ações políticas. Sobre esse assunto tem-se que a margem para processos de ruptura em termos políticos é muito pequeno e estabelece-se como único modelo político possível o sistema democrático de governo. Sobre esse tema compete enfatizar o modelo hegemônico exposto, ou seja, os países precisam se contextualizar através do processo democrático. A democracia é sobretudo imposta sobre o risco do Estado rebelde perder investimentos internacionais, ou mesmo ser alvo de guerra preventiva.
Quanto aos aspectos relacionados à economia, compete salientar que outros núcleos de poder passaram a existir. Conforme citado acima, a Organização Mundial do Comércio é o órgão responsável pela regulamentação do comércio, ou seja, se caracteriza como um órgão transnacional, possuindo um tráfego político entre todas as nações.
A mecânica de poder sofreu transformações imensas com a exacerbação da globalização. O poder se expande por todas as sociedades do planeta através de novas técnicas de dominação carregadas por instituições criadas e moldadas para esse intento. O papel do Estado da forma em que está contextualizado à conjuntura global é apenas um dos núcleos de poder existente. O Estado não se caracteriza mais como agente exclusivo das relações de poder, existem núcleos que ultrapassam o poder do Estado e também há núcleos complementares de poder que encontram nos poderes legislativos e judiciários uma caixa de ressonância.
Antes do processo do desenvolvimento da globalização, os Estados possuíam a prerrogativa de ditar as suas próprias políticas, tanto no aspecto político, como no aspecto econômico. Com o desenvolvimento da globalização, os Estados perderam totalmente essas prerrogativas. No âmbito da política, os países economicamente mais frágeis ficaram suscetíveis ao modelo democrático imposto pelos países hegemônicos e quanto à economia, esses países foram obrigados a entrar em um processo de desmantelamento do próprio Estado, para poderem fazer parte do mundo globalizado e serem subservientes à economia do mercado.
O fenômeno da globalização ao apresentar aos Estados uma receita com características neoliberais para o comando das ações do Estado, entre essas receitas cita-se o desmantelamento dos investimentos estatais determinados setores, processos de privatização e abertura ao mercado mundial. Processos de privatização, diminuição dos gastos sociais, abertura do Estado para investimentos internacionais fazem parte do processo de evolução do sistema capitalista. Mesmo que essa receita venha sobretudo provocar o aprofundamento dos problemas sociais.
O neoliberalismo se caracteriza como um modelo de ação para os Estados. No receituário inclui-se a implementação do sistema democrático de governo, a desregulamentação da economia nacional e a abertura para os investimentos estrangeiros. O receituário neoliberal se contrapõe à política anterior à queda do muro de Berlim, após esse período, houve uma exacerbação da política liberal. Mesmo antes da queda, tal política já vinha sendo implementada, o que houve foi um acentuado direcionamento à política econômica com características neoliberais.
Isso não quer dizer que a economia não se caracterizasse como sendo uma economia de livre comércio, apenas houve um acirramento do livre comércio, a ponto dos Estados-nação perderem poder para organizações criadas para a regulamentação do mercado, como a Organização Mundial do Comércio.
A globalização se apresenta na sociedade contemporânea como um processo de desenvolvimento do sistema capitalista e que possui como eixo central os princípios da liberdade, do contrato, da igualdade e da propriedade impulsionados pelos valores burgueses. O Estado diante do processo global se caracteriza como um Estado de direito. Por Estado de direito "...entende-se geralmente um Estado em que os poderes públicos são regulados por normas gerais (as leis fundamentais ou constitucionais) e devem ser exercidos no âmbito das leis que os regulam, salvo o direito do cidadão de recorrer a um juiz independente para fazer com que seja reconhecido e refutado o abuso do excesso de poder", BOBBIO (2000, p. 18).
Não existiria globalização sem o sistema democrático. Por sua vez, o sistema democrático está fundamentado sobre as acepções e filosofias do liberalismo. Por liberalismo "...entende-se uma determinada concepção de Estado, na qual o Estado tem poderes e funções limitadas, e como tal se contrapõe tanto ao Estado absoluto quanto ao Estado que hoje chamamos de social", BOBBIO (2000, p. 7).
O Estado de direito é de fundamental importância para o desenvolvimento da sociedade contemporânea pois obstaculiza a relação de despotismo ou mesmo arbitrária de um determinado governante. Existem alguns mecanismos, de acordo com BOBBIO (2000, p. 19), que
...desencorajam o abuso ou o exercício ilegal do poder. Desses mecanismos os mais importantes são: 1) controle do Poder Executivo por parte do Poder Legislativo; ou, mais exatamente, do governo, a quem cabe em última instância o Poder Legislativo e a orientação política; 2) o eventual controle do parlamento no exercício do Poder Legislativo ordinário por parte de uma corte jurisdicional a quem se pede a averiguação da constitucionalidade das leis; 3) uma relativa autonomia do governo local em todas as suas formas e em seus graus com respeito ao governo central; 4) uma magistratura independente do poder político.
O processo de globalização nos apresenta questões que alguns anos atrás nem os mais otimistas quanto à relevância e a importância do progresso da ciência imaginavam. Os desdobramentos que o assunto alcançou na virada do milênio ocasionaram uma revolução, tanto no mundo dos serviços, quanto no mundo da política. Ao mesmo tempo, a técnica e a política tiveram seus conceitos modificados e sobretudo colocados frente a frente.
A técnica por estar ligada de forma intrínseca ao sistema e também por dar sustentabilidade ao poder ideológico vigente. A política, por ter sofrido um processo de retração e de ser incapaz de solucionar os problemas da sociedade, seja pela demora nas tomadas de decisões, ou mesmo pela não sincronização entre as instituições políticas democráticas.
A técnica e a política se juntam através de uma atuação distinta ao processo de globalização. De acordo com SANTOS (2001, p. 23), "a globalização é, de certa forma, o ápice do processo de internacionalização do mundo capitalista. Para entendê-la, como, de resto, a qualquer fase da história, há dois elementos fundamentais a levar em conta: o estado das técnicas e o estado da política".
O resultado das técnicas que estão relacionadas com o mundo da informação na contemporaneidade permite que imensas distâncias sejam percorridas em poucos segundos unindo o planeta com apenas alguns megabytes de memória que estão contidos num pequeno computador. Essa técnica permite a existência do principal motor do capitalismo moderno, ou seja, permite a existência do famigerado mercado global.
O processo de globalização pode ser explicado de acordo com SANTOS (2001, p. 25), através de quatro fatores: "a unicidade da técnica, a convergência dos momentos, a cognoscibilidade do planeta e a existência de um motor único na história, representado pela mais-valia globalizada". Essas são técnicas que permitem que o mercado global reproduza um sistema de globalização extremamente desigual entre os homens, pois estabelece uma nova forma de relação política.
A relação política se inicia com o processo desencadeado pela globalização de desmantelamento das coisas do Estado, mas o ponto fulcral de tal mudança diz respeito à retirada do poder do Estado de estabelecer formas diferenciadas de políticas econômicas. A cartilha ditada pela globalização reza que as atuações na área econômica sejam iguais em qualquer parte do mundo.
Na visão de FURTADO (1998, p. 26), "a imbricação dos mercados e o subsequente debilitamento dos atuais sistemas estatais de poder que enquadram as atividades econômicas estão gerando importantes mudanças estruturais que se traduzem por concentração de renda e por formas de exclusão social que se manifestam em todos os países".
Nesse sentido, a globalização afeta as questões da área política quando determina que os Estados nacionais hajam de uma única determinada forma. A forma estabelecida pela globalização e que está em sintonia com os interesses do mercado parece determinar a construção de receitas com ingredientes amargos para os países com características de subdesenvolvimento. A busca de superávits constantes, nem sempre compatíveis com a realidade dos países menos desenvolvidos economicamente, a diminuição dos gastos sociais que entre outras coisas serve sobretudo para diminuir o fosso social existente entre as classes sociais, são instrumentos utilizados pelos senhores do mercado global para aumentar de forma violenta a supremacia do discurso econômico sobre os discursos da política.
A globalização não está servindo como um modelo de uma nova estrutura econômica mundial e sim para o desenvolvimento do comércio e da exploração advinda dos investimentos com características internacionais. De acordo com HIRST e THOMPSON (1998, p. 22), "a globalização deveria ser considerada como o desenvolvimento de uma nova estrutura econômica; e não simplesmente uma mudança conjuntural voltada para um maior comércio e investimento internacionais dentro de um conjunto existente de relações econômicas".
A dificuldade dos Estados nacionais de controlarem o mercado com característica global se estabelece devido à problemática da regulamentação e da governabilidade. Os Estados nacionais não possuem forças o suficiente para regulamentar ou mesmo apresentar propostas no sentido de governar as ações do mercado. Isso ocorre em parte pelo processo da técnica avançada, adquirida através do desenvolvimento da ciência e em parte pela assimilação dos discursos que inúmeras vezes encontra na mídia um suporte para o avanço do processo de globalização.
A principal dificuldade imposta pela globalização de acordo com HIRST e THOMPSON (1998, p. 27), "é construir padrões efetivos e integrados de política pública nacional e internacional para enfrentar as forças de mercado globais". Tal fragilidade dos Estados nacionais, tanto no âmbito da formulação de políticas públicas quanto na administração da economia acarretam inúmeros problemas para o próprio desenvolvimento da democracia. Sem o desenvolvimento da democracia é impossível a existência e a ampliação do mercado global.
Por democracia tem-se o conceito estipulado por BOBBIO (1987, p 135) o qual "designa a forma de governo na qual o poder político é exercido pelo povo".
Na medida em que a política formulada pelos senhores do mercado prejudica a tomada de decisão dos Estados nacionais, o próprio sistema democrático é colocado em posição de xeque-mate uma vez que o seu próprio alicerce encontra-se afetado.
Existe uma contradição entre o discurso da democracia e o discurso imposto pelos senhores do mercado. Muito embora, a democracia seja o alicerce do processo de globalização, o sistema político e econômico vigente contribui para o afastamento da população das tomadas de decisão. O fenômeno da globalização, juntamente com a economia de mercado não respeita as instituições políticas democráticas.
A margem para a discussão política na sociedade globalizada ficou extremamente reduzida. A margem para o estabelecimento de uma determinada política que contenha aspectos de ruptura com o sistema democrático pode desencadear uma crise econômica sem precedentes para o país que o adota. Em termos políticos, precisa ser discutido somente aquilo que faz parte das regras do jogo democrático e das leis do mercado. Nesse sentido, o papel do Poder Legislativo fica reduzido, pois o mesmo não pode apresentar projetos alternativos de governo ou que contenham determinadas características que fujam dos interesses tanto do âmbito da democracia, quanto dos aspectos econômicos.
A globalização proporcionou uma redução do papel do Poder Legislativo. Faz-se necessário ressaltar que a modificação do papel do Poder Legislativo, passa por três pontos fundamentais: a dificuldade de propor projetos políticos que façam frente ao processo democrático vigente, a dificuldade de estabelecer uma relação de discussão mais profunda sobre os temas discutidos e a dificuldade de estabelecer uma relação de feedback para com a sociedade.
O Poder Executivo, o Poder Legislativo e o Poder Judiciário, dificilmente tem o poder de conter ou de estipular regras para a atuação dos grupos de mercado, comprometendo sobretudo os interesses da população.
A teoria dos poderes de Montesquieu, de acordo com WEFFORT (2002, p. 119), "estabeleceria como condição para o Estado de direito, a separação dos poderes executivo, legislativo e judiciário e a interdependência entre eles. A idéia de equivalência consiste em que essas três funções deveriam ser dotadas de igual poder".
O fenômeno da globalização, juntamente com a hegemonia do discurso do mercado interfere sobretudo na relação entre os poderes. Muito embora, "Montesquieu ressalta, aliás, a interpenetração de funções judiciárias, legislativas e executivas" WEFFORT (2002 p. 119). Na sociedade contemporânea o que prevalece é a força do Poder Executivo. A força do Poder Executivo advém também das condições impostas pelas condições do mercado.
As formas com que se constituem as relações de poder na sociedade contemporânea e que estão permeadas pela força do mercado contribuem para a não determinação exclusiva de papéis a serem desempenhados por um único Poder, o principal argumento que fortalece tal proposição está localizada nas formas de poder que são exógenas a um determinado país, ou seja, as relações de poder não se encontram mais no interior de um determinado local, mas lhe é imposto pelas condições internacionais, fazendo com que as formas de poder local sofram transformações não somente em seus princípios, mas principalmente em suas atitudes.
De acordo com CLEVE (2000, p. 34), "não há como manter a distinção entre legislação (função legislativa) e administração (função executiva). O governo compreende ações legislativas e administrativas. A legislação e a execução das leis ‘não há funções separadas ou separáveis, mas sim diferentes técnicas do political leadership’".
Nesse sentido, o Poder Executivo apresenta aspectos que delineiam a liderança sobre os três poderes. O Poder Executivo na atualidade utiliza-se muito mais das suas prerrogativas administrativas do que propriamente de uma condição legal. Muitos são os papéis a serem desempenhados pelo Poder Executivo.
O Poder Executivo maneja dinheiro, executa serviços, constrói obras públicas, controla o câmbio e a emissão de moedas, negocia títulos públicos para arrecadar fundos ou para controlar a economia, fiscaliza as instituições bancárias financeiras, de seguros, os fundos de pensão, oferece créditos subsidiados a esta ou àquela atividade econômica (...) o Estado age mais por meio da administração do que propriamente por meio da lei, embora esta seja mais utilizada do que antes, tendo por isto sofrido um processo de banalização. CLEVE (2000, p. 52).
As atribuições e as amplitudes do poder legal que são delegadas para o Poder Executivo permitem que suas ações se sobressaiam diante tanto do Poder Legislativo quanto do Poder Judiciário.
Muito embora Montesquieu tenha previsto a capacidade de um poder contrariar outro poder, tal dimensão apresenta aspectos louváveis quando expostos em bases teóricas.
Em uma sociedade com características globais e com pensamentos racionalistas, o posicionamento daqueles que são incumbidos da elaboração das leis torna-se demasiadamente desgastante, tendo em vista a tecnicização imposta pelo desenvolvimento econômico que assolou o mundo nos últimos anos. A tecnicização da sociedade dificulta a elaboração de leis por parte do Poder Legislativo, porque exige um preparo maior deste com relação a aquisição de conhecimentos, assim, exige um preparo técnico aprimorado ou uma especialização. Em contrapartida, a escolha dos congressistas não está baseada em critérios de conhecimento específico ou técnico mas sobretudo através do sufrágio. A supremacia do Poder Executivo frente ao Poder Legislativo também se estabelece por esse último existir em grande número, enquanto o Poder Executivo é exercido por um número bem inferior de pessoas.
Um dos pontos a ser considerado sobre a supremacia do Poder Executivo sobre o Poder Legislativo, está relacionado com o sistema político vigente. A política de alianças que predomina na política contemporânea estabelece como ponto principal de poder de barganha a composição política que irá gerar a maioria governista na Câmara dos Deputados, o que serve para o Poder Executivo usufruir do fenômeno da governabilidade.
Uma das principais funções do Poder Legislativo no quadro político contemporâneo é de vigiar e punir atos do Poder Executivo, mas também é colocada em posição duvidosa uma vez que o mesmo possui a maioria dos congressistas. "...O presidente é eleito para cumprir um mandato. Porém, apenas raramente o governo deixa de possuir o apoio da maioria parlamentar. Então, se possui a maioria, logo o controle parlamentar sobre os seus atos é praticamente nenhum (...) se não possui referida maioria, poderá obtê-la, fazendo uso dos conhecidos mecanismos de pressão e sedução. CLEVE (2000, p. 148)
No interior do sistema democrático em voga não seria competência do Poder Executivo propor Projetos de Lei ao Poder Legislativo. Entretanto, a participação do Poder Executivo no interior da atividade legislativa se dá de duas formas de acordo com CLEVE (2000, p. 100), "Intervir em um das fases do procedimento de elaboração da lei e exercer ele mesmo, a função de elaborar o ato normativo".
Uma das questões intrínsecas ao fenômeno da globalização e que interfere de forma violenta nas relações de poder, está relacionada com o conflito de interesses entre aqueles que detêm o poder econômico e o próprio Estado. A formulação de determinadas leis em caráter próprio, ou em benefício de um determinado grupo, também colabora para que o Poder Legislativo se curve perante aos interesses do Poder Executivo. Segundo CLEVE (2000 p. 101) "São as grandes corporações, os sindicatos, os partidos políticos, as associações culturais e de classe, a igreja, as grandes empresas, os conglomerados bancários: grupos dotados de interesses próprios, quase nunca coincidentes com aqueles do Estado, que muitas vezes disputam poder com este, e não poucas vezes mais poderosos que ele".
O problema relacionado entre os interesses dos membros das casas legislativas e as questões do poder privado está de forma intrínseca ligado às regras e determinações das campanhas eleitorais. A permissão de financiamento de campanhas políticas por parte do setor privado, coloca os próprios legisladores como refém de políticas que inúmeras vezes não estão em harmonia com os interesses da coletividade.
O Poder Judiciário marca fortemente a relação entre os três poderes. A grande virtude do Poder Judiciário ou pelo menos em tese é de que deve agir imparcialmente frente aos problemas tanto do Poder Legislativo, quanto do Poder Executivo.
Na teoria, ou seja, nos aspectos prescritivos ou o que determina a lei, o Poder Judiciário deve sim ser o fiel da balança entre os três poderes. Na realidade, o que se percebe é de que existe uma contradição entre a teoria e aquilo que se aplica.
O primeiro indício os membros do Poder Judiciário não são eleitos, não passam pelo crivo da urna, diferentemente dos Poderes Legislativo e do Poder Executivo.
Os cargos de primeiro escalão do Poder Judiciário que se encontram no STF (Superior Tribunal Federal) são nomeados pelo chefe do Poder Executivo com a anuência do Senado. Estes, são nomeados de acordo com as afinidades do governo em exercício. Os outros cargos do Poder Judiciário e que são considerados de menor escalão passam pela aprovação em concurso público.
Nesse sentido, a proposição exposta acima está relacionada com as questões do poder e do controle que se exerce sobre a utilização do poder. Montesquieu consagrou o sistema da Separação dos Poderes, para que o Poder fosse controlado. Na visão de Montesquieu era preciso que os poderes se controlassem reciprocamente, porque a concentração gera sobretudo a tirania. Na realidade, a separação (independência e harmonia, CF, art. 2o ), no Brasil, não funciona, e os abusos se multiplicam, nos três Poderes. No Judiciário, o abuso das liminares. No Executivo, o abuso das medidas provisórias. No Legislativo, o abuso da legislação em causa própria, como na recente anistia das multas eleitorais.

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